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Helicóptero por aplicativo: a modalidade que pavimenta o caminho para os ‘carros voadores’

Protótipo do eVTOL da Embraer/EVE, na fábrica de Gavião Peixoto (SP). Foto: Divulgação

São Paulo abriga mais ou menos 1.100 voos de helicópteros por dia. Em Nova York, a segunda colocada no mundo, são chega a 300.

Ainda que helicóptero seja um “modal” (haja aspas) restrito ao topo da pirâmide, o fato de quase haver congestionamentos deles nos céus de SP faz da cidade um laboratório a céu aberto para testar a viabilidade dos eVTOLs – sigla em inglês para “veículos elétricos de pouso e decolagem vertical”. 

E as experiências já estão em andamento, com voos comerciais de verdade, como vamos ver nesta reportagem.

Carro voador ou helicóptero elétrico?

Na linguagem marqueteira, que pegou, os eVTOLs ganharam o nome de “carros voadores”. Mas não é justo. Os Jetsons seguem num futuro inescrutável. O que temos são basicamente projetos de helicópteros elétricos. Ou de drones gigantes, se você preferir. Mas ainda assim aeronaves que precisam de pilotos profissionais e uma infraestrutura razoável.

Até poucos anos atrás, os eVTOLs só existiam em apresentações de PowerPoint e renderizações 3D. Isso mudou. O desenvolvimento dessas aeronaves é um esforço global sólido. Pelo menos 300 empresas têm projetos nessa linha e já investiram bilhões de dólares no desenvolvimento de protótipos – alguns deles já fazem voos de demonstração. 

A grande vantagem ali em relação aos helicópteros, fora a emissão zero de CO2, estaria no preço por voo. 

Fretar um helicóptero inteiro para uma viagem de 10 minutos entre o centro financeiro de São Paulo e o aeroporto de Guarulhos não sai por menos de R$ 10 mil. Com os eVTOLs, a ideia é que a economia com o combustível e os gastos menores com a manutenção (parte da natureza de qualquer veículo elétrico) baixem esse valor para algo que caiba no bolso de mais gente.

Entre a miríade de empresas com projetos de eVTOL estão as três maiores da aviação global: Airbus, Boeing e Embraer – nesse caso, via EVE, uma subsidiária da empresa de São José dos Campos que desde 2020 levantou US$ 735 milhões emitindo ações e dívidas para criar sua aeronave elétrica.

eVTOL brasileiro já recebeu 2,9 mil cartas de intenção de compra, de 30 clientes em 13 países. Foto: Divulgação

A ideia é desenvolver um veículo para quatro passageiros com autonomia de 100 km – um quinto da de um bom helicóptero, mas é o que dá para fazer com as baterias que existem hoje.

O que existe, por ora, é uma espécie de maquete em tamanho real, montada na fábrica de Gavião Peixoto (SP). Ela está recebendo a parafernália elétrica para os primeiros testes de voo – marcados para este ano. 

A criação de um ‘ecossistema’

Construir um eVTOL, porém, é “só” uma parte da coisa toda. “A gente não está colocando um novo avião no mercado. É todo um novo segmento. Um ecossistema”, disse o francês Johann Bordais, CEO da EVE, num evento para investidores em 2024. 

Bordais se referia à infraestrutura de operação. Como seria a venda de passagens? Por assento, como num avião, ou por veículo, como no Uber? E quais seriam as rotas? Aeronaves, afinal, não pousam no meio da rua. “É um ecossistema que a gente tem de construir com parcerias”, completou o CEO da Eve.   

E as parcerias já existem. Uma delas é com a Omni Helicopters, uma empresa de táxi aéreo com sede em Lisboa e forte participação no Brasil. É a maior fornecedora de transporte aéreo para a Petrobras, por exemplo – a estatal precisa de voos para levar mão de obra às suas plataformas marítimas. A Omni opera 80 helicópteros no Brasil e carrega 800 mil trabalhadores da indústria do petróleo por ano. 

Se os eVTOLs estão na mira dos fabricantes de aeronaves, vale o mesmo para as operadoras de aeronaves. A Omni já desejava expandir sua atuação para além dos campos de petróleo. Sabendo dos projetos ambiciosos em torno dos eVTOLs, chamou a Embraer para conversar. Apresentou-se como uma possível compradora dessas aeronaves e, mais importante, como um agente capaz de ajudar no desenvolvimento do tal ecossistema.

Para tanto, montou em 2023 uma subsidiária, a Revo, dedicada ao transporte urbano de passageiros. O propósito ali é rodar um modelo de negócio que poderia ser aplicado a um futuro com eVTOLs, mas usando helicópteros convencionais – nesse caso, com uma frota de três aeronaves baseadas em São Paulo: um Airbus H135, para cinco passageiros, e dois H155, para oito.   

