Negócios
Terceirizados relatam condições de trabalho precárias no Lollapalooza
Relatos incluem falta de água e comida azeda; empresas dizem ter seguido exigências e MPT está investigando.
Funcionários de empresas terceirizadas contratadas para trabalhar no Lollapalooza informaram condições de trabalho precárias durante o evento, como horas de serviço excedentes aos seus contratos, demora de distribuição de água e refeições e comida “azeda”. As empresas dizem ter seguido os critérios, enquanto o Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que está investigando o caso na esfera coletiva.
O InvestNews esteve no evento no sábado (25) e no domingo (26) e conversou com trabalhadores da limpeza e serviço de bebidas.
Uma das auxiliares de limpeza relatou que, em meio ao forte calor, os funcionários ficaram sem água e receberam comida azeda. A trabalhadora disse que tinha sido contratada pela MACAM, empresa especializada em terceirização de serviços diversos.
“Mais competência com os funcionários. Deixar os funcionários o dia inteiro sem água, sem comer direito. Ainda quando vai comer, a marmita está azeda”, afirmou no sábado.
“Cansativo, desvalorizado. Ontem a gente passou o dia todo debaixo do sol quente, sem água, com fome. Ganha pouco. É isso.”
Auxiliar de limpeza do Lollapalooza
Já no domingo (26), outros funcionários da mesma empresa relataram que tiveram acesso à comida, água e protetor solar.
Enquanto isso, no mesmo dia, ambulantes que faziam a venda de bebidas (neste caso, Mike’s) disseram ter demorado para receber alimentação na sexta-feira e, quando a comida chegou, estava azeda. Eles afirmaram que foram recrutados pela WaveBar, empresa de solução de bar e produção, mas assinaram contrato de prestação de serviços à Artlab Intermediação de Negócios e Comércio.
“No quesito de alimentação eles estão deixando muito a desejar”, disse um. “No primeiro dia que a gente veio, o almoço saiu 5 horas da tarde. Teve gente até passando mal”, complementou outro.
Quando eles finalmente foram almoçar na sexta-feira, uma das opções de comida (macarrão) estava azeda. Antes disso, eles receberam apenas água, conforme informado.
Os trabalhadores ainda comentaram que o horário combinado não estava sendo cumprido. “Tem que estar aqui às 8 horas da manhã e a gente vai embora às 11 da noite. São mais de 12 horas trabalhando… Falaram para a gente assinar um contrato de trabalho também, que nosso horário de trabalho é das 2 horas [da tarde] até as 9 horas da noite e isso não acontece”, disse um dos trabalhadores.
Eles informaram que a WaveBar ofereceu R$ 120 a diária mais comissão de R$ 2 por latinha vendida acima de 60 unidades – número mínimo para o recebimento da comissão. Não teve auxílio transporte.
“A gente está na informalidade aqui e não tem ninguém por nós.”
Vendedor de bebidas do Lollapalooza
Atendentes de bares (neste caso, Budweiser), contratados pela Team Eventos, também informaram no domingo que estavam trabalhando mais horas do que o estabelecido. “Eu começo às 11 da manhã e saio normalmente 11 da noite. São 12 horas trabalhadas”, disse um colaborador, que ainda afirmou que não havia assinado o contrato de trabalho.
Outra atendente acrescentou que o combinado em contrato para a jornada de trabalho era de 8 horas, mas, caso se estendesse o período de trabalho, haveria um pagamento extra. “De acordo com o contrato, está marcando que são 8 horas de trabalho, com uma hora de almoço, são R$ 160, R$ 20 por hora. E se ficar a mais do horário, são R$ 20 a mais”, comentou. Mas ela também pontuou que os funcionários não tinham permissão para cumprir a hora completa de almoço.
Outro lado: o que dizem as empresas
O InvestNews procurou as empresas citadas para pedir um posicionamento sobre os relatos dos funcionários. Veja abaixo:
MACAM
Em nota enviada ao InvestNews, a MACAM reconheceu que algumas marmitas estragaram por conta da temperatura, mas que os prestadores de serviço podiam trocá-las caso achassem necessário.
