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Maior projeto de construção do mundo é confrontado com a realidade

Os planos da Arábia Saudita de prédios gêmeos de 160 quilômetros de comprimento perderam força em meio a custos crescentes

Por Eliot Brown The wall street Journal
Publicado em
14 min
traduzido do inglês por investnews

Os engenheiros se depararam com um problema do tamanho de uma montanha. 

Durante semanas, milhares de caminhões e escavadeiras trabalharam 24 horas todos os dias, coletando milhões de metros cúbicos de areia no maior projeto de construção do mundo, conhecido como Neom, na Arábia Saudita. Mas os trabalhadores haviam despejado a enorme pilha de terra — agora com centenas de metros de largura — no mesmo local onde os arquitetos planejavam abrir uma hidrovia para o Mar Vermelho. 

Assim, os caminhões e escavadeiras voltaram ao trabalho, pegando tudo de volta e fazendo uma nova montanha de areia nas proximidades, um probleminha caro que sintetiza a jornada turbulenta do projeto saudita, que foi de um conceito audacioso para uma operação extensa que tropeçou na execução. 

Desafiando os céticos, a Arábia Saudita continua investindo centenas de bilhões de dólares em projetos do Neom, uma região construída do zero, do tamanho do estado americano de Massachusetts, caracterizada por arquitetura de ficção científica, uma estação de esqui árida e uma lista de construções chamativas destinadas a atrair uma população maior que a da cidade de Nova York. 

O projeto mais ousado é o de um par de arranha-céus multitrilionário, mais altos que o Empire State Building, projetado para ter 169 quilômetros de comprimento e abrigar nove milhões de pessoas, o principal empreendimento apelidado de “The Line”. Seu defensor, o príncipe herdeiro saudita e governante de fato Mohammed bin Salman, comparou a empreitada às Grandes Pirâmides do Egito. 

Nos últimos meses, o reino reduziu a primeira fase da Line diante da realidade de custos, em um momento em que o país gasta muito mais do que recebe. Agora, os organizadores planejam erguer inicialmente cerca de 2,4 km da estrutura até 2030, e não o primeiro trecho de cerca de 16 km que havia sido previsto anteriormente, segundo várias pessoas com informações sobre os planos. Ainda assim, mesmo essa seção seria de longe o maior edifício do mundo, o equivalente a cerca de 7 Empire State Buildings em metragem quadrada. 

Questionado em uma entrevista à CNBC no mês passado sobre uma reportagem da Bloomberg a respeito da redução da primeira fase, o ministro saudita da Economia e Planejamento, Faisal Al Ibrahim, sinalizou que as ambições de longo prazo para a Line permanecem as mesmas. 

“Não há mudança de escala, é um projeto de longo prazo com um design modular”, disse ele, acrescentando que “hoje, a economia no reino está crescendo mais rápido, mas não queremos superaquecê-la”.

O que está em jogo para a Arábia Saudita é algo tão descomunal quanto a ambição de Mohammed. O Neom é o símbolo máximo de seus planos para transformar a economia do reino, reduzir sua dependência da receita do petróleo e transformar o país em um ímã para dinheiro e talentos de todo o mundo. Mas há o risco de desperdício de grande parte do dinheiro do país em um experimento sem precedentes de construção de uma cidade que pode ser muito difícil de realizar.

“Mohammed bin Salman está apostando aqui”, disse Madawi al-Rasheed, pesquisadora visitante da London School of Economics e membro de um grupo que pede uma reforma democrática na Arábia Saudita, que é uma monarquia absolutista. 

“Gastar tanto dinheiro deveria, em teoria, gerar um salto tangível para a economia saudita”, disse ela, mas grande parte do dinheiro até agora foi gasto com consultores e arquitetos estrangeiros. 

