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Os caras de Wall Street por trás do socorro dos Estados Unidos à Argentina

A administração de Javier Milei está repleta de ex-traders de Wall Street tentando conduzir as forças de mercado

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O ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, mantém toda a postura do ousado trader de Wall Street que já foi — primeiro no JPMorgan e depois no Deutsche Bank. Colegas de trabalho já o chamaram de “Lionel Messi das Finanças”.

Agora, Caputo está orquestrando a negociação de sua vida: convencer o governo dos Estados Unidos a apostar tudo no presidente Javier Milei, justamente quando parecia que sua reforma econômica estava em risco. Caputo e o secretário do Tesouro americano Scott Bessent, também ex-trader de moedas, elaboraram um pacote de resgate de US$ 20 bilhões para a Argentina, que tem recebido parte do crédito pelo desempenho surpreendentemente forte de Milei nas eleições legislativas cruciais do mês passado.

Sustentar as medidas de austeridade e a política cambial de Milei com o apoio do governo americano será um exercício de alto risco para Bessent e Caputo — além do Banco Central argentino e dos ministérios que Caputo preencheu com outros ex-executivos do JPMorgan.

“A ironia do que está acontecendo agora é que tanto Bessent quanto os garotos do JPMorgan na Argentina não estão mais do lado das mesas de operação”, disse Arturo Porzecanski, economista da American University que acompanha de perto o país. “Eles agora tentam conduzir as forças de mercado que sempre surfaram.”

O desafio é evitar que a Argentina recaia em um padrão que marcou a terceira maior economia da América Latina por décadas: o fracasso recorrente em gerar dólares suficientes para manter o peso atrelado a um valor fixo. Isso provocou corridas cambiais catastróficas, mesmo após o país receber dezenas de bilhões do FMI, do qual é o maior devedor.

A Argentina já deu nove calotes, o mais recente em 2020, muitas vezes após tentar reduzir a inflação mantendo o peso artificialmente forte. Milei certa vez descreveu o peso como “excremento”, mas agora segue uma política semelhante de sustentação da moeda — que, segundo economistas, foi desastrosa para seus antecessores.

Caputo afirma ser contra deixar o valor do peso flutuar livremente neste momento, principalmente porque o mercado de câmbio argentino é pequeno e volátil em um país onde o dólar funciona como proteção contra turbulências.

“Se alguém acha que pode flutuar livremente em um mercado que movimenta US$ 100 milhões ou US$ 200 milhões por dia, acho que nunca operou em um mercado”, disse Caputo em palestra a empresários na quinta-feira.

Desta vez, o governo Trump apoia a Argentina com um swap cambial de US$ 20 bilhões para ajudar a manter o peso estável, permitindo que o Banco Central venda dólares no mercado. Os EUA apostam que Milei é fundamentalmente diferente de líderes anteriores, e que Caputo e sua equipe conseguirão concluir uma reforma pró-mercado que devolva à Argentina o acesso ao financiamento internacional.

“Usamos nosso balanço financeiro para estabilizar o governo, um de nossos grandes aliados na América Latina, durante uma eleição”, disse Bessent à MSNBC na semana passada. Além do swap, o Tesouro americano injetou cerca de US$ 2 bilhões para evitar uma corrida pré-eleitoral contra o peso. Bessent afirmou que o governo dos EUA lucrou com as operações, mas os detalhes não foram divulgados.

Funcionários americanos afirmam que os fortes fundamentos econômicos da Argentina — incluindo reformas estruturais em andamento — devem gerar exportações expressivas em dólares e reservas em moeda forte.

“Graças à estratégia fiscal prudente do ministro Caputo e sua equipe econômica, a Argentina está no caminho para ancorar uma América Latina próspera”, disse um porta-voz do Tesouro.

