A Prefeitura de Ingolstadt, cidade de 140 mil habitantes e a segunda mais rica da Alemanha, está procurando maneiras de economizar cerca de cem milhões de euros.
A montadora Audi, cuja sede na cidade fica próxima ao rio Danúbio, costumava injetar mais de cem milhões de euros por ano via impostos municipais nos cofres de Ingolstadt por meio de sua controladora, a Volkswagen, mas esse fluxo secou há mais de um ano. A Audi relatou em novembro um declínio de 91% no lucro operacional nos três meses até setembro e vem cortando milhares de empregos na Alemanha.
Os negócios da Audi na China, onde o setor automobilístico, o principal na Alemanha, costumava obter grande parte de suas vendas e uma fatia ainda maior dos lucros, encolheram um quarto nos nove meses até setembro em relação ao ano anterior. As montadoras chinesas, antes ridicularizadas pelos executivos de automóveis ocidentais como primitivas, se transformaram em rivais formidáveis, devorando participação de mercado dentro e fora da China.
A desaceleração do crescimento econômico no país asiático e a crescente concorrência das empresas de lá prejudicaram a indústria alemã como um todo. Combinadas com a explosão dos custos de energia e a ameaça de novas tarifas comerciais, as perspectivas são sombrias.
As montadoras alemãs e seus fornecedores anunciaram dezenas de milhares de cortes de empregos. O setor industrial da Alemanha, o terceiro maior do mundo, encolheu constantemente por sete anos. E a economia do país como um todo se contraiu nos últimos dois anos, marcando a segunda contração anual consecutiva nos registros que remontam a 1951, de acordo com a agência federal de estatísticas do país.
O produto interno bruto praticamente se estabilizou desde 2019, antes do início da pandemia da Covid-19 — o período mais longo de estagnação desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A maioria dos economistas espera que fique estagnado novamente este ano.
Os EUA, uma válvula de alívio recente, provavelmente não ajudará: o presidente Trump está ameaçando chacoalhar o comércio global com uma série de tarifas que aumentariam as barreiras nos EUA, o maior mercado de exportação da Alemanha.
Para os alemães, que elegerão um novo parlamento no mês que vem, esta é uma versão mais assustadora de meados dos anos 2000, quando a taxa de desemprego atingiu 12%, o dobro da atual.
Naquela época, Berlim promulgou reformas impopulares de seu mercado de trabalho e do sistema de seguridade social que incentivaram mais pessoas a procurar emprego, ao mesmo tempo em que reduziram os custos das empresas e aumentaram a competitividade internacional dos exportadores, abrindo caminho para duas décadas de crescimento sólido.
Economistas dizem que a crise atual é pior, porque questiona a própria base do modelo econômico alemão, dependente de exportações. Na crise anterior, a economia da China estava crescendo cerca de 10% ou mais ao ano, absorvendo bens e impulsionando o comércio e a economia globais. Hoje, a economia da China está crescendo metade dessa taxa, e os volumes de comércio global estagnaram, de acordo com a Organização Mundial do Comércio.
Sem mercados de exportação em rápido crescimento, o modelo da Alemanha “está morto”, disse Jacob Kirkegaard, pesquisador sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional em Washington, D.C.
No entanto, poucos políticos estão se concentrando nas principais mudanças que os economistas dizem ser necessárias. Os alemães “não querem encarar o problema de frente. Eles ainda acham que é algo passageiro, e que pode ser resolvido da maneira como costumam fazer as coisas”, disse Ludovic Subran, economista-chefe da Allianz, grupo de seguros alemão. “Não acho que será suficiente.”
O país, com 83 milhões de habitantes, tornou-se a terceira maior economia do mundo fabricando e exportando produtos de engenharia — carros, robôs, trens, máquinas industriais — que outros queriam comprar. Agora, o mundo está dando as costas ao “Made in Germany”, e a Alemanha não tem plano B.
“Mimados durante muitos anos”
Até recentemente, as consequências desse colapso econômico em câmera lenta se limitavam a editoriais de jornais e divulgações de dados econômicos, com pouco impacto tangível na vida dos eleitores.
Este ano, a crise se tornou política. A maioria das pesquisas mostra que a economia ofuscou a imigração, a segurança e as mudanças climáticas como a principal preocupação dos eleitores. O governo do chanceler Olaf Scholz, em fim de mandato, é o mais impopular desde 1949.
A maioria dos políticos está se concentrando em como ajustar e melhorar o atual modelo econômico dependente de exportação e manufatura. Novas ideias para incentivar o investimento e o consumo, impulsionar o comércio dentro da Europa ou se abrir aos setores de tecnologia ou serviços em rápido crescimento estão praticamente ausentes.
