Influenciadores amam o Ozempic, mas não falam sobre os riscos
TikTok, Facebook e Instagram estão substituindo os médicos no papel de autoridades em remédios para emagrecer
Quem fala no Instagram, no YouTube ou no Facebook sobre remédios para emagrecer nem sempre revela a história toda.
As redes sociais estão substituindo os médicos no papel de autoridades na recomendação desses medicamentos. As pessoas não apenas decidem tomar uma droga como o Ozempic e o Wegovy — as chamadas GLP-1 — com base em postagens de amigos e influenciadores. Elas também chegam a deixar o médico de lado.
O boca a boca virtual pode parecer autêntico. As pessoas dizem gostar das dicas e do apoio que recebem de outros usuários on-line. Mas muitos influenciadores e amigos nas redes sociais exageram na quantidade de quilos que uma pessoa perdeu ao mesmo tempo em que minimizam efeitos colaterais que podem ser desagradáveis, como dores de cabeça e crises de vômito. Alguns omitem completamente os riscos.
Ao contrário das propagandas corporativas de medicamentos, as postagens nas redes sociais não precisam descrever os efeitos colaterais de um remédio, nem sugerir outros recursos ou aconselhar uma consulta médica.
Karen Evans postou um vídeo no YouTube que dava dicas de uso do Ozempic, inclusive algumas para controlar os enjoos. Desde que o vídeo foi ao ar, em maio de 2022, teve 454 mil visualizações e mais de 1,7 mil comentários. Evans não postou um novo vídeo revelando que os vômitos se agravaram tanto que teve de parar de usar a droga.
“Eu vomitava do nada. Estava acabando com minha vida”, contou Evans em entrevista.
Brittany Buckner, influenciadora de viagens que costuma também fazer posts sobre roupas tamanho extra-grande na conta @Plussizedandoutside, revelou a seus mais de 58 mil seguidores no Instagram que usa um medicamento para emagrecer depois que o serviço de telessaúde Ro pagou-a para promover um programa de perda de peso.
Buckner conseguiu a parceria com a Ro após pesquisa em um site que conecta influenciadores com marcas. No acordo, Buckner — que estava tomando um GLP-1 na época — tinha de dizer a seus seguidores que não recebeu a medicação da Ro, mas que “gostaria de ter feito uma consulta com eles”.
A Ro então pagou Buckner para produzir dois vídeos, que foram postados meses depois nas redes sociais. Em um vídeo no Facebook, a influenciadora diz que o programa da Ro “faz com que seja supersimples” ter acesso a medicamentos, incluindo ajudar a encontrar uma farmácia que venda medicamentos com prescrição. Os posts patrocinados pela Ro são marcados como promoções pagas.
Na realidade, Buckner não havia conseguido comprar o Wegovy prescrito por causa de restrições de fornecimento. Ela não tomava a droga há meses e não tentou fazê-lo por meio da Ro.
A Ro não quis falar sobre a experiência de Buckner. Uma porta-voz disse que a empresa só trabalha com influenciadores que estão ou estiveram tomando medicação GLP-1 e que podem compartilhar experiências honestas. Suas histórias são então revisadas por equipes clínicas e jurídicas para garantir que as postagens sejam clinicamente precisas, disse a porta-voz.
Buckner, que não disse quanto recebeu, afirmou ter se recusado a aceitar ofertas subsequentes para promover a perda de peso por causa de sua experiência limitada.
“Não sou a pessoa certa para dizer com certeza que isso é ótimo”, disse Buckner. Algumas das promoções pagas continuam disponíveis on-line.
Ouvindo influenciadores, não médicos
Os medicamentos usados para perda de peso, Ozempic e Wegovy, da Novo Nordisk, juntamente com Mounjaro e Zepbound, da Eli Lilly, são os primeiros a se tornarem sensações nas redes sociais. (O Ozempic e o Mounjaro são aprovados para o tratamento da diabetes;o Wegovy e o Zepbound, para perda de peso.)
Só no TikTok, postagens mencionando a hashtag #Ozempic atraíram mais de um bilhão de visualizações até o final do ano passado. Houve mais de 2,2 milhões de postagens públicas sobre as drogas em 2023 no YouTube, no X e em outras plataformas de mídia social, de acordo com uma análise da consultoria ZS.
As menções geram mais receitas médicas. Segundo o JPMorgan Chase, já são mais de um milhão por semana nos EUA.
Jacqueline Castaneda conseguiu uma receita de Ozempic de uma clínica sobre a qual ouviu falar no Instagram, e não de seu médico.
Castaneda, mãe de três filhos e leitora de tarô no Vale Central da Califórnia, que está na casa dos 40 anos, ouviu falar do Ozempic pela primeira vez no TikTok. Os depoimentos de uma influenciadora de cirurgia plástica do Instagram convenceram-na a obter o medicamento.
Um dos seguidores da influenciadora recomendou a clínica na qual Castaneda obteve sua receita.
O tratamento custou caro: US$ 1.300 por mês, porque não havia cobertura do plano de saúde. Além disso, Castaneda passava muitas manhãs vomitando, um dos efeitos colaterais comuns dessas drogas.
Depois de sete meses, ela pediu uma receita a seu médico, achando que assim seu plano pagaria. Mas ele não se sentiu confortável, disse ela. O médico não quis comentar.
