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Novo choque chinês provoca reação global contra onda de produtos baratos

Economias emergentes se juntam aos EUA e à Europa para proteger fabricantes nacionais de uma onda crescente de importações chinesas

Por Jason Douglas The wall street Journal
Publicado em
9 min
traduzido do inglês por investnews

Para retomar seu crescimento econômico, a China está inundando o mundo com produtos baratos, uma segunda temporada de trilhões de dólares do choque chinês, que atingiu a manufatura global há mais de duas décadas. 

Desta vez, o mundo está reagindo.

Os EUA e a União Europeia ameaçam aumentar as barreiras comerciais para veículos elétricos e equipamentos de energia renovável fabricados na China. Agora, economias emergentes como Brasil, Índia, México e Indonésia estão se juntando à reação, zerando as importações chinesas de aço, cerâmica e produtos químicos que suspeitam estarem chegando a seu mercado doméstico a preços baixos.

“A China é grande demais para crescer rapidamente com exportações”, disse a secretária do Tesouro, Janet Yellen, na sexta-feira em Guangzhou, sua primeira parada em uma viagem à China na qual alertou repetidamente seus anfitriões contra a aceleração de sua economia com a produção de produtos baratos. “E se as políticas forem orientadas apenas para gerar oferta, mas sem gerar demanda, haverá repercussões globais.”

Os países já estão tomando medidas para defender seus fabricantes contra uma vasta gama de produtos com preço baixo. A Índia abriu investigações antidumping, desde porcas e parafusos até espelhos e frascos fabricados na China. A Argentina está investigando elevadores chineses. O Reino Unido analisa escavadeiras e bicicletas elétricas.

A resistência crescente mostra como o novo choque chinês está alimentando as tensões em um sistema comercial global que já dá sinais de desgaste, graças à invasão da Ucrânia pela Rússia e aos esforços do Ocidente liderado pelos EUA para impulsionar a manufatura domésticas e desvincular da China partes de sua economia. As pressões correm o risco de acelerar uma fragmentação da economia global, com países determinados a aliviar os chineses de suas cadeias de suprimentos e outros presos em sua órbita.

… elevando o custo do transporte, com empresas chinesas buscando o mercado internacional

“Quando os EUA fecham sua fronteira, a China inunda o resto do mundo com produtos baratos. Estamos apenas vendo o começo disso”, disse Arthur Budaghyan, estrategista-chefe de mercados emergentes e China da BCA Research, em Montreal.

Para compensar uma crise imobiliária épica, os líderes chineses estão canalizando investimentos para o vasto setor industrial do país. Apoiadas por empréstimos estatais baratos, as empresas chinesas buscam compradores no exterior para um excedente crescente de bens que não conseguem vender em casa. A tendência tem ecos do aumento das exportações da China do início dos anos 2000, que, segundo estimativas, eliminou cerca de dois milhões de empregos industriais nos EUA — fenômeno que os economistas rotularam de “choque chinês”.  

Para muitos dos consumidores mundiais, as importações chinesas baratas são um benefício após um período de grande inflação. A ânsia de fabricação na China também está ajudando a consolidar sua posição de fornecedora essencial de carros, smartphones e máquinas de baixo custo para grande parte do mundo em desenvolvimento. Sua experiência em tecnologia verde oferece aos países uma opção barata para a descarbonização. 

Contudo, para a China, depender da demanda externa para crescer em um mundo mais hostil é arriscado. Muitos economistas dizem que, na verdade, o país deveria tomar medidas para impulsionar o consumo interno visando uma economia mais equilibrada.

“A capacidade do mundo de absorver um novo choque chinês é menor do que no passado”, disse Aaditya Mattoo, economista-chefe do Banco Mundial para o Leste Asiático e o Pacífico.

O dilúvio das exportações chinesas já está sufocando concorrentes estrangeiros em alguns setores. A maior produtora de aço do Chile, a Compañía de Acero del Pacífico (CAP), disse em março que encerrará as operações em sua siderúrgica Huachipato depois que executivos disseram que a usina não poderia mais competir com as importações chinesas, que eram 40% mais baratas que o aço chileno.

“As empresas chinesas estão fazendo dumping. Eles distorcem o mercado”, disse Hector Medina, líder sindical da fábrica na cidade de Talcahuano, 300 quilômetros ao sul da capital, Santiago.

Um comitê do governo chileno recomendou tarifas de 15% sobre as importações de aço chinês depois que produtores locais reclamaram que estavam sendo prejudicados. A CAP tinha pressionado a comissão por um imposto de 25%. 

