Opinião
Otaviano Canuto: inflação, recessão e outras consequências econômicas do governo Trump 2.0
Para ex-vice-presidente do Banco Mundial, cenário torna ainda mais urgente redução do risco fiscal no Brasil
A vitória eleitoral de Trump foi completa. Além do colégio eleitoral e dos votos absolutos, seu partido retomou o Senado e deve manter a maioria de deputados na Câmara. A execução de sua agenda, portanto, não precisará ficar limitada ao que pode fazer com medidas executivas, ganhando força para também incorporar o legislativo quando este for necessário.
O amor de Trump por tarifas
Pode-se destacar quatro áreas nas quais sua campanha já pré-anunciou medidas. Antes de tudo, tarifas comerciais. Num discurso no Clube Econômico de Nova Iorque em outubro, disse que “parou guerras com a ameaça de tarifas”. Em outro momento, disse ser “tarifa” sua palavra favorita no dicionário.
Dentre outras medidas, Trump já mencionou duas possíveis: uma tarifa de 60% sobre todas as importações chinesas e uma tarifa universal de 10-20% sobre todas as importações. Ao longo da campanha mencionou outras de tamanhos variados sobre produtos de outros países. Até ameaçou estabelecer tarifas de 100% sobre países que ameacem abandonar o dólar americano como moeda global de escolha.
Enquanto a administração democrata perseguiu uma “redução de risco” na exposição à economia chinesa, alegando razões de segurança nacional, mediante políticas de proteção, bloqueio de acesso à tecnologia e subsídios à produção local em semicondutores e energia limpa, pode-se dizer que os anúncios de Trump apontam na direção da busca de um “descolamento ou dissociação” total entre as duas economias.
Como em todas as políticas mercantilistas, baseadas na crença de que o adversário perde e a produção local ganha, há sempre uma subestimação dos impactos negativos sobre todos os lados, inclusive terceiros países. As tarifas de Trump contra a China em seu governo anterior acabaram impactando negativamente o emprego manufatureiro dos EUA, para não falar da agricultura perdida para o Brasil no mercado chinês.
Para aqueles que acham que terceiros países podem se beneficiar como “conectores” entre EUA e China – como México, Vietnã, Malásia e outros – cumpre observar que um “descolamento” perseguido pela administração dos EUA não tente deixar tais conexões intocadas.
Trump já comparou guerras comerciais a lutas de boxe. Cabe observar que a elevação do custo de vida para os cidadãos norte-americanos como resultado das tarifas será parte do impacto sofrido pelo lado que golpeia, no caso. Não por acaso, Kamala Harris chamou a proposta tarifária de Trump de “imposto sobre os consumidores dos EUA”.
Tarifas são um imposto sobre importações. Trump disse que o imposto será pago por estrangeiros, ou seja, que estes absorveriam o impacto sem repasse a preços. Mas isso significaria a ausência do efeito de substituição de importações por produção local.
O resultado mais provável será a elevação de preços domésticos. Alguns alegam que os efeitos inflacionários das tarifas de Trump em seu primeiro governo foram mínimos. Contudo, as novas propostas de Trump se aplicariam a uma parcela muito maior das compras externas. O impacto nos preços será muito maior do que o relativamente modesto “protecionismo inicial” do primeiro mandato de Trump.
Cabe observar que um imposto sobre importações é, também, um imposto sobre exportações, pelo fato de que em parte as tarifas são um custo para os exportadores que dependem de insumos importáveis. Isso necessariamente tornará tais exportações menos competitivas. Assim, as tarifas elevadas pré-anunciadas por Trump tenderão a expandir indústrias de substituição de importações menos competitivas, mas contrair as exportadoras altamente competitivas. A retaliação estrangeira contra as exportações dos EUA agravaria esse dano. Assistiu-se a tais efeitos durante a guerra comercial de Trump contra a China em seu primeiro mandato.
Onde resta pouca dúvida é quanto ao efeito recessivo para a economia global, particularmente com as prováveis respostas retaliatórias dos demais países. Passando por uma desaceleração chinesa, mas também em outros países. Na reunião anual do FMI em Washington, D.C., em outubro, Christine Lagarde, chefe do Banco Central Europeu, disse que novas barreiras comerciais poderiam renovar as pressões inflacionárias mundiais e reduzir o PIB global em até 9%, em seu cenário mais grave.
Política fiscal e tributária
Uma segunda área onde Trump já deu sinais, é a tributária e fiscal. No campo fiscal, o déficit público nos EUA tende a se elevar substancialmente.
Trump mostrou inclinação para tornar permanentes todos os cortes aprovados pelo Congresso em 2017, o que será facilitado pela vitória republicana no senado e na câmara de deputados. Naquele ano os cortes nas taxas de Imposto de Renda corporativo foram permanentes, ao passo que os cortes nos impostos de renda individual e de herança deveriam expirar no final de 2025. Trump quer torná-los todos permanentes, além de acrescentar outros itens – como gorjetas. Trump falou em recomposição de arrecadação tributária via tarifas, mas ninguém estima ser isso possível.