Castaneda, que tem 1,5 m de altura e pesava quase 63 quilos, disse que sentiu que a droga valeu a pena, apesar do vômito, porque perdeu mais de 18 quilos. Ela convenceu outras pessoas a tomarem a droga. “Influenciei, tipo, quatro amigos”, disse.
Mais de um terço de quem toma um dos medicamentos para perda de peso disse que um influenciador, a recomendação de uma celebridade ou uma pesquisa pessoal foi o principal fator para a decisão, de acordo com uma pesquisa de novembro 388 usuários conduzida pela empresa de risco Coefficient Capital e pelo periódico de tendências “New Consumer”. Apenas 42% dos que usam medicamento para perda de peso afirmaram que o principal motivo foi o conselho de um médico.
O enorme papel desempenhado pelas mídias sociais é uma mudança nova e relevante. Durante décadas, a indústria farmacêutica comercializou seus medicamentos para médicos e hospitais, não para o público. As empresas faziam propaganda de medicamentos não para driblar os médicos, mas para estimular as pessoas a conversar com eles.
Pacientes exigem o Ozempic
A dra. Devika Umashanker, diretora de medicina da obesidade da Hartford Healthcare, em Connecticut, disse que os pacientes chegam ao seu consultório prometendo procurar outro lugar caso ela não prescreva um dos medicamentos mais recentes para a perda de peso.
Umashanker prefere iniciar um tratamento com uma droga mais tradicional, como a fentermina, porque vêm em pílulas, em vez de injeções, como os medicamentos mais recentes. Os remédios mais antigos também são mais baratos, no caso de o plano de saúde do paciente não cobrir tratamentos de perda de peso.
Mas “os pacientes que ouvem falar sobre esses medicamentos no TikTok ou no Instagram querem usá-los de qualquer maneira. Não estão interessados em uma abordagem abrangente”, explicou Umashanker.
Quando prescreve um dos novos medicamentos, ela começa com a dose mais baixa e monitora efeitos colaterais. Náuseas, diarreia, vômitos e constipação são os mais comuns.
Alguns pacientes experimentaram condições mais graves, como cálculos biliares e pancreatite, uma inflamação dolorosa do pâncreas.
Diante dos riscos, os médicos dizem que as pessoas precisam de informações precisas sobre os efeitos colaterais, e que só quem apresenta obesidade de fato deve tomar um desses medicamentos.
Tanto a Novo Nordisk quanto a Eli Lilly criticaram as redes sociais por retratar a perda de peso como cosmética e minimizar a obesidade como uma doença grave. A Lilly fez um anúncio desencorajando o uso cosmético.
“Algumas pessoas estão usando remédios que não se destinam a elas”, diz o anúncio. A FDA (equivalente à Anvisa nos EUA) aprovou o Zepbound e o Wegovy para o tratamento da obesidade, ou para aquelas que estão acima do peso e têm pelo menos uma complicação relacionada a isso, como hipertensão.
Influenciadores são pagos por postagens promocionais
Influenciadores com menos de cem mil seguidores podem receber mais de US$ 10 mil com promoções de saúde, de bem-estar e de remédios, enquanto aqueles com mais de um milhão conseguem entre US$ 50 mil e US$ 125 mil, de acordo com Krishna Subramanian, executivo-chefe da plataforma de marketing de influência Captiv8.
Os influenciadores também podem ganhar dinheiro por meio de anúncios que acompanham seus vídeos no YouTube ou através de links de afiliados.
Evans, que fez o vídeo popular do YouTube sobre o Ozempic, é uma professora de 37 anos em Michigan que geralmente faz vídeos sobre livros, sob o apelido Roving Reader.
Ela começou a tomar Ozempic no final de 2021 para tratar diabetes tipo 2. A droga reduziu seu açúcar no sangue e a ajudou a perder peso. Evans postou o vídeo em maio de 2022, enquanto ainda conseguia controlar os efeitos colaterais.
No vídeo, descreveu como ficou “muito enjoada” por alguns dias. Uma de suas dicas era tomar o medicamento na sexta-feira para evitar náuseas no trabalho, o que especialistas em tratamento de obesidade disseram ser um conselho razoável.
O vídeo não mostra a experiência subsequente de Evans. Três meses depois que foi publicado, ela interrompeu o uso do Ozempic porque o vômito se tornou algo imprevisível e a impedia de viver normalmente, disse ela.
Ela afirmou que agora está focada em mudanças de dieta e estilo de vida para manter o peso, e mencionou em respostas aos comentários que parou de tomar Ozempic.
Influenciadores que postaram sobre as desvantagens das drogas para emagrecer afirmam que os seguidores não estão muito interessados nos pontos negativos e que os posts não recebem tantas visualizações quanto aquelas promovendo os medicamentos.
O tráfego para o vídeo de Evans sobre o Ozempic lhe rendeu US$ 2.371 do programa de monetização do YouTube, disse ela.
Evans afirma que ganhar dinheiro não é seu principal motivo. “Se eu quisesse isso, faria muito mais vídeos sobre o Ozepic.” Um porta-voz do YouTube disse que o site tenta conectar pessoas com informações de qualidade e contexto sobre drogas para a perda de peso.
Escreva para Peter Loftus em [email protected] e Sara Ashley O’Brien em [email protected]
traduzido do inglês por investnews