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Trump vs Biden: quem pode controlar as rédeas de uma economia aquecida?

Os candidatos têm visões divergentes sobre o crescimento econômico. Os investidores devem prestar atenção

Por Matt Peterson The wall street Journal
Publicado em
14 min
traduzido do inglês por investnews

[Publicado originalmente em 19 de fevereiro de 2024]

Em cinco de novembro, os eleitores americanos quase certamente irão enfrentar a mesma escolha para presidente que enfrentaram em 2020: Joe Biden ou Donald Trump. Apesar das preocupações sobre idade e saúde, aptidão para o cargo ou a persistente impopularidade de ambos, provavelmente, passaremos por isso de novo. E, tal como há quatro anos, o resultado eleitoral continuará a ser apertado até a contagem final dos votos. 

No entanto, desta vez, há algumas diferenças importantes, para o bem e para o mal. A economia dos EUA está crescendo de maneira inimaginável nas eleições de 2020 durante a pandemia de Covid. Também cresce o endividamento do país, que ajudou a alimentar esse crescimento. Os EUA devem a seus credores um recorde de US$ 34 trilhões e o custo líquido dos juros dessa dívida agora é de US$ 650 bilhões, cifras gigantescas que devem restringir as opções do próximo governo e do Congresso.

Biden e Trump estão em uma disputa para liderar o país em direções profundamente diferentes. Deixaremos para outros determinarem o que isso significa para a política social e para o estado do mundo. Para a economia e os mercados, significa um novo ponto de vista para questões bem conhecidas relacionadas ao endividamento dos Estados Unidos e visões fortemente divergentes em termos de tributação, regulação e o papel do Estado.

Vamos dar uma olhada mais de perto.

Dívida e déficits

As preocupações com a dívida e os déficits dos EUA não são novidade, mas o tamanho da dívida é, uma vez que dobrou na última década. Um relatório do apartidário Escritório de Orçamento do Congresso (Congressional Budget Office – CBO) no início de fevereiro definiu os termos do debate: a dívida pública vai atingir 99% do Produto Interno Bruto (PIB) até o final do ano. A campanha de dois anos do Federal Reserve para desacelerar a inflação aumentando as taxas de juros adicionou um aspecto desconfortável em consequência de juros mais altos, que o CBO projeta subir para US$ 1,6 trilhão em 2034. 

Ambos os presidentes têm responsabilidade por essa farra de empréstimos. As políticas iniciadas sob Trump adicionaram US$ 8,4 trilhões à dívida federal, enquanto Biden está a caminho de adicionar cerca de US$ 4 trilhões, de acordo com estimativas do Comitê para um Orçamento Federal Responsável.

A empresa de classificação de risco S&P Global retirou os EUA de sua alardeada classificação de crédito triplo A em 2011 devido a preocupações com a incapacidade de longo prazo dos formuladores de políticas de se antecipar à dívida crescente. A Fitch fez o mesmo no ano passado, citando uma “erosão da governança”.

A Moody’s, a única que persistia entre as grandes empresas de classificação de risco, alertou recentemente que também pode se juntar à brigada de rebaixamento, citando a polarização política e o aumento da dívida.

Nem democratas nem republicanos fizeram um esforço sério para diminuir a dor dos gastos com receita suficiente, diz Rob Fauber, CEO da Moody’s. Pelo contrário, diz ele, “essa diferença continuará a crescer e a colocar cada vez mais pressão sobre o balanço dos Estados Unidos”. 

As decisões das empresas de classificação tiveram um impacto relativamente pequeno sobre os investidores porque está claro — inclusive para as empresas — que a carga da dívida dos EUA é gerenciável de um ponto de vista puramente econômico, pelo menos por enquanto. 

A preocupação subjacente é que a trajetória sempre ascendente dos empréstimos do governo pode fazer com que os compradores de títulos da dívida dos EUA exijam um rendimento mais alto — um prêmio de risco sobre o que é considerado o principal ativo livre de risco do mundo.

