Onde eu errei depois de uma década prevendo o futuro da tecnologia
Ao longo de quase 500 artigos, cometi muitos erros. Aqui estão cinco grandes lições que essas previsões erradas e pronunciamentos estúpidos me ensinaram ao longo do caminho
Em 10 anos escrevendo esta coluna, entrevistei milhares de pessoas, experimentei centenas de gadgets e, vamos ser sinceros, estourei minha cota de declarações e previsões estúpidas.
Há uma década, o S&P 500 era menos da metade do que é hoje. Das 10 empresas de capital aberto mais valiosas do mundo, apenas três delas – Apple, Microsoft e Google – estavam no setor de tecnologia.
Hoje, a situação é invertida – só três das 10 mais valiosas não são empresas de tecnologia. Uma delas, a Berkshire Hathaway, vale tanto porque até recentemente quase metade de seu portfólio consistia em ações da Apple.
A última década incluiu a mais longa alta na história do mercado de ações, em parte devido à implementação mais rápida e transformadora de novas tecnologias. Em 2014, uma em cada quatro pessoas na Terra tinha um smartphone; hoje, são quase três em cada quatro.
Pense nisso por um segundo e em tudo o que representa: aproximadamente quatro bilhões de pessoas ganhando acesso a um computador e à internet.
E agora, aqui estamos nós: é o aniversário de 10 anos desta coluna. Aniversários são um bom momento para as pessoas ficarem emocionadas e contarem seus sucessos. Mas após quase 500 artigos no The Wall Street Journal, uma coisa que aprendi ao cobrir a indústria de tecnologia é que as falhas são muito mais instrutivas. Especialmente quando são do tipo que muita gente comete.
Aqui está o que aprendi depois de uma década me constrangendo em público – e tendo o privilégio de ouvir muito sobre isso dos leitores.
1- A disrupção é superestimada
Por que três das empresas mais valiosas de 2014 – Microsoft, Apple e Google – estão maiores do que nunca? Como a Meta se sai tão bem mesmo com as pessoas abandonando o Facebook há anos? Por que o Twitter continua bem, não importa o que seu novo proprietário faça?
Resposta curta: a disrupção é superestimada. O ídolo mais adorado em toda a tecnologia – a noção de que qualquer empresa ágil o bastante pode derrotar concorrentes maiores, mais lentos e mais esclerosados – provou-se falsa.
Não é que a disrupção nunca aconteça. Simplesmente não rola com tanta frequência quanto nos fizeram acreditar. Há muitas razões. Uma delas é que muitos líderes de tecnologia internalizaram uma paranoia hipercompetitiva – o que o fundador da Amazon, Jeff Bezos, chamou de “pensamento do Dia 1” – que os inspira a adquirir ou copiar e eliminar todo possível concorrente.
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Historiadores econômicos vêm desmontando a noção de disrupção de modelos de negócios há muito tempo, e ainda assim dificilmente passa um dia sem que uma startup, investidor ou jornalista – incluindo eu mesmo – não exalte o poder de uma nova tecnologia para revolucionar completamente até mesmo as maiores e mais conservadoras indústrias.
Não acredite. Em um mundo em que as empresas aprendem umas com as outras mais rápido do que nunca, os incumbentes têm a capacidade de se reinventar a um ritmo que simplesmente não era possível no passado.
2 – Os fatores humanos são tudo
Questionário surpresa: Qual é o principal fator que governa o ritmo da mudança tecnológica?
Se você disse gastos com P&D, o poder cerebral líquido de um país ou qualquer um dos outros fatores que os especialistas normalmente citam, você cometeu o erro do determinismo tecnológico – a falácia de que tudo o que é necessário para que a próxima grande coisa transforme nossas vidas é que ela seja inventada.
Cometi este erro repetidas vezes, prevendo que todos nós estávamos prestes a abandonar nossos laptops, que a posse de carros não duraria muito tempo neste mundo, e que, acredite se quiser, o fim da comida estava iminente. E é de longe o erro mais comum que vejo os outros cometerem, seja executivos de alto escalão, investidores poderosos ou os primeiros a adotar algum gadget.
Quando algo novo e reluzente aparece, pensadores normalmente sóbrios chegam à conclusão de que esta tecnologia quase existente está à beira da onipresença. (Elon Musk é possivelmente o campeão mundial de todos os tempos deste viés cognitivo.)
O que mais frequentemente impede a adoção em massa de uma tecnologia, porém, é a nossa humanidade. Uma nova tecnologia tem de se adequar ao conjunto peculiar, imprevisível e nada racional de predileções, necessidades e preconceitos que residem em todos nós. As pessoas que estudam como os humanos interagem com a tecnologia chamam seu campo de “fatores humanos”, e uma de suas principais percepções é que somos todos uma bagunça.
O desafio de fazer com que as pessoas mudem seus hábitos explica por que a adoção de novas tecnologias é sempre mais lenta do que seria se fôssemos todos utilitaristas friamente racionais, preocupados apenas em maximizar nossa produtividade ou prazer.
A nossa tendência a sermos criaturas de hábitos é a razão pela qual a adoção de veículos elétricos diminuiu, e em um sentido mais amplo, a razão pela qual ainda estamos tão dependentes de carros em geral. É por isso que o Mac ainda está aqui – apesar da minha declaração de que a Apple deveria eliminá-lo. E é por isso que ainda estamos comendo comida.