Uma montanha de desafios está por vir. Mais de cem mil trabalhadores da construção adicionais devem ser alojados em uma área estéril do vasto deserto do reino, a duas horas de carro de qualquer cidade. As necessidades do Neom por aço, vidro e outros materiais são tão enormes que podem elevar os preços globais, além da dificuldade de sua obtenção. Os planejadores temem que o conceito central único da Line, uma cidade vertical alojada em arranha-céus gêmeos do tamanho do estado de Delaware, possa ser pouco atraente para se viver.




Comparação de tamanhos. Nota: A altura da Willis Tower não inclui suas antenas.
Fonte: Council on Tall Buildings and Urban Habitat

Ao mesmo tempo, a redução dos planos da Line chamou a atenção para o custo enorme do Neom, que agora está programada para ser uma cidade de médio porte. Os executivos do projeto agora esperam menos de 200 mil residentes na primeira fase — a população de Knoxville, no Tennessee — segundo um funcionário atual e um anterior familiarizados com os planos. No entanto, o Neom está investindo em uma vasta infraestrutura destinada a milhões de pessoas, incluindo um aeroporto gigante, um trem de alta velocidade que atravessa um túnel em uma montanha de 32 km, enormes usinas de dessalinização e outros recursos imponentes na Line, como uma casa de ópera, disse o ex-executivo. 

Os custos não param de subir. O valor projetado para a construção de uma estação de esqui nas montanhas áridas da região mais do que dobrou em dois anos, chegando a US$ 38 bilhões em outubro, de acordo com documentos do Neom revisados pelo Wall Street Journal. A consultoria imobiliária Knight Frank estima que mais de US$ 237 bilhões em contratos de construção já foram fechados para o projeto.

Mesmo para um dos maiores exportadores mundiais de petróleo bruto, o Neom pode ser muito caro. Sua estimativa oficial de custos é de US$ 500 bilhões, 50% a mais do que todo o orçamento federal do país para o ano e mais da metade da riqueza de seu fundo soberano. 

Contudo, os executivos que trabalham no projeto acreditam que esse valor seja irrealisticamente baixo. Estima-se que os primeiros 24 quilômetros da Line custem internamente mais de US$ 100 bilhões, disseram duas pessoas familiarizadas com os planos. 

Se a Line for totalmente construída, os funcionários do Neom acreditam que o custo real seria bem superior a US$ 2 trilhões. Os custos de construção por metro quadrado são mais do que o dobro do padrão de outras obras do Oriente Médio, afirmaram. 

Assim, é pouco provável que o Neom atraia investimentos privados significativos para financiar futuras fases da Line, acreditam eles. Até agora, o financiamento veio do governo saudita.

O Neom é a peça central de uma reforma da economia e da identidade da Arábia Saudita iniciada por Mohammed em 2015, quando seu pai subiu ao trono. Aos 29 anos, o filho do rei Salman superou potenciais herdeiros e rapidamente garantiu o poder.

Com fome de mudanças, Mohammed permitiu mais normas culturais ocidentais e eliminou restrições que proibiam a mistura de sexos, permissão de dirigir para as mulheres e cinemas. Além disso, impôs limites ainda mais rígidos à liberdade de expressão, esmagando a oposição à rápida mudança.

O plano, Vision 2030, previa uma série de novas setores não petrolíferos, como entretenimento e tecnologia, e a construção de empreendimentos imobiliários de grande porte, para transformar o país em um centro de turismo global. 

A equipe de Mohammed buscou propostas dos principais arquitetos do mundo para projetar o Neom. O escritório vanguardista de Los Angeles, Morphosis Architects, liderado pelo vencedor do prêmio Pritzker Thom Mayne, deu a ideia de uma cidade com 160 km de comprimento e dois de largura, com edifícios ladeando essa área. 

O príncipe tinha uma ideia diferente. 

“Eu disse à equipe, que tal se pegarmos esses dois quilômetros e os transformássemos em duas torres em toda a extensão”, disse ele em um documentário do Discovery Channel no ano passado, batendo palmas em uma linha vertical como alguém fechando um livro. 