No lado das despesas, mesmo cortando a despesa prevista nas leis dos semicondutores e da energia limpa (“Chips Act” e “Inflation Reduction Act – IRA ”), cortes substanciais não serão possíveis sem encolher gastos sociais, como o “Medicare”. Analistas projetam que as propostas de Trump aumentarão a dívida federal. O Comitê para um Orçamento Responsável, apartidário, estima que os planos de Trump podem adicionar US$ 7,5 trilhões à conta.
Alguns economistas e investidores estrangeiros consideram preocupante o risco de um longo período de taxas de juros mais altas nos EUA. Eles temem que não apenas novas tarifas, mas também déficits americanos maiores possam aumentar a pressão inflacionária dos EUA, levando o Fed a estender seu período de política monetária mais rígida.
Energia
Na área energética também houve sinais de Trump, com consequências sobre a batalha entre combustíveis fósseis e renováveis. A demanda por eletricidade dos EUA aumentará por conta, dentre outros motivos, das necessidades vorazes de energia dos data centers, acompanhando a “inteligência artificial”.
Os republicanos, liderados por Trump, estão focados em combustíveis fósseis, prometendo “perfurar e perfurar”. O resultado da eleição, portanto, terá implicações para a transição energética no país e, portanto, no mundo. Trump chamou IRA de “mamute socialista”.
Não por acaso, os preços dos metais industriais evoluíram no passado recente com as probabilidades eleitorais estabelecidas em pesquisas de intenção de votos. Eles são sensíveis ao resultado da eleição, já que atender à demanda crescente de energia com energia solar e eólica trará mais pressão sobre a rede elétrica (cuja resposta seria intensiva em cobre, alumínio e outros) do que com combustíveis fósseis.
Trump prometeu interromper projetos eólicos offshore no “primeiro dia” se for reeleito. Na verdade, prometeu até encerrar o IRA, com seus créditos fiscais para reduzir o custo da energia renovável e turbinar o ritmo da descarbonização.
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A consultoria BloombergNEF estimou que a revogação do IRA resultará em uma queda de 17% nas novas adições de capacidade renovável de 2025 a 2035, com a energia eólica offshore sendo a mais atingida, caindo 35%. Não por acaso, as ações no setor de renováveis desabaram nesse primeiro dia após as eleições.
Imigração
O resultado das eleições também deverá ter um impacto significativo na imigração dos Estados Unidos. Trump propõe ações como acabar com a cidadania por direito de nascimento para pessoas nascidas nos EUA cujos pais estejam ilegalmente no país. Também alude à deportação forçada de imigrantes ilegais –algo considerado difícil de implementar segundo profissionais do direito. Com a vitória de Trump vencer, espera-se uma imigração mais fraca, como foi durante seu 1º mandato em 2016-2020.
Cabe observar o papel que a imigração tem cumprido no mercado de trabalho dos Estados Unidos. Sem o retorno da imigração no período mais recente, os EUA não teriam apresentado o desempenho extraordinário em relação a seus pares avançados dos últimos 2 anos. O aumento da oferta de mão de obra e da demanda dos imigrantes por bens e serviços impulsionou o crescimento do PIB, segundo relatório recente do Federal Reserve Bank de Dallas.
Implicações para o Brasil
Mais imediatamente, a eleição de Trump já está trazendo impacto sobre o Brasil mediante os canais de transmissão monetária e cambial. A valorização do dólar em relação às demais moedas que já acompanhou as pesquisas eleitorais favoráveis a ele também atingiu o real, hoje (6) inclusive. A perspectiva de juros mais altos, empinando a curva, acompanharam a perspectiva de inflação mais alta nos EUA, bem como da possível redução futura nos déficits correntes do país. Não por acaso antevê-se no futuro enorme pressão de Trump sobre o Federal Reserve para que reduza juros básicos na marra…
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Mais do que nunca, aumentará a demanda de que o governo brasileiro dê sinais mais firmes de redução de desequilíbrio fiscal no futuro próximo, de modo a evitar que o prêmio de risco-país intensifique o efeito da valorização do dólar e das taxas de juros longas mais altas nos EUA sobre a taxa de câmbio e a inflação no Brasil.
Na área comercial, é possível até que o deslocamento de demanda agrícola chinesa dos EUA para o Brasil que ocorreu durante a guerra comercial EUA-China no primeiro governo Trump – deslocamento não revertido posteriormente – possa ter impulso adicional com novas rodadas de retaliação na guerra.
O comercio bilateral Brasil-EUA evoluiu, no passado recente, de déficits do lado brasileiro para saldos próximos de zero. A subida nas exportações agrícolas locais – carne, açúcar, óleos e gorduras – e a redução nas compras brasileiras de combustíveis fósseis ajudaram naquela direção, enquanto o déficit brasileiro bilateral nas manufaturas cresceu nos últimos anos.
Há sensibilidade, por outro lado, quanto às exportações brasileiras de produtos metalúrgicos. Deve-se ter em vista as demandas por fabricantes de aço dos EUA de que tarifas sejam impostas sobre as exportações brasileiras de aço.
O Brasil não aparenta estar no foco da política comercial de Trump, como China e os “países conectores”. Mas vale notar que em uma entrevista em abril para a revista Time, Trump se referiu ao Brasil como “um país de tarifas muito altas”. O não-alinhamento geopolítico brasileiro e as seguidas referências à substituição do dólar, porém, podem vir a aproximá-lo daquele foco.
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