Já há sinais sob Biden de que os mercados podem estar entrando em uma nova era. A combinação de juros mais altos, inflação persistente e caos político evidenciou o problema, diz Nathan Sheets, economista-chefe global do Citigroup. “Essa realidade chamou a atenção dos mercados em alguns momentos, pelo menos nos últimos seis a 12 meses”, diz Sheets. “Vimos manifestações significativas disso até meados do ano passado com o aumento das taxas.”

O rendimento de dez anos do Tesouro atingiu o pico em outubro em pouco menos de 5%, mas desde então caiu para 4,3%. 

Os investidores verão os planos fiscais de Biden e Trump pelas lentes do peso da dívida. Ambos serão restringidos pelo Congresso, mas há uma divergência acentuada no que os dois querem e como isso pode afetar o tratamento do mercado à dívida dos EUA. Basta olhar para os impostos. 

Impostos

A redução de impostos sobre indivíduos e empresas foi uma das marcas do governo Trump — e, para muitos republicanos, sua coroação de conquistas, além de garantir a confirmação de juízes mais conservadores para a Suprema Corte. 

Mas o Congresso usou um artifício orçamentário para aprovar a Lei de Cortes de Impostos e Empregos em 2017: tornou os cortes de impostos corporativos permanentes, enquanto estabeleceu o encerramento de outros elementos importantes da lei a partir de 2025. Na longa lista de provisões que expiram estão as reduções das taxas marginais de imposto altamente visíveis para as pessoas físicas, que serão redefinidas para níveis mais altos. A isenção do imposto sobre o patrimônio será reduzida pela metade, para R$ 5 milhões, além do ajuste da inflação. Os limites do valor que as pessoas físicas podem deduzir em impostos estaduais e municipais serão redefinidos. 

Um segundo governo Trump provavelmente vai pressionar para tornar permanentes todas essas provisões que expiram. Uma renovação completa custaria US$ 3,5 trilhões, de acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso e o Comitê Conjunto de Tributação. Trump também lançou a ideia de cortes adicionais na alíquota do imposto corporativo. 

Ele precisará cortar gastos para fazer qualquer um dos dois, mas os detalhes são confusos. O Congresso também tem sua influência. 

Biden, por outro lado, permitiria que alguns dos cortes expirassem. Sua proposta orçamentária busca estender as reduções de impostos para famílias que ganham menos de US$ 400 mil por ano. Isso seria coberto por meio de novos impostos sobre os ricos e os mais ricos, um aumento na alíquota corporativa além de um imposto mais alto sobre recompras de ações, entre outras coisas. Ele também mostrou disposição para fazer concessões nos gastos: um acordo para evitar ultrapassar o teto da dívida no ano passado vai reduzir os déficits em 7%, diz o CBO.

Ilustração Nicholas Konrad/Barron’s

Tarifas

As tarifas são outra área de diferença entre Biden e Trump — e, não por acaso, uma fonte de receita, diz Stephen Miran, ex-conselheiro sênior do Departamento do Tesouro no governo Trump. 

Dada a alta dívida e as preocupações com os rendimentos do Tesouro, o próximo presidente precisa ser criativo ao aumentar a receita, acredita Miran. As tarifas, como outros impostos, podem ter consequências econômicas negativas, mas “é o custo de ter um governo”, segundo ele. “Essas consequências negativas podem ser menores se distorções pré-existentes forem corrigidas.”  

Ambos os partidos políticos dos EUA concordam que a predação econômica da China teve consequências negativas para a economia dos EUA, e ambos os candidatos se posicionam contra a China, embora em graus diferentes.

A peça central da estratégia de Trump para a China quando presidente foi um aumento acentuado nas tarifas sobre as importações dos EUA. Além de arrecadar dezenas de bilhões em receita, essas tarifas visavam proteger os empregos americanos. As consequências foram mistas, em parte porque a China retaliou com suas próprias tarifas. O economista David Autor, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e outros economistas analisaram recentemente os efeitos líquidos da guerra comercial sobre os empregos industriais dos EUA e os chamaram de “na melhor das hipóteses, para inglês ver” e potencialmente “levemente negativos”. 

