A insistência dos Odebrecht: por que uma fatia de 5% da Braskem é vital para a recuperação judicial da Novonor

Enquanto bancos, IG4, Tanure e Petrobras disputam a petroquímica, grupo luta para manter o único ativo capaz de sustentar sua sobrevida financeira

Na longa novela sobre o futuro da Braskem, um personagem central tem aparecido à margem da trama: a Novonor. Dona de direito, mas não na prática, do controle da petroquímica, a antiga Odebrecht age nos bastidores das negociações da venda daquela que já foi a joia da coroa do grupo. E tenta a todo o custo encontrar uma forma de manter uma fatia pequena, de cerca de 5% de participação, na Braskem. Um pedaço pequeno, mas crucial para manter vivo seu plano de recuperação judicial.

A Novonor, novo nome adotado pelo grupo Odebrecht no fim de 2020, está em RJ desde 2019. E, segundo pessoas próximas às tratativas ouvidas pelo InvestNews, a Braskem hoje é o único ativo capaz de gerar liquidez para sustentar a reestruturação. É que a crise deflagrada pela Operação Lava Jato acabou impondo muitas barreiras para que o grupo retomasse o crescimento.

A Novonor enfrentou nos últimos anos, por exemplo, dificuldade em participar de muitos processos de licitação ou concessão públicos. E também tem crédito restrito no mercado, o que é outra limitação para que a empresa participe de projetos maiores.

Com tudo isso, a fotografia financeira ainda é negativa. Em 2024, a companhia registrou prejuízo de R$ 16,9 bilhões. A dívida bruta consolidada soma R$ 110,8 bilhões. Desse total, cerca R$ 46 bilhões vêm da dívida corporativa da Braskem, já que a holding ainda é formalmente sua controladora. Sem ela, o passivo da Novonor ficaria mais próximo de R$ 65 bilhões.

A recuperação judicial da Novonor foi aprovada pelos credores em meados de 2020 em um modelo chamado de “consolidação substancial”, que juntou no mesmo processo dezenas de empresas da antiga Odebrecht, misturando ativos e passivos em um único bolo. Em vez de cada companhia negociar separadamente com os credores, todo o grupo passou a responder em conjunto, como se fosse uma só empresa. 

O plano prevê que o pagamento das dívidas seria feito por meio de debêntures emitidas pela holding, resgatadas pouco a pouco com base em um mecanismo chamado “caixa para distribuição”. Esse caixa nada mais é do que o excedente de recursos do grupo: sempre que o saldo consolidado ultrapassa um limite mínimo, hoje em R$ 398,5 milhões, o valor excedente deve ser usado para amortizar a dívida.

Refinaria da Braskem, dos Odebrecht, nos Estados Unidos(Bloomberg/Luke Sharrett)

Na prática, os relatórios de monitoramento acessados pelo InvestNews mostram que esse mecanismo só funcionou de verdade quando a Braskem distribuiu dividendos. E isso aconteceu apenas em três ocasiões: em 2019, quando os credores receberam R$ 26,2 milhões; em dezembro de 2021, quando o repasse chegou a R$ 2,1 bilhões; e em maio de 2022, com mais R$ 518 milhões. Somados, foram cerca de R$ 2,65 bilhões transferidos diretamente aos bancos credores, sem passar pelo caixa da Novonor. 

Fora esses episódios, a engrenagem praticamente não rodou. Em 2024 e 2025, por exemplo, o saldo consolidado do grupo raramente passou de algumas dezenas de milhões de reais — muito abaixo dos quase R$ 400 milhões que aciona os pagamentos. Isso deixou ainda mais evidente que, sem a Braskem, o plano de recuperação não tem combustível para se manter.

A questão hoje, porém, é que a Braskem não distribui dividendos desde o exercício de 2021, por causa de sua própria crise financeira e do passivo bilionário de Alagoas.

Ainda assim, a participação é considerada ainda muito estratégica: essas ações poderiam ser usadas como garantia em novas operações ou mesmo para dar acesso a linhas de crédito. Outro ponto é que as ações da Braskem estão hoje muito depreciadas. Mas tendem a voltar a subir quando o controle da empresa for definido. E só sair do negócio agora tiraria da ex-Odebrecht a oportunidade de ganhar ao menos uma parte dessa futura valorização.