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Segundo fontes, Caputo foi essencial na apresentação do pacote de US$ 20 bilhões a Bessent. Como ex-traders, eles vinham do mesmo ambiente e falavam a mesma língua. Um dos nomes mais visíveis da equipe é José Luis Daza, vice-ministro da política econômica, economista formado nos EUA e veterano do JPMorgan — com papel relevante nas negociações com Bessent devido à sua experiência em Wall Street. Outros ex-executivos do JPMorgan próximos a Caputo incluem o chanceler Pablo Quirno e o presidente do Banco Central Santiago Bausili.

Sem a ajuda dos EUA, teria havido outra crise cambial — e talvez um resultado eleitoral bem diferente — afirmou Joaquín Cottani, antecessor de Daza no início do governo Milei. “O governo Trump colocou parte de sua credibilidade em jogo”, disse.

Caputo comandou o Banco Central em 2018 sob o governo de Mauricio Macri. Após três meses, renunciou sob pressão dos EUA e do FMI para parar de queimar bilhões de dólares na tentativa de sustentar o peso, segundo fontes.

Uma porta-voz de Caputo contestou que ele tenha renunciado devido à intensificação da pressão internacional sobre a estratégia do governo Macri.

Uma pessoa próxima ao trabalho de Caputo no Banco Central disse que ele passava muito tempo nas mesas de operação e era visto como um economista que gostava mais de negociar do que de macroeconomia.

À época, Caputo queria mais liberdade no uso do dinheiro do FMI “para confrontar a vontade do mercado com todas as armas”, afirmou Alejandro Werner, ex-chefe do departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, em seu livro “Argentina en el Fondo“, escrito com o jornalista Martín Kanenguiser.

A estratégia não convencional de Caputo pretendia usar uma quantidade esmagadora de dólares para sustentar o peso em um país sem mercados financeiros desenvolvidos e sem estruturas sólidas de política macroeconômica, fiscal e monetária, escreveram os autores.

Werner e Kanenguiser relataram que Caputo acreditava que, se vencesse a batalha contra o mercado, “um dia todos os problemas estariam resolvidos”.

Na época, Caputo dizia ao FMI que a Argentina enfrentava problemas de liquidez, não de solvência — argumento semelhante ao usado pelo governo Milei neste ano para convencer os EUA a oferecer um respaldo. Macri perdeu a reeleição em 2019. Meses depois, o governo do peronista Alberto Fernández deu novo calote.

Caputo afirmou na quinta-feira que o governo Milei jamais dará default. A equipe de Caputo conseguiu reduzir a inflação para cerca de 30%, ante mais de 200% dois anos atrás, cortando burocracias e impondo fortes ajustes para reduzir o déficit.

O plano é permitir que o peso se desvalorize gradualmente por meio de um regime rígido de banda cambial. Isso fez com que o peso estivesse entre as moedas com pior desempenho no mundo este ano, mas a depreciação foi mais lenta que a inflação. Caputo e Milei rejeitam a ideia de que o peso esteja sobrevalorizado.

A estabilidade cambial é crucial em reformas econômicas destinadas a controlar a inflação descontrolada, disse Ernesto Talvi, ex-economista-chefe do Banco Central do Uruguai, que enfrentou desafios semelhantes nos anos 1990.

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“Você precisa de um âncora que dê tranquilidade às pessoas”, afirmou. O Uruguai abandonou sua banda cambial após reduzir a inflação de 140% para dígitos simples em cinco anos.

Mas a estratégia argentina esgotou ainda mais suas reservas já escassas, disse Cottani.

Acumular reservas em moeda estrangeira foi uma condição para o empréstimo de US$ 20 bilhões concedido pelo FMI em abril. O FMI concedeu à Argentina uma dispensa em agosto após o país não cumprir a meta. A instituição também reduziu os objetivos de reservas para este e o próximo ano. Para cumprir as metas, o país precisaria aumentar as reservas em cerca de US$ 15 bilhões até o fim de 2026.

Caputo disse na quinta-feira que a Argentina vai cumprir — e superar — os objetivos do FMI. “Construir reservas é uma prioridade”, afirmou.

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