O governo Biden surpreendeu seus críticos e manteve as tarifas da China. “Reduzir a política comercial dos EUA a uma conversa sobre tarifas é injusto”, disse Katherine Tai, principal negociadora comercial de Biden, quando questionada por uma ex-autoridade comercial sobre o estudo do autor.

A visão de Biden para lidar com a China equivale a uma competição administrada. Ele procurou manter a tecnologia dos EUA fora das mãos chinesas por meio de sanções e controles de exportação, e tomou medidas para limitar alguns investimentos dos EUA no país asiático. Essa estratégia provavelmente continuaria em um segundo mandato. 

Trump, por sua vez, disse que aumentaria as tarifas sobre a China para 60%, para terminar o trabalho que começou. Tarifas dessa magnitude quase certamente não seriam proforma, embora pudessem desviar tanto o comércio da China que os efeitos na receita seriam relativamente pequenos. 

Trump também planeja uma tarifa de 10% sobre as importações dos EUA de todos os países do mundo. Erika York, da Tax Foundation, projeta que essas taxas seriam equivalentes a um aumento de impostos de US$ 300 bilhões sobre os americanos. 

No entanto, pensar nessas políticas em termos puramente econômicos não é o ponto. Robert Lighthizer, ex-representante comercial dos EUA que liderou a guerra comercial na presidência de Trump, vê as políticas deste como parte de um esforço para fortalecer a manufatura americana, que adicionou mais empregos sob as políticas favoráveis ao trabalho de Biden. “A manufatura é mais do que economia”, escreveu Lighthizer em um artigo recente na “Foreign Affairs”. 

Os fatores com os quais os economistas se preocupam “não são tão importantes quanto questões de estabilidade familiar, comunidades fortes, equidade de renda e orgulho e satisfação dos trabalhadores”, escreveu. 

Em outras palavras, Trump e seus aliados veem as tarifas não apenas como uma ferramenta para gerenciar os fluxos comerciais, mas também como um meio de reequilibrar a economia em favor das indústrias domésticas.

Juntamente com políticas de imigração potencialmente mais rígidas sob Trump, que poderiam restringir a oferta de mão de obra, alguns economistas veem uma receita para a estagflação, ou crescimento lento e inflação persistentemente mais alta.

O Fed

Embora o Banco Central tenha demorado a reconhecer o ressurgimento da inflação em 2021, o presidente do Fed, Jerome Powell, e sua equipe até agora conseguiram esfriar o crescimento dos preços com taxas de juros mais altas sem levar a economia a uma recessão. Porém, a batalha ainda não foi vencida; a divulgação, em 13 de fevereiro, do índice de preços ao consumidor de janeiro confirmou. O núcleo da inflação, excluindo alimentos e energia, subiu 3,9% nos últimos 12 meses e permanece bem acima da meta anual de 2% do Fed.

Para complicar a questão, a próxima administração decidirá a presidência do Fed. O mandato de Powell como presidente termina em maio de 2026. Trump indicou Powell para o cargo em 2017, mas depois pareceu se arrepender dessa decisão. Como presidente, Trump chamou Powell e outras autoridades do Fed de “cabeçudos” e pediu publicamente que as taxas de juros caíssem abaixo de zero. 

Biden ofereceu a Powell um segundo mandato em 2021, quando seu primeiro estava prestes a expirar. 

A equipe de Biden não quis discutir se consideraria reconduzir Powell. “O presidente deixou claro que respeitamos a independência do Fed”, disse Michael Kikukawa, porta-voz da Casa Branca, à revista “Barron’s”.

A campanha de Trump não respondeu a pedidos de comentários sobre esse e outros tópicos, embora o candidato tenha deixado claro que não vai reconduzir o chefe do Fed. Ele disse à Fox Business em fevereiro que acha que Powell está tentando cortar as taxas de juros para ajudar os democratas.

O Fed projetou três cortes de juros este ano em antecipação à redução da inflação e ao abrandamento da economia, embora o momento de eventuais cortes seja incerto e, tendo em vista dados econômicos recentes, provavelmente serão adiados.