Airbus H155, para oito passageiros, da frota da Revo. Foto: Divulgação

Com o início da operação, a Revo trouxe algumas respostas para questões que envolvem os eVTOLs. Como reservar? Via app, igual qualquer companhia aérea. Você entra no aplicativo, escolhe data, origem e destino.

Qualquer origem e destino? Não. Para montar um negócio viável, o ideal é se concentrar onde há mais demanda: os traslados para aeroporto.

O que a Revo oferece, então, são viagens para o aeroporto de Guarulhos partindo de três helipontos: um no centro financeiro de SP (Faria Lima), outro em Alphaville e mais um no condomínio de luxo Fazenda Boa Vista – sempre perto de onde está o público alvo para esse tipo de serviço.

A venda é por assento, igual num avião. O helicóptero lota com 5 ou com 8 passageiros (dependendo da capacidade), mas parte mesmo se houver apenas um. Para a volta, mesma coisa: você marca GRU como ponto de partida e Alphaville, Fazenda Boa Vista ou Faria Lima como destino. O serviço é “de porta a porta” – um carro leva cada cliente do heliponto para casa, e vice-versa. 

Não menos importante: o chamariz número um ali é justamente aquele que se pretende para o eVTOL: o preço. Um assento custa, na maior parte dos casos, R$ 2,5 mil por perna – uma fração do aluguel de um helicóptero inteiro.

App da Revo, com os horários e preços dos voos

O desafio é, naturalmente, encher as aeronaves, de modo que a operação seja lucrativa (uma questão que também estará em jogo num futuro com aeronaves elétricas). A Revo, então, desenvolveu um sistema para adequar a oferta de voos à demanda potencial.

“Sabemos a configuração e os horários de todos os aviões que pousam em Guarulhos”, diz o português João Welsh, CEO da Revo. Ou seja: tendo na mão que, na hora tal, chega de Frankfurt um Boeing 747 da Lufthansa com 78 assentos de executiva e 16 de primeira classe, a Revo vai colocar mais voos disponíveis num horário condizente com esse pouso. Certamente haverá pessoas lá dentro dispostas a pagar R$ 2,5 mil para ser teletransportado por São Paulo.

De acordo com João, a demanda tem crescido. No início de 2024, eram 200 passageiros por mês. No final do ano, 800.

Outra empresa que pretende entrar para a lista de clientes da EVE é Flapper – pioneira na “aviação por aplicativo”. Desde 2016 ela funciona como uma espécie de AirBnB de empresas de táxi aéreo. Você entra no app e marca seus voos. Há 2,6 mil aeronaves cadastradas ali (entre aviões e helicópteros), de vários operadores.

App da Flapper, com o cardápio de helicópteros disponíveis para um traslado entre a zona oeste de São Paulo e GRU

A Flapper é conhecida por vender assentos em jatinhos a preços convidativos. Mas vamos focar aqui no assunto desta reportagem, os traslados de helicóptero. A desvantagem em relação à Revo aí é que, no caso dos helicópteros, só existe a possibilidade de fretar a aeronave inteira. Os preços para uma viagem do centro de São Paulo para GRU, então, começam em R$ 10 mil.

A vantagem, por outro lado, é que dá para escolher o ponto de partida entre dezenas de helipontos na Grande SP. Além disso, o serviço também está presente no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Curitiba.

As “asas rotativas”, de qualquer forma, não são o grande negócio ali. As viagens de helicóptero representam só 10% das receitas da Flapper. “Voos de jato particular são simplesmente um negócio melhor, com ticket médio cinco vezes mais alto e mais mercado”, diz o polonês Paul Malick, CEO da Flapper. 

Interior de um helicóptero disponível no sistema da Flapper. Foto: Divulgação

Mesmo assim, a empresa assinou uma carta de intenção de compra de 25 eVTOLs com a EVE e pretende usar dados das operações de helicóptero para moldar um futuro serviço com aeronaves elétricas. A Revo também assinou uma, com o objetivo de adquirir 50 aeronaves.

Cartas de intenção precisam ser confirmadas para virar compras para valer, mas servem de radar para o interesse do mercado. Só a EVE tem pré-acordos assim para a venda 2,9 mil eVTOLs, com 20 clientes de 13 países, e prevê uma receita de US$ 14,5 bilhões caso os negócios se concretizem. Isso dá US$ 5 milhões por aeronave – patamar equivalente ao de um helicóptero convencional.

Vale lembrar que esse não é um valor compatível com viagens muito mais baratas que as de hoje, mesmo levando em conta que a operação seria mais econômica. A questão, de qualquer forma, não é mais “se” teremos eVTOLs em operação comercial, mas “quando”. E é natural que os preços caiam conforme o serviço se expanda, ao longo das próximas décadas. A ver, então, se os ‘carros voadores’ vão mesmo popularizar o transporte aéreo urbano, ou se permanecerão indefinidamente como um luxo para poucos.      

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