3 – Somos todos suscetíveis a esse tipo de besteira tecnológica
Kara Swisher, cuja coluna Boomtown no Journal foi de certa forma a precursora desta, uma vez disse em um podcast: quando entrevista alguém no setor de tecnologia que está exagerando sobre sua empresa ou produto, em vez de se perguntar como estão mentindo para ela, ela se pergunta “como eles estão mentindo para si mesmos?”
A tecnologia, para ser franco, é uma área cheia de pessoas mentindo para si mesmas. Como líderes de cultos, recrutas de marketing multinível e treinadores de CrossFit sabem, uma maneira poderosa de convencer as pessoas de que segui-lo mudará suas vidas é primeiro convencer a si mesmo.
Não chega a ser por mal. Dada a taxa de fracasso das startups, ser fundador de uma delas é se envolver em um nível de pensamento mágico que, em outra época, qualificaria uma pessoa para o sanatório. Os fundadores apoiados pelo capital de risco de hoje precisam ter uma visão, articulá-la claramente e convencer todos ao seu redor de que se juntar a eles é equivalente a encontrar um bilhete de loteria premiado, mesmo que tivessem mais sorte comprando um bilhete real de loteria.
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Mas não são apenas startups – CEOs de tecnologia têm que passar por esse mesmo ritual toda vez que lançam algum grande novo empreendimento ou mudam drasticamente sua empresa, mesmo que a maioria desses esforços não dê em nada.
No início da minha gestão no Journal, também cometi o erro de comprar o sistema de crenças de outra pessoa sobre como sua empresa mudaria o mundo. Quando o inventor James Dyson explicou por que tinha fé em uma nova empresa de baterias, eu escrevi sobre isso, e anos depois percebi o quão improvável seria essa empresa ter sucesso.
O mesmo vale quando Elon Musk e seu primo Lyndon Rive explicaram a sinergia entre a Tesla e a SolarCity, uma visão que não se concretizou. Igualmente constrangedor: minha incursão em escrever sobre uma unicórnio de construção pré-fabricada chamada Katerra, que mais tarde entrou em colapso sob o peso de suas tentativas de reinventar cada parte de uma indústria complicada.
4 – Bolhas tecnológicas são úteis mesmo quando são um desperdício
As quantias de dinheiro jogadas em startups no auge da bolha de investimento em tecnologia da última década podem parecer o tipo de loucura que apenas pessoas que desistiram de resolver seus problemas reais – guerra, pobreza infantil, mudança climática – poderiam tolerar.
É fácil e divertido zombar dos investimentos mais absurdos. Em uma das minhas primeiras colunas, perguntei, francamente, se o Vale do Silício estava investindo nas coisas erradas. (Na época, isso incluía uma startup que entrega moedas para você e o famoso aplicativo Yo, que não fazia nada além de enviar um alerta para seus amigos dizendo “oi.”)
Mas apontar que a maioria das novas ideias não vai a lugar nenhum não deve ser confundido com moralizar sobre inovação em geral. Algo que Bill Gates disse à Rolling Stone em 2014 ficou comigo. Ele disse que a maioria das startups era “boba” e iria à falência, mas que o punhado de ideias – ele especificamente disse ideias, e não empresas – que persistiriam mais tarde provaria ser “realmente importante”.
Uma década depois, parece que ele estava correto. A última bolha de tecnologia nos deu algumas “inovações” profundamente desimportantes como a Web 3.0 e o metaverso. Mas também nos legou uma quarta revolução industrial, alimentada por internet móvel, automação e inteligência artificial, cujos impactos se desdobrarão ao longo das próximas décadas.
5 – Temos mais poder do que pensamos
Possuir toda a riqueza e tecnologia do mundo não importa se não tivermos a sabedoria para usá-la da maneira correta. No começo da minha carreira, comprei a ideia, defendida pelo autor de ficção científica William Gibson, de que toda mudança cultural é impulsionada pela tecnologia.
Agora já testemunhei o suficiente de mudanças tecnológicas e sociais para entender que o inverso também – e talvez mais frequentemente – é verdadeiro. Coletivamente, temos controle sobre como novas tecnologias são desenvolvidas, e seria tolice não usá-las. Criar e implementar novas tecnologias sem barreiras de proteção é uma receita para um mundo em que a tecnologia pode tanto aprimoar nossas vidas quanto potencializar nossos piores impulsos.
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Quando os autoproclamados super-heróis da tecnologia tentam nos vender a sua visão, muitas vezes o fazem em termos milenares e falam como se a inovação fosse uma força independente das pessoas que a fazem acontecer. Se acreditássemos neles, concluiríamos que a IA sobre-humana é inevitável, idem para deepfakes e desinformação, e que a erosão da classe média americana é o ponto final predeterminado de toda automação.
Mas isso simplesmente não é o caso. Por exemplo, a vigilância em massa e a modificação de comportamento ao estilo chinês podem ser possibilitadas pela tecnologia, mas não são inevitáveis – é uma decisão do Partido Comunista Chinês. E embora os EUA ainda não tenham uma lei federal abrangente de privacidade, anos de violações de nossa confiança por empresas de tecnologia levaram a uma crescente variedade de leis, regulamentos e mudanças voluntárias que reprimiram muitos dos piores infratores.
Ao prestar atenção ao que está logo além do horizonte, minha esperança é que, de forma coletiva, imperfeita e democrática, possamos descobrir como utilizar novas tecnologias, em vez de sermos usados por elas.
Pelo menos até que a IA assuma o controle.
traduzido do inglês por investnews