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Tudo pelo lucro? Como as políticas de ESG contrapõem essa teoria

Nova visão dá conta de que as empresas devem agir de forma ética e responsável, sem abrir mão de lucros, mas indo além deles. 

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No mundo dos negócios, a função primordial de uma empresa sempre foi vista como a busca pelo lucro. A maximização dos ganhos financeiros tem sido considerada uma métrica fundamental para avaliar o sucesso e a sustentabilidade de uma organização.

No entanto, nas últimas décadas, surgiram críticas a essa visão unicamente centrada no lucro, argumentando que as empresas podem e devem assumir uma postura mais responsável em relação aos impactos sociais e ambientais que suas atividades podem gerar.

Alan Soares, Black Money/Divulgação

Esse debate ganha força com o crescimento das políticas de ESG (Environmental, Social and Governance), que defendem a incorporação de critérios ambientais, sociais e de governança nas práticas empresariais. Neste artigo, trato tanto do que justifica a função da empresa em lucrar, quanto de contrapontos em relação às políticas de ESG.

Paradigma da maximização do lucro

A teoria predominante, conhecida como o paradigma da maximização do lucro, argumenta que a principal responsabilidade de uma empresa é gerar retornos financeiros para seus proprietários e/ou acionistas.

Essa visão tem suas raízes na teoria econômica tradicional, que enfatiza a busca pela eficiência econômica e a alocação de recursos escassos. Nessa perspectiva, as empresas devem focar em suas operações e estratégias com o objetivo de maximizar os lucros, o que por sua vez beneficia a economia como um todo.

Quem critica essa visão argumenta que a busca cega pelo lucro pode levar a externalidades negativas significativas para a economia, para a sociedade e, em alguns casos, para a própria empresa, como danos ambientais, desigualdade social e más práticas de governança corporativa.

É nesse contexto que surgem as políticas de ESG, que propõem uma abordagem mais holística para as empresas, incorporando preocupações ambientais, sociais e de governança em suas estratégias de negócios.

As políticas de ESG defendem, por exemplo, que as empresas devem assumir a responsabilidade de minimizar seus impactos negativos no meio ambiente. Isso envolve a adoção de práticas sustentáveis, redução de emissões de carbono, conservação de recursos naturais e promoção de energia limpa.

O argumento é que se as empresas ignorarem essas questões, elas podem contribuir para a degradação ambiental, uma realidade que afeta todas as pessoas.

As políticas de ESG também enfatizam a responsabilidade das empresas em relação aos impactos sociais de suas operações. Isso inclui relações trabalhistas justas, respeito aos direitos humanos, práticas de promoção da diversidade e inclusão, bem como contribuições para o desenvolvimento das comunidades onde atuam. Ou seja, nessa perspectiva as empresas têm o dever de agir de forma ética e responsável, sem abrir mão de lucros, mas indo além deles. 

A governança corporativa é outra área-chave abordada pelas políticas de ESG e que têm resultados práticos, pois destina-se a aumentar a confiança e a credibilidade de uma organização, a partir de princípios que precisam ser praticados: transparência, prestação de contas, responsabilidade, ética, equidade.

Todas essas diretrizes parecem ter lógica, fazem sentido, mas se a lucratividade das empresas não se mantiver, está ferido o princípio primordial de sua existência – de acordo com a teoria tradicional – da função de gerar lucro, por mais que a agenda ESG esteja cumprida. No entanto, números recentes do mercado financeiro sobre fundos de investimentos alinhados a essa agenda demonstram que essa incompatibilidade com os lucros não é real.

ESG importa?

Para além da lucratividade, outros valores estão postos em jogo. No artigo “Será que ESG realmente importa? Por quê?”, publicado pela McKinsey.com em agosto de 2022, há uma análise das principais críticas ao ESG e a conclusão é que – no atual contexto – é imprescindível que as empresas entendam e lidem com suas externalidades – ocorrências coletivas e/ou consequências, impactos, desdobramentos de suas ações – ou perdem sua “licença social”.

É preciso que as organizações se alinhem com determinados espectros da opinião pública, parcelas da sociedade, um nicho de stakeholders, ou não irão manter o necessário para que continuem em condições de realizar suas atividades, não por questões financeiras ou operacionais, mas pela função social. A partir dessa perspectiva, uma empresa precisa estar alinhada com um conjunto de ideais e práticas para que ela tenha autorização da sociedade para tentar lucrar ou não.

A emergência de movimentações anti-ESG é um dado relativamente novo nesse cenário e, embora pareça contraditório, se integra bem a ele, como uma narrativa que vai na contramão do que avançava para a unanimidade.

O movimento anti-ESG começa nos Estados Unidos – tem seus representantes no Brasil – e é formado por políticos, gestores e investidores que se contrapõem à ideia de priorizar critérios de proteção ao meio-ambiente, sociedade e governança corporativa (fundamentos do ESG) na hora de escolher os investimentos. 

Warren Buffett na contramão do ESG

Um exemplo dessa contramão da onda ESG está na ação do megainvestidor – também influenciador nessa área – Warren Buffett, que neste ano dobra a aposta em petróleo e gás. A Berkshire Hathaway tem aproveitado a queda das commodities para aumentar investimentos em papéis de petróleo e gás favoritos do bilionário.

Nesse caso, fatores como preocupações persistentes com o desempenho ambiental, social e de governança do setor, baixos retornos antes da pandemia e o risco de uma queda na demanda por combustíveis fósseis nas próximas décadas não os afastou desse tipo de investimento.

A Morningstar verificou, em março deste ano, que os fundos anti-ESG somavam US$ 2,1 bilhões de ativos sob gestão, enquanto os fundos sustentáveis têm ativos mais de mil vezes maiores, mas esse montante é sete vezes superior ao de um ano atrás. Das 27 ETFs que investem em produtos controversos –  armas, tabaco e bebidas – 20 surgiram só em 2022.

São os valores em cena para dar ou retirar “licença social”. Em 1992, o economista e marqueteiro James Carville criou o slogan “É a economia, estúpido!”, que vamos parafrasear, questionando: “São os valores, estúpido?” Em vez de escolhas meramente monetárias, emergem selos e licenças sociais para organizações serem identificadas como progressistas ou conservadoras, dando lucro ou não. É um momento de valores.

*As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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