Scholz, cuja coalizão entrou em colapso em novembro por causa de tensões internas sobre a política econômica, pressionou para que a União Europeia assinasse novos acordos comerciais. O centro-direitista Friedrich Merz, agora favorito para substituir Scholz, quer impostos mais baixos e menos regulamentações para as indústrias.
“Não vejo nenhuma iniciativa séria para tentar desenvolver um novo modelo econômico”, disse Jens Südekum, economista e professor da Heinrich-Heine-Universität Düsseldorf. “No curto prazo, é tudo uma questão de como lidar taticamente com a situação com base em: ‘Se Trump impuser tarifas, então iremos fabricar lá’.”
A produção industrial da Alemanha caiu 15% desde 2018, e o número total de pessoas empregadas no setor caiu 3%. Os setores de metalurgia e eletricidade da Alemanha, sobrecarregados pelos custos, podem demitir até 300 mil trabalhadores nos próximos cinco anos, disse Stefan Wolf, presidente de um grupo de lobby para o setor. “A desindustrialização está em pleno andamento”, disse Wolf, acrescentando que mais de 300 bilhões de euros em capital de investimento saíram da Alemanha desde 2021.
O comércio de mercadorias é mais crítico para a economia da Alemanha do que o petróleo para o Texas ou a tecnologia para a Califórnia — uma dependência excessiva que é o resultado de décadas de política governamental que apoiou a indústria de exportação enquanto criava obstáculos ao investimento em novos setores, como em TI ou na infraestrutura do país. As exportações sustentam cerca de um em cada quatro empregos alemães. Mais de dois terços dos carros produzidos na Alemanha são exportados. Desde meados da década de 1990, a participação das exportações no PIB da Alemanha dobrou, atingindo 43% do PIB, quatro vezes a participação nos EUA e duas vezes maior que a da China.
Agora que o coração da economia alemã — seu amplo setor automotivo — enfrenta dificuldades, a dor vai se espalhando. Em Schweinfurt, cidade ao norte de Ingolstadt, trabalhadores da fornecedora de automóveis Schaeffler entraram em greve no final do ano passado para protestar contra os planos de cortar até 700 empregos. A ZF Friedrichshafen, outra fornecedora, concordou em novembro em reduzir a jornada de trabalho dos funcionários locais em 7% para salvar empregos, à medida que começa a cortar 14 mil postos em todo o país. O sindicato IG Metall alertou sobre milhares de possíveis cortes de postos de trabalho na região industrial central do país.
Para tentar cobrir o déficit em Ingolstadt, o prefeito Christian Scharpf, aumentou as taxas de museus, das vagas de estacionamento e dos ônibus e determinou que os gramados públicos fossem cortados com menos frequência. Ele está considerando aumentar os impostos sobre a propriedade e cortar ainda mais os gastos.
“Não dá para simplesmente substituir uma empresa com 40 mil funcionários”, disse Scharpf.
A Audi não quis comentar.
A empresa está em toda a cidade: patrocina o time local de hóquei no gelo, o estádio de futebol e muitos eventos culturais.
No Block Hotel, a alguns quilômetros da sede da Audi, a proprietária Carolin Block disse que as receitas caíram cerca de 10% desde 2019, à medida que as convenções foram diminuindo e os hóspedes de negócios desapareceram. O preço das diárias caiu cerca de 15% e a duração das estadias diminuiu.
“Fomos mimados por muitos anos. Não tivemos que fazer muito para atrair turistas porque os hóspedes de negócios tinham de vir a Ingolstadt por causa da Audi”, disse Block.
Jürgen Seissler, mestre carpinteiro com 16 funcionários, disse que os pedidos estão encolhendo e os carpinteiros inexperientes estão achando mais difícil encontrar trabalho. Muitos de seus clientes são engenheiros da Audi ou de seus fornecedores. As empresas estão ficando mais cautelosas em contratar novos funcionários e investir, disse ele. Seissler está reavaliando os planos de reformar sua própria casa.
No centro da cidade medieval, os donos de restaurantes reclamam de perdas depois que a Audi cancelou os jantares de Natal. As empresas locais, incluindo o Block Hotel, intervieram para financiar uma pista de gelo gratuita com vista para o castelo depois que a Audi desistiu da empreitada. As autoridades da cidade estão considerando cancelar o Bürgerfest do próximo verão, festival de rua de dois dias na cidade velha com música, comida e bebida, que custa cerca de 350 mil euros.