Nascia a ideia da cidade arranha-céu. 

Os arquitetos começaram a trabalhar projetando um par de torres paralelas separadas por 650 metros, revestidas de vidro espelhado que refletiria a areia vermelha do deserto e o mar azul. Em seu ponto mais alto, a ideia é que as torres cheguem a 500 metros de altura, sendo menos altas em alguns pontos, dependendo do terreno que atravessam.

Documentos internos de 2021 mencionam mais de 650 milhões de metros quadrados de área útil — 29% maior que todos os edifícios da cidade de Nova York juntos e do tamanho de mais de dois mil Empire State Buildings. Apartamentos, escritórios, escolas, delegacias, museus e um palácio real seriam lá instalados. 

A arquitetura impressionante e cara é uma prioridade. Mohammed disse aos executivos do Neom que quer uma sensação de “gravidade zero”, com características que parecem desafiar a física, disseram ex-executivos. 

Uma cidade linear há muito tempo cativa os planejadores urbanos. Em 1882, o arquiteto espanhol Arturo Soria y Mata propôs um desenvolvimento urbano alongado que inspirou o bairro “Ciudad Lineal” de Madri. A Line foi comparada internamente ao Epcot Center, disse um ex-executivo do Neom, o complexo da década de 1960 na Disney World que pretendia ser uma cidade futurista dependente de trens de alta velocidade. A ideia foi abandonada após a morte de Walt Disney. O Epcot mais tarde se tornou um parque temático. 

Uma cidade linear tão grande quanto a Line está em desacordo com a forma na qual os humanos desenvolveram cidades por milênios: expandindo-se naturalmente de modo circular, tipicamente em torno de um núcleo. 

“É lutar contra toda a história da forma como as cidades nascem e crescem”, afirmou John E. Fernandez, professor do departamento de arquitetura do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Até os defensores dizem que é um experimento que poderia facilmente falhar na prática. 

Em um documento de planejamento sob o título de “Principais Preocupações”, um funcionário menciona em quatro ocasiões diferentes que, ao se fixar na construção de arranha-céus de quilômetros de comprimento, o Neom havia virado do avesso o processo normal de design. “O uso normalmente promove o design. Estamos usando o design para promover o uso”, disse um comentário anônimo.  

A forma aumentou os desafios. 

Em 2020, antes que Mohammed revelasse o projeto, pediu aos funcionários que desviassem o extremo oeste da Line alguns quilômetros porque preferia o terreno, disseram pessoas familiarizadas com o pedido. Os projetos tiveram que mudar ligeiramente ao longo de todos os 170 km, causando meses de trabalho extra. 

Os arquitetos têm lutado para encontrar as melhores maneiras de misturar luz solar e espaço aberto no interior. Documentos internos mostram que houve problemas com a ideia de como diferenciar bairros, para não criar um bloco monolítico, optando por construir seções distintas de 800 metros cada com aparências diferentes. Eles se preocupavam com as péssimas condições de vida na base, já que a altura das torres impediria a chegada da luz lá embaixo. 

De acordo com documentos de planejamento, os projetistas propuseram deixar lacunas no topo dos módulos para “dobrar” as estruturas acompanhando a curvatura da terra, que arqueia cerca de 20 centímetros a cada 1,6 km.

Os planejadores se preocuparam com os bilhões de pássaros que passam por lá em sua rota de migração — um local menos do que ideal para um espelho de vidro de quase 500 metros de altura. 

“É inevitável que um número significativo de pássaros pereça”, escreveram os designers, com uma ilustração de um pica-pau morto.  

Pesa sobre o Neom uma história inusitada de projetos de construção de cidades, que normalmente morrem na prancheta. Aquelas que são construídas são geralmente reduzidas, e muitas vezes consideradas estéreis.