Além da Braskem

Fora a Braskem, a Novonor ainda controla um conjunto de empresas, mas nenhuma delas tem escala para sustentar a reestruturação. A Odebrecht (também conhecida como OEC), braço de engenharia pesada que foi sinônimo da expansão global do grupo, voltou a conquistar contratos e fechou 2024 com uma carteira de obras contratadas de cerca de US$ 3,9 bilhões, distribuída em 31 projetos — 21 no Brasil e 10 no exterior. 

Entre eles estão linhas de transmissão de energia, obras de saneamento em capitais nordestinas e contratos de infraestrutura em Angola e nos Estados Unidos, além de negociações para atuar na Guiana. O avanço comercial, porém, não foi suficiente para aliviar o peso do passivo: em junho de 2024, a companhia pediu uma recuperação judicial própria, com dívidas de US$ 4,6 bilhões. 

O plano, aprovado em assembleia em novembro, abriu espaço para a captação de até US$ 150 milhões em financiamento destinado a empresas em RJ (o DIP) estruturado pelo BTG Pactual, que se tornou a principal fonte de capital de giro para manter fornecedores e garantir a continuidade dos projetos.

Neste mês, a OEC deu mais um passo na tentativa de retomar espaço em grandes obras públicas ao se habilitar e disputar a licitação de dois lotes da Linha 19 do Metrô de São Paulo. A empreiteira apresentou propostas de R$ 5,24 bilhões e R$ 6,7 bilhões, respectivamente, para realizar as obras, concorrendo com empresas como Andrade Gutierrez e Power China. O resultado dos certames, que vão avaliar o valor da proposta e a capacidade técnica da empresa, vão sair nos próximos meses.

No setor imobiliário, o grupo tem a OR, enquanto a recém-criada Nova Infra Invest nasceu para atuar em concessões de transporte, energia e saneamento. Há também iniciativas no setor de defesa (ICN) e a Supervia no Rio de Janeiro.

Embora a Braskem seja a única que tenha gerado dinheiro novo para a Novonor, outras empresas do grupo também tiveram importância na reestruturação do passivo da holding dos Odebrecht.

A Ocyan, empresa de óleo e gás offshore, saiu do grupo em abril de 2024 em um acordo com o BNDES e demais credores. Nas demonstrações financeiras, a transação retirou R$ 1,7 bilhão em passivos diretamente do balanço consolidado, mas o efeito mais relevante foi econômico: ao transferir o controle da companhia, a Novonor deixou de consolidar a dívida bruta da subsidiária, estimada em cerca de R$ 7,5 bilhões

De forma similar, a transferência do controle da Atvos, antiga Odebrecht Agroindustrial, levou o grupo a dar baixa em um crédito de R$ 9,5 bilhões que detinha contra a subsidiária. Essa baixa resultou em uma perda contábil, mas foi uma medida estratégica para equacionar as dívidas atreladas à empresa de bioenergia.

A Odebrecht hoje

A governança da Novonor também mudou bastante ao longo da última década. Hoje, o representante da família mais ligado à Novonor é Mauricio Odebrecht, irmão mais novo de Marcelo, que presidia o grupo Odebrecht quando a Lava Jato foi deflagrada. Marcelo chegou a ser preso em 2015. E desde 2022 está totalmente afastado da empresa, inclusive como acionista, após acordo judicial.

Maurício Odebrecht, presidente do conselho de administração da Novonor (Divulgação)

Formado em administração e com carreira no setor agropecuário, Maurício mantém a ligação institucional da família com a empresa. Descrito como uma figura mais comedida e menos passional do que o irmão, ele não interfere no dia a dia da companhia, afirmam pessoas próximas à Novonor ouvidas pelo InvestNews

A gestão executiva está nas mãos do CEO Héctor Núñez, executivo de mercado com passagens por Unilever e Walmart, que assumiu a presidência em 2022 com a missão de conduzir uma reestruturação que parece cada vez mais dependente da Braskem.

