Com o passar das edições do Lollapalooza Brasil, os preços dos ingressos naturalmente foram aumentando, mas os patamares alcançados têm deixado muitos dos interessados no festival cada vez mais surpresos. Neste ano, os ingressos mais baratos foram os da pré-venda meia-entrada – que para os três dias saíram pelo valor de R$ 900, próximo ao salário mínimo (R$ 1.302). Algumas categorias VIPs de ingressos para os três dias chegaram a mais de R$ 5 mil.
Para especialistas, considerando o atual salário mínimo do país, os preços das entradas parecem caros, mas quem realmente responde isso é o público ao esgotar ou não as compras. Porém, eles ainda apontam uma série de razões econômicas e de negócios que justificam os valores estarem nesses patamares.
José Sarkis Arakelian, professor de negócios da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), menciona que um dos principais fatores que mexem com os preços dos ingressos é a conversão de câmbios, em especial do dólar para o real – nesta quarta-feira (22), cada US$ 1 valia cerca de R$ 5,23.
O especialista explica que, na maior parte das vezes, as negociações com as bandas internacionais são feitas na moeda norte-americana e, consequentemente, a supervalorização dela sobre o real eleva os custos no Brasil.
“A realidade é que a nossa moeda continua muito depreciada em relação ao dólar e euro. E, evidentemente, quando a gente está falando de um show internacional, esse é um fator que não pode ficar fora da equação. Quando você vai negociar com essas bandas internacionais, elas têm determinado valor de diária. E esse valor de diária não vai mudar porque é a América Latina.”
José Sarkis Arakelian, professor de negócios da FAAP.
Ele ainda acrescenta que outros fatores que encarecem o evento são a distância para trazer todos os artistas e as dificuldades de estrutura. “A gente está longe. Quando você traz um evento, um artista, uma banda ou várias delas, não é só aquela banda, aqueles quatro ou cinco caras, você traz toda a equipe. Essa conta pesa, e pesa em moeda forte”, comenta.
Para Rodolpho Weishaupt Ruiz, professor de Administração da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), outros fatores que encarecem o evento no Brasil são o custo de mão de obra elevado e a alta taxa de juros para captação de financiamento.
“O Brasil tem custos elevados de mão de obra e de taxa de juros para captação de financiamento. Então, fazer a montagem de todo o evento, que pode envolver milhares de pessoas, já aumenta os custos – além dos materiais para confecção dos palcos”, diz Ruiz.
A precificação da cultura, oportunidade e desejo
Arakelian, da FAAP, cita ainda outros fatores que compõem a precificação do evento. Para ele, um primeiro ponto é que, no Brasil, existe a “cultura da meia-entrada”. Por isso, na maior parte das vezes, o valor é lançado para cima, calculando-se que grande parte das pessoas irão utilizar essa modalidade.
“Se todo mundo entrar com meia-entrada, o que eu vou fazer? Eu vou cobrar o dobro”, pontua Arakelian. “Não se engane, não existe almoço de graça”, acrescenta.
Além disso, depois da pandemia, houve uma valorização das “experiências reais”, o que vem encarecendo eventos como esse, segundo ele.
“Estar presente passa a ter um valor maior do que tinha até a gente não ter a possibilidade de estar presente. Esse foi um período que deu um reset de como a gente encara muitas dessas experiências. Talvez isso passe, talvez não. Estamos vivendo um período de valorização da experiência ao vivo.”
José Sarkis Arakelian, professor de negócios da FAAP.
O professor também fala que a ideia de escassez tende a mexer com os preços e que, por não ser um consumo funcional, mas simbólico, os consumidores perdem um pouco da sensibilidade do valor cobrado.
“Quando vem uma tour para América do Sul, você não sabe quando esse cara vai voltar, se ele vai voltar. Existe essa sensação de escassez. E aí o medo de se perder algo que talvez você não tenha a oportunidade de voltar [atrás] e isso te faz ter uma sensibilidade ao preço diminuída”, comenta.
Lollapalooza Brasil
Nesta 10ª edição do evento, que acontece entre esta sexta-feira (24) e domingo (26), os preços dos ingressos do lote extra para entradas inteiras para um dia estão a R$ 1.560.
O festival contou com algumas categorias de ingressos com preços distintos. Os valores para cada categoria foram aumentando gradualmente, de acordo com os lotes de oferecimento. Logo no início da divulgação das vendas, o público já se queixava na internet.
Por outro lado, na percepção de Caroline Andrade, gerente comercial e estudante de MBA, que adquiriu os ingressos na pré-venda meia-entrada para os três dias no valor de R$ 900, o custo não foi alto neste caso. Ela justifica que, dividindo o valor pelo total de diárias e pela quantidade de artistas, os ingressos ficaram mais em conta do que muitos dos shows de apenas um cantor que ela já foi.
Andrade comenta ainda que não teve dúvidas sobre fazer ou não a compra mesmo na pré-venda (quando os artistas ainda não foram divulgados), visto que ela tem a alternativa de venda dos ingressos caso ache necessário.
“Sempre vale a pena porque, mesmo que você não curta o line-up quando ele sai, você consegue revender. E como a pré-venda é sempre mais barata, você sempre vai conseguir vender pelo mesmo preço ou maior. Então, na apreciação dele também vale a pena”, diz.
Ruiz, da ESPM, menciona que, no Brasil, quem vai a esses eventos são as classes B e B+, em sua grande maioria. “Pode haver pessoas da classe C (que irão fazer um esforço econômico enorme para poder ir). O evento é focado em classe social que tem condições de pagar o ingresso”, diz.
Para Arakelian, da FAAP, os preços devem começar a melhorar na medida que a indústria for se desenvolvendo cada vez mais. “Nós vamos desenvolver essa indústria local. Então, isso tende a facilitar e a baratear para o futuro esses eventos por aqui”, diz.
Preços do Lollapalooza em outros países
Enquanto isso, o Lollapalooza dos Estados Unidos, que deve ocorrer em agosto, no início de março tinha ingressos para um dia comercializados a US$ 125 (por volta de R$ 654,67 na cotação atual) e para quatro dias a US$ 350 (por volta de R$ 1.833,09 na cotação atual).
Já o evento da França, que também deve ocorrer em agosto, no início de março tinha ingressos para um dia a 89 € (por volta de R$ 506,33 na cotação atual). Para três dias a 220 € (por volta de R$ 1.251,60 na cotação atual).
Mas esse contexto de preços inferiores aos do Brasil é somente para boa parte dos festivais de países do Hemisfério Norte. Olhando para os ingressos na América Latina, pode-se ver que os países vizinhos têm valores muito aproximados aos do Brasil quando convertidos para o real.
No festival do Chile, que ocorreu agora em março de 2023, os ingressos para um dia no início do mês estavam a 156.800 pesos (por volta de R$ 1.010,01 na cotação atual). Para os três dias a 358.400 pesos (por volta de R$ 2.308,59 na cotação atual). Isso sem considerar áreas vips.
Na Argentina, o evento também ocorreu recentemente. As entradas para um dia no início do mês estavam a 27 mil pesos (por volta de R$ 688,65 na cotação atual).
Ruiz, da ESPM, comenta que “países diferentes podem ter preços de ingressos diferentes devido aos custos envolvidos em toda a cadeia de valor para que o evento se realize”.
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