Uma das maiores da história moderna é Brasília, a capital brasileira que sobrecarregou as finanças do país quando foi construída, no final dos anos 1950. Após sua inauguração, os moradores reclamavam de ruas sem vida e da falta de vizinhança no centro modernista, que hoje abriga menos da metade de sua população esperada de 500 mil habitantes. Em vez disso, muito mais moradores vivem em cidades satélites construídas inicialmente para seus trabalhadores da construção. 

Progresso reduzido

Sete anos após o lançamento, pouco foi concluído além dos estúdios de cinema do Neom e um novo complexo real que possui palácios gigantes, um campo de golfe e pelo menos dez helipontos, mostram imagens de satélite.

Além da Line, o Neom tem uma infinidade de projetos enormes, todos complexos. 

Ele é tão grande que tem seus próprios projetos de construção em grande escala simplesmente para se preparar para projetos maiores. É necessário um porto para receber materiais, e o Neom está gastando mais de US$ 5 bilhões para construir moradias para trabalhadores, de acordo com a publicação de comércio e negócios do Oriente Médio “MEED”, que acompanha os contratos do projeto. 

Engenheiros e trabalhadores administrativos vivem em um punhado de comunidades construídas pelo projeto, com escolas, quadras de basquete, um Burger King, um Starbucks e um Hampton Inn, onde as diárias custam mais de US$ 400. O primeiro desses campos já precisa ser parcialmente demolido: após uma mudança no projeto, a Line agora deve passar pela comunidade, onde todas as construções já estão ocupadas, disseram ex-funcionários. 

Apesar de ser anunciado como emissão-zero, o Neom recentemente buscou empreiteiros para construir duas usinas a gás totalizando 800 megawatts para abastecer a região até que uma energia mais verde comece a ser gerada. 

Para demonstrar progresso ao príncipe herdeiro, os engenheiros começaram a colocar as bases para a Line há alguns anos, antes mesmo que os arquitetos tivessem descoberto a melhor maneira de construir algo tão imenso, disseram especialistas em engenharia.

Os arquitetos logo decidiram que a primeira fase deveria ser construída em outro lugar, deixando as fundações iniciais da Line abandonadas por enquanto, segundo pessoas familiarizadas com o assunto. 

Por mais de um ano, a maior parte do trabalho foi uma operação de escavação — a maior do mundo, informou o Neom. Estradas improvisadas de quatro pistas estão entupidas com filas de caminhões basculantes; a fumaça desses caminhões e dos geradores domina o ar. 

Um trabalho significativo de escavação foi feito em áreas que, mesmo antes da recente retirada, só estavam programadas para serem concluídas daqui a décadas. Imagens de satélite mostram uma fissura de cerca de 96 km cortando o deserto. 

O foco atual é uma seção central à beira-mar, onde o príncipe Mohammed queria que o edifício fosse construído no topo de uma nova marina, que pudesse abrigar os maiores navios de cruzeiro do mundo. Os trabalhadores estão cavando um buraco de mais de 15 metros abaixo do nível do mar, com cerca de 182 hectares. Foi lá que escavaram uma pequena montanha de terra, e só então descobriram que estavam no lugar errado. 

Uma vez que as fundações estiverem prontas, o teste fundamental será se e quando o Neom fechará os custosos contratos para iniciar a construção vertical — um marco crucial que dificulta voltar atrás.

Outra questão é a altura. Vários executivos que trabalham no Neom questionaram a necessidade de um edifício de quase 500 metros de altura — que exige desafios extras de engenharia, custos mais altos e dificulta a evacuação em uma emergência.

O renomado arquiteto britânico Peter Cook, que está envolvido na Line, chamou a altura do projeto de “um pouco estúpida e irracional”, de acordo com comentários publicados no “Architect’s Journal”, periódico do Reino Unido. Em um documentário posterior, Cook, que em geral elogia o projeto, chamou a Line de “complexa até mesmo para aqueles que estão envolvidos em projetá-la”.

Escreva para Eliot Brown em [email protected] e Rory Jones em [email protected]

traduzido do inglês por investnews