Garantia bancária

A Novonor detém, formalmente, 38,3% do capital total da Braskem. Só que essa fatia já está comprometida com os credores. A perda sobre o controle das ações da Braskem foi se construindo ao longo da última década. Em 2013, parte das ações preferenciais da petroquímica foi entregue como garantia a Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e BNDES.

Cinco anos depois, em 2018, o mesmo ocorreu com o bloco de ações ordinárias. Desde então, os dividendos passaram a ser pagos diretamente aos bancos, que entre 2019 e 2022 embolsaram os R$ 2,65 bilhões distribuídos até o exercício de 2021.

Hoje, a dívida da Novonor garantida pelas ações da Braskem soma cerca de R$ 19 bilhões, enquanto o valor de mercado total da Braskem gira em torno de R$ 8 bilhões — o que significa que a fatia da Novonor vale perto de R$ 3 bilhões. Ou seja, não é negócio para ninguém vender os papéis nessas condições.

A própria Braskem atravessa um período de fragilidade que reflete a paralisia causada pela crise da controladora. No segundo trimestre de 2025, a petroquímica registrou um lucro operacional (Ebitda) recorrente de apenas US$ 74 milhões (cerca de R$ 425 milhões), uma queda de 77% frente ao mesmo período de 2024. Com isso, a petroquímica registrou prejuízo de R$ 268 milhões, com a alavancagem disparando para 10,6 vezes a dívida líquida pelo Ebitda.

O problema em Alagoas também continua pesando: o saldo da provisão fechou junho em R$ 4,7 bilhões, mesmo após desembolsos de quase R$ 900 milhões no semestre. Ao todo, a Braskem já comprometeu R$ 18 bilhões para lidar com a crise causada pela sua planta de mineração de sal-gema no Estado.

Nesse ambiente de vulnerabilidade, a disputa pelo futuro da companhia se intensificou nos últimos meses. Em agosto, terminou sem proposta vinculante o acordo de exclusividade que a Novonor havia dado a Nelson Tanure

Um dia depois, os cinco bancos credores fecharam com a gestora IG4 um contrato de exclusividade de 90 dias para assumir a participação de 38,3% da Novonor na Braskem, estruturado via fundo de investimentos. A Petrobras foi informada e passou a negociar um papel mais ativo na gestão, enquanto a Novonor insiste em preservar uma fatia residual — de 3% a 5% — para sustentar sua recuperação judicial.

Nelson Tanure: empresário segue na disputa pelo controle da Braskem (Ilustração: Daniela Arbex)

O desenho proposto pela IG4 é visto como uma alternativa mais palatável pelos bancos porque não exige que nenhum deles venda imediatamente suas dívidas com deságio. A ideia é transferir os créditos para um fundo de investimentos estruturado pela gestora. Hoje, a permanência da Novonor no cap table é considerada, apurou o InvestNews.

Nesse veículo, os próprios bancos permaneceriam como cotistas, preservando o direito econômico sobre os papéis. Se o turnaround der certo — com melhoria da governança, entrada no Novo Mercado e foco em destravar valor —, esses créditos poderiam ser convertidos em ações da Braskem e vendidos no futuro em condições melhores. A gestora se coloca, assim, como articuladora de um processo de transição que não cristaliza as perdas atuais dos credores.

A Petrobras, maior sócia da Braskem ao lado da Novonor, também tenta moldar esse arranjo. A presidente da estatal, Magda Chambriard, já deixou claro que só enxerga uma injeção de capital na petroquímica se a participação da Novonor for diluída e der lugar a um novo sócio. Para ela, a presença da antiga Odebrecht é incompatível com os aportes necessários para reequilibrar a companhia.

A CEO da Petrobras também tem exigido um papel mais ativo na governança, lembrando que a Petrobras detém 47% das ações ordinárias e poder de veto sobre relevantes, como a venda de ativos nos EUA e no México. “Não é possível que a sexta maior petroquímica do mundo não dê certo”, disse, cobrando mais disciplina estratégica da Braskem.

Procurada pelo InvestNews, a Novonor não concedeu entrevista.

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