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Plano de grande diluição do Pão de Açúcar eleva desconfiança do mercado
Com investidores já preocupados sobre endividamento, anúncio de follow-on de R$ 1 bi pressionou ação.
Uma queda da ação que chegou a passar de 11% no intradia é sinal claro: o mercado não gostou do anúncio de que o Grupo Pão de Açúcar prepara uma oferta primária (follow-on) de R$ 1 bilhão e uma reformulação de seu conselho. Mas a desconfiança de investidores em torno da empresa já vinha de antes, com as atenções voltadas ao endividamento e dúvidas sobre a capacidade de reinvenção em um cenário de concorrência cada vez mais acirrada.
Foi o que disseram especialistas ouvidos pelo InvestNews em meio ao recuo de 6,7% da ação PCAR3 na bolsa nesta segunda-feira (11). Na mínima do dia, as perdas chegaram a 11,31%. Mas a queda já vem de meses anteriores, com a ação acumulando perdas de mais de 40% no ano até agora, contra ganhos de mais de 15% do Ibovespa.
O recuo desta segunda veio na sequência do anúncio do possível follow-on que, se ocorrer mesmo, deve levantar recursos que serão utilizados pela empresa para reduzir seu endividamento, conforme divulgado no comunicado ao mercado.
Especialistas chamaram a atenção para o tamanho da oferta, especialmente tendo em vista que o valor de mercado do Grupo Pão de Açúcar é de R$ 1,1 bilhão. Isso significa que o processo resultaria numa diluição de cerca de 50% aos acionistas que não acompanharem o follow-on. “É algo muito grande”, comenta Vitorio Galindo, head de análise fundamentalista da Quantzed.
Max Mustrangi, sócio fundador da Excellance, empresa que atua com reestruturação de empresas, destaca que a diluição inclui o francês Casino, controlador do GPA com uma participação de 40,9%. “A impressão que me dá é que o controlador não acredita mais no negócio.”
“Além da necessidade de injeção de dinheiro por causa da alavancagem financeira elevadíssima, a impressão que me passa é que eles estão saindo fora do business, não acreditando na reversão. E deixando a dívida, alavancagem, na mão do investidor pequeno, sem conhecimento”, diz ele.
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O alerta do endividamento
A tentativa da empresa de levantar recursos para reduzir o endividamento não é à toa. A relação entre a dívida líquida e o Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) – ou seja, a comparação de quanto a empresa deve e a capacidade de geração de caixa – chegou a 9,83 no terceiro trimestre, em 12 meses. O número é muito maior do que o 1,8 do setor como um todo, segundo dados da plataforma Valor Pro.
O sinal de alerta não é preocupação somente do mercado financeiro, mas também da direção da empresa. Na semana passada, em evento voltado a investidores, o CEO do Grupo Pão de Açúcar, Marcelo Pimentel, e o CFO, Rafael Russowsky, falaram sobre os planos para reduzir o endividamento.
O projeto inclui a venda da sede do grupo em São Paulo e da sua rede de postos de combustíveis, que correspondem a cerca de 7% das receitas do grupo, considerando os dados do terceiro trimestre de 2023. As vendas devem render R$ 500 milhões ao caixa, pelas previsões da companhia.
Mas o problema, na visão de especialistas, é que nada disso representa uma virada de chave estrutural na operação da empresa. “Eles estão recorrendo agora à venda de ativos, já venderam vários ativos imobiliários para fazer caixa, que não é o core business deles, ou seja, estão vendendo os dedos pra tentar manter a mão”, opina Mustrangi.
Caroline Sanchez, analista da Levante Investimentos, avalia que “todos os esforços que estão sendo empregados na reestruturação da varejista ainda assim não são suficientes para equilibrar a estrutura de capital”, e cita desafios ainda não superados para o negócio.
“O cenário competitivo mais acirrado para as operações do GPA, com expansão de players como St. Marché, Oba, Mambo e Oxxo, requer uma estratégia sólida que envolve preços competitivos, inovação em produtos e serviços, além de uma experiência de compra satisfatória para os clientes, a fim de conquistar e manter participação de mercado.”
Caroline Sanchez, analista da Levante Investimentos
Diante disso, ela acrescenta que, “apesar dos sinais de avanço que a companhia tem apresentado, mudanças estratégicas e reajustes podem levar tempo para se refletirem totalmente nos resultados financeiros, especialmente em um cenário competitivo e dinâmico”.
“A recuperação do formato premium e a melhoria da margem bruta são metas desafiadoras, e a empresa deve continuar focada na implementação dos pilares estratégicos e na busca de eficiência operacional para alcançar esses objetivos.”
Sequência de prejuízos
Considerando o consolidado, o Grupo Pão de Açúcar registrou no terceiro trimestre de 2023 seu sexto resultado negativo consecutivo, com prejuízo de R$ 1,28 bilhão, acumulando perdas de R$ 1,83 bilhão no ano até o período.
Esse resultado foi afetado pela conclusão da segregação da unidade colombiana Éxito. Sem esse efeito, a empresa teria registrado lucro de R$ 809 milhões, revertendo prejuízo de R$ 229 milhões no mesmo período de 2022.
Mudanças no conselho: alerta de governança
Além dos números, o mercado também repercute tem forma negativa a proposta da administração para eleição de uma nova chapa do conselho de administração.
“É estranho a gente imaginar que a diretoria vai propor mudar o conselho. Geralmente o que acontece é o inverso. Enfim, é uma questão de governança meio estranha que eu não vejo com bons olhos”, diz Galindo, da Quantzed.
Além das incertezas sobre a governança, as mudanças no conselho ainda reforçam o pessimismo sobre a condução do planejamento dos rumos da operação, como comenta Mustrangi, dizendo que “está evidente que a direção atual não consegue achar uma estratégia de geração de valor”.
“Eles continuam perdendo o valor continuamente, aumentando a necessidade de capital de giro e financiamento, e num mercado cada vez mais restritivo de oferta de financiamento e mais caro. Ou seja, a tendência de piorar o resultado é cada vez maior.”
Max Mustrangi, sócio fundador da Excellance
Galindo concorda que a perspectiva para Pão de Açúcar é negativa. “Foram distribuídos os melhores ativos, por assim dizer, e o que sobrou na casca lá agora é a dívida e uma operação que não dá dinheiro há muito tempo. Então, eu diria que a perspectiva é ruim para a empresa.”
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