Crescimento da Audi
Nenhuma outra cidade da Baviera cresceu tão rapidamente quanto Ingolstadt nas últimas décadas, graças à indústria automobilística. Sua população aumentou cerca de 50% desde meados da década de 1980. Um tribunal regional, uma sede da polícia, um centro de conferências e uma grande universidade foram construídos.
Hoje, quase metade dos empregos em Ingolstadt estão na indústria automobilística. Muitos dos demais prestam serviços aos trabalhadores automotivos. Menos de 2% dos funcionários da Ingolstadt trabalham em TI.
“Dez anos atrás, dizia-se que Ingolstadt tinha que reduzir sua dependência da Audi”, disse Stefan König, ex-editor de jornal que está concorrendo a prefeito nas eleições locais do mês que vem. Pouco aconteceu desde então, acrescentou ele.
A fortuna da família Block refletia a da Audi. Seus avós fugiram da ocupação soviética após a Segunda Guerra Mundial com poucas posses. Eles se estabeleceram em Ingolstadt e logo começaram a atender aos trabalhadores automotivos locais, que haviam chegado da Saxônia depois que as autoridades soviéticas expropriaram a fábrica da Auto Union lá.
No início dos anos 1960, o avô de Block construiu um hotel a três quilômetros da fábrica da Audi, perto da autobahn (estrada). O maior crescimento da Audi ocorreu na década de 1980 com a introdução do Quattro, cupê esportivo popular. A empresa adotou o slogan Vorsprung durch Technik — Liderança através da tecnologia.
Com a fortuna de Ingolstadt em alta, Block decidiu há oito anos construir um novo hotel, e optou por uma estrutura em espiral inspirada no museu Guggenheim de Manhattan. O número de quartos foi de 38 para 50. Agora, ela culpa as autoridades municipais por se concentrarem demais nas exportações de automóveis em detrimento de outros setores empresariais. “Há sinais de um efeito Detroit. Nós nos fixamos apenas nesta área”, disse ela.
No início dos anos 2000, em meio à turbulência econômica pós-unificação alemã e o fim da Guerra Fria, os políticos revitalizaram o modelo de exportação cortando impostos e afrouxando as políticas salariais, entre outras reformas, o que tornou as empresas da Alemanha mais competitivas nos custos de fabricação. O país se tornou o maior exportador de mercadorias do mundo de 2003 a 2008, à frente dos EUA e da China.
Desde então, sucessivas crises afetaram a máquina de exportação alemã. Uma reação política contra a globalização levou o presidente protecionista Trump ao poder em 2016 para seu primeiro mandato. A pandemia interrompeu as cadeias de suprimentos. A invasão russa da Ucrânia, as ameaças chinesas no Mar do Sul da China e o ataque do Hamas a Israel afetaram o comércio internacional.
Na China, mercado de exportação crítico para os alemães, o crescimento desacelerou. E as empresas chinesas empanturradas de subsídios estatais têm produzido mais do que a China consegue absorver, alimentando as exportações que, por sua vez, pressionam as empresas alemãs, incluindo as montadoras.
Os custos de energia são outro problema. O fim das remessas de gás natural da Rússia por causa da guerra na Ucrânia, o fechamento das últimas usinas nucleares da Alemanha e uma dispendiosa transição para energia renovável fizeram com que os custos na Alemanha chegassem a dez vezes os custos no Texas, disse Peter Huntsman, presidente e CEO da Huntsman Corp., fabricante de produtos químicos com sede no Texas com receita de US$ 6 bilhões, que abastece fabricantes de automóveis na Alemanha, incluindo a Audi.
Em Ingolstadt, os fabricantes famintos por energia estão sofrendo muito. A MT Technologies, fornecedora local de peças automotivas fundada em 1869, entrou com pedido de insolvência em novembro.
Franz Schabmüller, CEO da Framos Holding, outra fornecedora do setor com cerca de 1.200 funcionários, disse que se acostumou com o crescimento anual da receita de 10% a 15% na década de 2010. Recentemente, o crescimento se estabilizou e pode estagnar este ano, já que as montadoras para as quais fornece, incluindo Audi, Volkswagen e Daimler, vendem menos carros.
O segundo governo Trump, disse ele, estava aumentando as incertezas ao ameaçar os fabricantes de automóveis alemães com tarifas. “A visibilidade está mais baixa do que nunca”, disse Schabmüller.
Investimento atrasado
Executivos dizem que a Alemanha está perdendo os investimentos que poderiam lançar as bases para novas indústrias. Mais de um terço das empresas industriais na Alemanha estão cortando investimentos em processos essenciais devido aos altos custos de energia, de acordo com a Allianz. Dois terços declaram que sua competitividade está em risco.