Choque chinês: Baixa demanda interna e grande capacidade de produção derrubam preços de exportações chinesas. (Créditos: dynamic-chart)

Governos de todo o mundo anunciaram mais de 70 medidas relacionadas a importações visando apenas a China desde o início do ano passado, de acordo com um levantamento da Global Trade Alert, organização sem fins lucrativos com sede na Suíça que apoia o comércio aberto. Isso é superior a cerca de 50 em 2021 e 2022, mas em consonância com o número típico de medidas que a China enfrentou anualmente nos cinco anos anteriores à pandemia. 

Incluindo todas as intervenções em que a China é apenas um dos vários países visados, e o número para 2023 e 2024 juntos chega a mais de 300. As medidas incluem investigações antidumping, tarifas de importação e cotas.

“Produtos com preços normais não conseguem competir”, disse Prama Yudha Amdan, porta-voz da empresa têxtil Asia Pacific Fibers na Indonésia, onde, no ano passado, as autoridades iniciaram uma investigação sobre as importações de fios sintéticos da China. A empresa de Jacarta relatou US$ 288,5 milhões em vendas líquidas em 2023, uma queda de 27% em relação a 2022 — declínio que Amdan atribuiu em parte à percepção de dumping promovido por concorrentes chinesas.

A resposta da China à reação global foi criticar o crescente protecionismo, uma indicação de que não pretende mudar de rumo. A mídia estatal publicou artigos criticando as queixas ocidentais sobre o excesso de capacidade industrial chinesa como excessivas e hipócritas. Além disso, a China apresentou uma queixa à Organização Mundial do Comércio sobre os subsídios dos EUA para veículos elétricos, dizendo que as disposições que excluem os componentes chineses são injustas.

Chão de Fábrica: O domínio da manufatura global pela China cresceu desde o primeiro choque chinês do início dos anos 2000. Participação da exportação de bens no PIB global (Créditos: dynamic-chart)

O Ministério do Comércio da China e o Gabinete de Informação do Conselho de Estado, que recebe as perguntas da imprensa, não responderam aos pedidos de comentários.

A China tem uma riqueza de opções se optar por retaliar adotando restrições comerciais próprias. É grande compradora de commodities e fornecedora de uma enorme gama de componentes e materiais usados por fabricantes de outros países.

“As coisas vão ficar complicadas”, disse Scott Lincicome, diretor de economia geral e comércio do Cato Institute, think tank de livre mercado.

A amplitude de produtos agora sob escrutínio destaca como o peso da China na manufatura global aumentou desde o início dos anos 2000, quando o país reformou sua economia e se juntou à Organização Mundial do Comércio. 

Naquela época, a China produzia principalmente produtos de baixo custo e respondia por cerca de 2% das exportações globais de bens. Hoje, responde por cerca de 15% de todas as exportações e fabrica de tudo, desde camisetas e mesas até máquinas de terraplanagem e chips de computador.

“O que assusta as pessoas sobre a atual trajetória da China é que, à medida que ela se atualiza, vai intensificando a competição nos países de renda média e alta”, disse Simon Evenett, professor de comércio internacional da Universidade de St. Gallen, na Suíça. 

Os países mais ricos temem que a crescente onda de exportações chinesas mine o domínio de suas economias, assim como afetou o emprego na fabricação de móveis e em alguns outros setores manufatureiros décadas antes.

A JCB, fabricante de escavadeiras, tratores e outras máquinas de construção no Reino Unido, disse que a diminuição da demanda por escavadeiras na China em meio à prolongada crise imobiliária do país levou os fabricantes chineses a precificar agressivamente mercados lucrativos. Ao pressionar por uma investigação antidumping no Reino Unido, a JCB disse que foi forçada a reduzir os preços a ponto de vender escavadeiras com prejuízo — e ainda perder participação de mercado.

Para as economias em desenvolvimento, o aumento das importações chinesas representa uma possível adversidade na tentativa de reproduzir a escalada de desenvolvimento da China na construção de sua própria indústria de manufatura.

A indústria química brasileira culpou o aumento das importações chinesas pela baixa produção recorde. As fábricas de produtos químicos do país operaram com apenas 64% da capacidade no ano passado, o menor nível desde que a Abiquim, a associação brasileira da indústria química, começou a acompanhar os dados, há 17 anos.  

Tarifas temporárias serão necessárias para evitar o fechamento de fábricas e a perda de empregos em massa, segundo Fátima Coviello Ferreira, diretora econômica da Abiquim. “O setor simplesmente não consegue competir com uma importação tão agressiva”, disse.

Escreva para Jason Douglas em [email protected] e Dave Sebastian em [email protected]

traduzido do inglês por investnews