“O fato da reclamação da marmita, entendemos que pode ser possível devido a alta temperatura e do tempo para a comida sair da cozinha e chegar na base operacional. Houve empecilhos como: ruas fechadas pela polícia e até mesmo trânsito de horas nas ruas do autódromo. Como solução, enviávamos sempre 10% a mais de refeições e solicitávamos que os prestadores que desconfiassem que a comida estivesse fora do padrão de qualidade trocassem imediatamente”, disse a empresa em nota.
Quanto à falta de água, a MACAM informou que, na verdade, isso era responsabilidade da T4F, empresa organizadora do evento. “Havia diversos pontos de abastecimentos espalhados pelo autódromo, assim como em nossa base operacional. Nossos líderes passavam frequentemente nesses pontos de água e, caso estivesse próxima a acabar, acionávamos a produção imediatamente e a mesma era responsável por reabastecer. Fica claro para nós que a reclamação deve ser por conta das longas distâncias no autódromo, que é um espaço muito grande”, escreveu a empresa. A organização ainda acrescentou que ofereceu lanche da tarde aos colaboradores.
Por fim, a MACAM também disse que seguiu as exigências impostas pelo “Ministério Público do Trabalho, dos sindicatos e de uma auditora terceira contratada pela T4F para fiscalizar toda a documentação de trabalho”.
WaveBar e Artlab
A WaveBar, citada pelos funcionários, negou que fez recrutamento de funcionários para trabalhar no Lollapalooza. No contrato apresentado por eles, consta o nome da Artlab Intermediação de Negócios e Comércio. A empresa também foi procurada pela reportagem, mas não retornou o pedido de posicionamento feito pelo InvestNews.
Team Eventos e T4F
O InvestNews também pediu para a Team Eventos e T4F se posicionarem, mas não houve retorno até a última atualização desta reportagem.
Investigações
O Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que está investigando o caso na esfera coletiva.
As reclamações vêm após o Ministério do Trabalho e do Emprego em São Paulo resgatar cinco colaboradores que prestavam serviços de logística de bebidas para o Lollapalooza. Eles eram contratados pela Yellow Stripe, empresa de produção de eventos.
Durante uma fiscalização, o órgão verificou que trabalhadores dormiam no chão ou sobre pallets de bebidas, não tinham acesso a energia elétrica e não recebiam Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Também foi verificado que eles trabalhavam por 12 horas durante o dia (das 7 às 19h) e durante a noite eram obrigados a dormir no autódromo Interlagos, nos diversos pontos de estoque de bebidas, para fazerem a vigilância das cargas.
Em edições anteriores do Lollapalooza, casos semelhantes também foram registrados e divulgados na mídia.
Direitos dos trabalhadores
Gabriel Henrique Santoro, advogado trabalhista do escritório Juveniz Jr Rolim Ferraz, ressalta a importância dos trabalhadores que se sentirem prejudicados fazerem denúncias – que, inclusive, podem ser anônimas – ao MPT em casos como esses do Lollapalooza, para que ações coletivas sejam movidas ou ganhem força. “Isso fere a coletividade, não é mais um dano individual… é de todo mundo que está envolvido no evento”, diz Santoro.
A depender do resultado das investigações, as empresas podem ser punidas com multas. “Normalmente, esse valor [de multa] é revertido para algum fundo de amparo ao trabalhador”, então os recursos não vão para as pessoas lesadas, segundo o advogado. “Isso traz mais efetividade para que não se repita no próximo [evento]”, explica ainda.
Santoro diz que, no caso do colaborador ter assinado contrato para prestar serviços como autônomo, mover uma ação civil individual contra a empresa sai muito caro e não traz tantos prejuízos a ela – o que pode fazer com que ela não mude a sua postura. Já para trabalhadores do regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que têm mais direitos assegurados, mover uma ação civil individual pode ser mais vantajoso.
Outras experiências
Apesar das denúncias, houve funcionários que relataram bom atendimento no evento. Uma auxiliar de limpeza contratada pela Canal Service, empresa especializada em terceirização de serviços diversos, contou que foi bem tratada, recebeu auxílio transporte e boa alimentação. “O salário é bom, é R$ 100. E tem benefício, o almoço… transporte”, disse.
“A minha experiência é ótima, já tem um tempo que eu faço o Lolla, né. Então, para mim, é mais uma experiência muito boa”, disse outra auxiliar de limpeza contratada pela Planservice, empresa especializada em terceirização de serviços diversos.
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