Essa transformação regulatória, aprovada pelo Congresso na forma da MP 1.300, abre espaço para uma revolução na maneira como a energia elétrica é comprada, vendida e precificada, um potencial que a plataforma N5X quer muito capturar: a ambição é ser uma “bolsa de energia”, à semelhança das bolsas de valores tradicionais.
“Olhando para a abertura do mercado livre de energia, a questão não é se o Brasil precisa de uma bolsa, a questão é quem vai ser essa bolsa”, disse Dri Barbosa ao InvestNews. A CEO da N5X compara o momento atual do mercado de energia às mudanças regulatórias que aconteceram a partir de 2012 no mercado de meios de pagamento – quando Cade e Banco Central forçaram a abertura de um setor até então concentrado em duas empresas.
Naquela ocasião, Dri Barbosa viu uma oportunidade para alcançar os pequenos comerciantes, até então à margem da indústria das maquininhas. Fundou a Payleven, posteriormente fundida à SumUP. Dri vendeu a parte dela no negócio e treinou o olhar para encontrar oportunidades em outros mercados. Nos anos seguintes ainda “daria exit” em mais duas startups até aceitar o cargo de CEO da N5X, em 2023.
A N5X é financiada pelo L4, fundo de investimentos da B3, e pelo EEX Group, maior rede de bolsas de energia do mundo, controlada pela bolsa alemã, a Deutsche Börse – cada uma com 50% da N5X.
Mas o que significa, na prática, ser uma bolsa de energia?
Em mercados mais maduros, como Alemanha e Estados Unidos, as bolsas de energia funcionam como uma engrenagem central do setor: elas reúnem todas as negociações em um único ambiente padronizado, com mais transparência e regras comuns a todos.
Em vez de cada empresa negociar diretamente com outra — com prazos e condições diferentes, como acontece hoje no Brasil —, todos os contratos passam por uma contraparte central, ou seja, uma entidade que se coloca entre comprador e vendedor e garante o cumprimento do contrato, atuando como fiadora das transações: mesmo que uma das partes atrase ou quebre, a liquidação é garantida. Para participar desse mercado, as partes precisam depositar garantias que cubram suas posições.
Ao mesmo tempo, essas bolsas registram os preços praticados, definem prazos, administram garantias e servem de referência para o mercado, funcionando como uma infraestrutura essencial para que a energia elétrica seja tratada como uma commodity — algo negociado em larga escala, com liquidez, previsibilidade e segurança.
Hoje, a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) é a entidade que administra o mercado de energia no Brasil. Sua função principal é contabilizar e liquidar todas as operações, especialmente no mercado de curto prazo — conhecido como mercado spot — que serve para ajustar as diferenças entre a energia contratada e a efetivamente consumida ou gerada.
Além disso, é na CCEE que se registram os contratos do mercado livre de energia, onde consumidores, geradores e comercializadores (intermediárias que vivem do spread entre compra e venda) negociam de forma bilateral. A Câmara também é responsável por operacionalizar os leilões de energia regulada, organizados pelo governo para contratar geração de longo prazo e garantir o suprimento do sistema.
O problema é que os contratos do mercado livre, ainda não padronizados, podem trazer riscos financeiros para os agentes. Desde 2018, houve ao menos dez episódios de inadimplência ou descumprimento contratual por parte de comercializadoras ou consumidores, criando insegurança e risco de efeito dominó.
A N5X surge com uma proposta diferente. Em vez de atuar apenas nos ajustes de curto prazo ou na execução dos leilões regulados, como faz a CCEE, ela pretende estruturar contratos padronizados de energia e derivativos, negociados de forma voluntária entre empresas. A ideia é dar previsibilidade de preços e proteção contra a volatilidade. Se o mercado spot é o espaço para “resolver o presente” e os leilões são o instrumento de planejamento de longo prazo definido pelo governo, a N5X quer se consolidar como a plataforma privada para organizar o “mercado do futuro”.
Nas palavras da CEO, a N5X busca ser “uma plataforma de negociação e registro de derivativos padronizados”. Hoje, já oferece uma tela de negociação em que os agentes podem inserir ordens de compra e venda com limites de crédito. Em operação desde junho de 2024, a plataforma já movimentou R$ 1 bilhão, o equivalente a 4,53 TWh de energia — suficiente para abastecer Curitiba por um ano. Empresas como Casa dos Ventos, Eletrobras e Minerva já utilizam a Tela N5X.
Agora, a meta é virar uma bolsa de energia completa, incorporando a função de câmara de compensação de energia até a abertura total do mercado livre, em 2027. A expectativa, explica Dri Barbosa, é que a N5X atraia não só empresas do setor elétrico, mas também investidores institucionais, inclusive estrangeiros.
“Muito investidor lá de fora entende que energia é um ativo que faz sentido ser negociado no ambiente de bolsa e já negocia em mercados como o europeu e o americano”, pontua. “O Brasil é o sexto maior mercado consumidor de energia do mundo e tem potencial para atrair esses investidores, mas precisa ter a contraparte central.”
2027, como se sabe, é logo ali. O desafio da N5X é se tornar a câmara de compensação que formalize o aperto de mãos entre o setor elétrico e o mercado financeiro. Se isso acontecer, a abertura do mercado de energia pode repetir o que aconteceu com os meios de pagamento há pouco mais de uma década: uma mudança regulatória que abriu espaço para novos agentes e redesenhou um setor inteiro.