O país fica para trás em setores como software e IA. O investimento em pesquisa e desenvolvimento ficou em 3,1% do PIB em 2022, em comparação com 3,6% nos EUA e 5,2% na Coreia do Sul, de acordo com a Allianz.
Décadas de subinvestimento do governo afetaram a infraestrutura de transporte, incluindo trens que não funcionam mais no horário e forças armadas que são uma sombra do que foram durante a Guerra Fria. Em maio, o instituto econômico IW, afiliado a empresas, e o think tank IMK, de propriedade de sindicatos, estimaram que a Alemanha precisaria de 600 bilhões de euros em gastos nos próximos dez anos para compensar sua lacuna de investimento, modernizar o sistema educacional do país, consertar as redes de transporte, atualizar a rede elétrica e digitalizar a administração pública.
A Alemanha também precisa de dezenas de bilhões de euros todos os anos apenas para manter os gastos com defesa em 2% do PIB ou mais — uma de suas obrigações como membro da OTAN. Trump exigiu que o país aumentasse os gastos com defesa para 5% do PIB.
Os consumidores alemães, por sua vez, estão entre os mais tributados do mundo. No ano passado, um trabalhador alemão sem filhos pagava 47,9% do salário bruto em impostos e contribuições para a previdência social, em média. Os alemães também estão economizando 20% de sua renda a partir do segundo trimestre de 2024, mais do que a média da zona do euro e um aumento de quase dois pontos percentuais desde pouco antes da pandemia.
“Isso é um problema porque cada aumento de um ponto na taxa de poupança tira 25 bilhões de euros em demanda da economia”, disse Rolf Bürkl, chefe de clima de consumo do Instituto de Decisões de Mercado de Nuremberg, que compila o principal índice de confiança do consumidor da Alemanha. Uma grande parte dessas economias está definhando em contas bancárias e, com os incentivos certos, poderia ser aproveitada para financiar investimentos produtivos.
Outro obstáculo, as restrições constitucionais aos gastos do governo e à dívida pública, teriam de ser superadas no parlamento.
A atual campanha eleitoral ignorou essas ideias. Medidas impopulares, como cortes na seguridade social que podem ser necessários para liberar fundos para investimentos urgentes, também dificilmente estão sendo discutidas.
Em vez disso, a maioria dos políticos está defendendo o status quo. “Acho que a principal prioridade para a Alemanha e para a Europa é tentar manter os canais comerciais abertos o máximo possível”, disse Yannick Bury, economista e parlamentar do CDU, partido de centro-direita de Merz. “Perderemos participação de mercado na China, mas o mercado ainda está crescendo, então eu não descartaria isso”, disse ele, acrescentando que o forte crescimento nos EUA pode compensar as tarifas de Trump.
Mesmo os partidos antiestablishment, que crescem ao desafiar velhas posições de consenso, estão aderindo às políticas econômicas tradicionais.
“Se você perguntar sobre um plano B, minha opinião é que devemos voltar ao plano A”, disse Leif-Erik Holm, parlamentar e especialista em economia do partido de direita AfD, que deve emergir como o segundo maior partido no próximo parlamento alemão.
“Nosso modelo de negócios funcionou muito bem quando tínhamos custos de energia mais baixos”, disse Holm. O próximo governo deve se concentrar em reduzi-los e cortar as regulamentações ambientais para as empresas, disse ele.
Em Ingolstadt, Scharpf, o prefeito, abriu um parque tecnológico de 150 acres ao sul da cidade no local de uma antiga refinaria no final de 2023, na esperança de iniciar um Vale do Silício da Baviera. Os únicos inquilinos significativos do parque até agora: Audi e Cariad, o braço de software da Volkswagen.
O conselho da cidade disse em dezembro que não tentaria mais promover startups em um centro de negócios de sua propriedade, mas se concentraria em alugar o espaço. E colocou a culpa pela decisão nas finanças tensas da cidade.
As autoridades municipais estão em negociações com uma empresa de engenharia chinesa para construir sua sede alemã em Ingolstadt e estão buscando atrair mais empresas chinesas, disse Scharpf. Em Schweinfurt, a cidade ao norte, as autoridades locais estão trabalhando para atrair a XPeng, fabricante chinesa de veículos elétricos, para construir uma fábrica no local de uma antiga empresa norte-americana.
“Não acho que seja possível substituir a indústria automobilística… Ela continuará sendo o maior setor econômico aqui”, disse Christian Lösel, ex-prefeito de Ingolstadt.
Escreva para Tom Fairless em tom.fairless@wsj.com e Bertrand Benoit em bertrand.benoit@wsj.com