Chairman do Fed, Jerome Powell, dá entrevista coletiva 26/07/2023/ Crédito: Reuters/Elizabeth Frantz

Powell diz repetidamente que não pensa em política. “Pensamos no que é a coisa certa a fazer pela economia”, disse ele em entrevista coletiva em dezembro. Em resposta a uma pergunta em sua entrevista coletiva mais recente, em janeiro, afirmou não estar focado na questão de um terceiro mandato.

Embora a inflação tenha disparado sob Biden por várias razões, os mercados podem se rebelar contra a remoção de Powell em um segundo mandato de Trump, já que a postura do próximo Fed sobre a política monetária faria pouco para compensar o impacto inflacionário dos gastos fiscais contínuos. Se Trump vencer, Marko Papic, estrategista-chefe do gestor de ativos alternativos Clocktower Group, alerta que “o mercado de títulos irá tumultuar”. 

Em outras palavras, investidores nervosos fariam os rendimentos dos títulos subirem acentuadamente.

Esse é um pensamento assustador, embora um aumento nos rendimentos dos títulos — o que elevaria os custos dos empréstimos — pode ser o que falta para um ajuste de contas ao estilo dos anos 1990 no orçamento. “Essa pode ser a melhor coisa que já aconteceu com os EUA”, afirma Papic.

Regulamentação

Há muitas outras diferenças entre Biden e Trump sobre as políticas que afetam a economia. Os investidores estão subestimando os planos de energia de Trump, diz Charles Myers, fundador da empresa de pesquisa Signum Global Advisors e doador de longa data de Biden e outros democratas. Os EUA já estão quebrando recordes de produção de petróleo e gás sob Biden, mas Trump levaria as coisas muito mais longe, prevê Myers. 

“Ao final de seus quatro anos, a maior transformação [seria] que os EUA vão se tornar um país produtor e exportador de petróleo e gás natural muito maior”, diz ele, acrescentando que Trump tentará “tudo, desde reverter as proteções ambientais até acelerar o licenciamento, abrir mais terras federais para perfuração, mais subsídios para fracking, tudo isso”.

Trump provavelmente reverteria ou limitaria muitos dos outros esforços regulatórios de Biden também, incluindo a repressão do atual governo a fusões e aquisições corporativas, com o objetivo de produzir um ambiente de negócios mais dinâmico. Isso agradaria a Wall Street.

Mercado de ações

Embora o valor das ações tenha caído em 2016 quando Trump foi eleito presidente, o mercado rapidamente se recuperou e foi bem durante seu mandato. Mesmo contabilizando uma liquidação de 34% relacionada à pandemia no início de 2020, o índice S&P 500 teve um retorno de 83% durante o mandato de Trump. 

O mercado de ações provavelmente se recuperaria com outra vitória de Trump, já que os investidores aguardariam que ele fizesse cortes de impostos e outras políticas republicanas favoráveis aos negócios.

O mercado também se recuperou sob Biden: o S&P 500 teve retorno de 35% desde o início de seu mandato e bateu sucessivos recordes este ano. Uma vitória de Biden provavelmente não abalaria muito o mercado, já que um segundo governo provavelmente manteria seu conjunto de políticas — impostos mais altos para pessoas de maior renda e corporações, apoio ao trabalho e um estado geralmente mais pesado — que são razoavelmente bem precificadas em ações. 

A equipe de Biden afirma não estar focada no mercado. “O presidente Biden e a vice-presidente [Kamala] Harris estão lutando pela classe média e pelo comércio local — não por interesses especiais e Wall Street”, afirmou Kikukawa, porta-voz da Casa Branca.

Uma razão para a força surpreendente da economia dos EUA — e do mercado de ações — é que as empresas conseguiram se planejar para o que está por vir. Há pelo menos uma virtude em decidir entre dois candidatos que já ocuparam o cargo. Querendo ou não, já vimos esses filmes antes.

traduzido do inglês por investnews