O câncer está destruindo as finanças dos americanos
Remédios mais caros e redução da renda pressionam o bolso de muitos pacientes
Gwendolyn Jackson era financeiramente saudável antes de seu diagnóstico de câncer cervical — estava empregada, tinha plano de saúde e pagava o financiamento de sua casa em dia.
Mas agora, aos 53 anos, tem dezenas de milhares de dólares de dívidas médicas. A quimioterapia drenou sua energia e ela sofreu outros problemas de saúde, incluindo um derrame. Perdeu o emprego de coordenadora habitacional por causa de seus problemas físicos. Um aviso de despejo apareceu à sua porta e seu carro foi retomado.
“Uma manhã, eu acordei e era uma bem-sucedida gerente de caso”, disse Jackson, que mora em Houston. “Aí, comecei a perder tudo.”
O fardo econômico de um diagnóstico de câncer está piorando surpreendentemente nos EUA, pois os custos médicos e de medicamentos aumentam e mais pacientes vivem mais tempo com a doença. Cerca de 55% dos medicamentos contra o câncer introduzidos entre 2019 e 2023 custam pelo menos US$ 200 mil por ano, de acordo com o Instituto de Ciência de Dados Humanos da Iqvia. E um número crescente de pacientes está em idade produtiva, um grupo mais propenso a relatar dificuldades financeiras após o diagnóstico em comparação com os idosos.
Quase 60% dos sobreviventes de câncer em idade ativa relatam enfrentar alguma dificuldade financeira. Muitos pacientes lutam para pagar o atendimento e acabam se endividando, com alguns conseguindo empréstimos consignados ou com cartões de crédito. Só o câncer responde por cerca de 40% das campanhas médicas que buscam ajuda financeira no GoFundMe, mostra a pesquisa.
“Diminuir o uso de remédios. Reduzir as consultas médicas. Perder sua casa. Cortar alimentos — não gostamos de acreditar que esse tipo de coisa aconteça com as pessoas que têm câncer neste país”, disse o dr. Reshma Jagsi, oncologista de radiação da Escola de Medicina da Universidade Emory e do Instituto do Câncer Winship.
Entre as doenças comuns, o câncer cria uma tensão financeira excepcionalmente difícil, conhecida como toxicidade financeira. Os tratamentos com medicamentos caros começam imediatamente e vêm com uma série de custos não médicos. A quimioterapia e outros tratamentos podem deixar os pacientes muito fracos para trabalhar por semanas ou meses. Isso pode resultar em um golpe duplo, com os pacientes perdendo o emprego e o plano de saúde que o empregador bancava.
“Isso causa um choque financeiro que vai se ampliando”, disse a dra. Fumiko Chino, oncologista de radiação do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, cujo marido morreu de câncer há mais de uma década. Os cobradores de dívidas ainda ligam para ela para falar sobre suas contas não pagas.
O problema começa com os custos de cuidados médicos, que subiram acima da inflação, e remédios caros. Os medicamentos comuns contra o câncer têm preços de tabela na casa dos seis dígitos: o Imbruvica, que trata leucemia, tem um preço de tabela de mais de US$ 213 mil por um ano inteiro. O paciente médio do Medicare [o plano de saúde do governo para incapacitados] pagou US$ 5.247 do próprio bolso em 2022, mostram dados federais. A AbbVie, uma das comercializadoras da droga, não quis comentar.
O Tagrisso, medicamento contra o câncer de pulmão mais vendido, tem um preço de tabela de US$ 208 mil por ano. Sua fabricante, a AstraZeneca, disse que o custo para um paciente individual raramente é o preço de tabela, e que o custo variaria com base na cobertura do seguro. A empresa disse que tem programas de assistência ao paciente e está comprometida em precificar de forma responsável e tornar seus medicamentos acessíveis.
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Muitas seguradoras transferiram os custos crescentes de saúde para os pacientes. Alguns planos apoiados pelo empregador exigem que eles paguem uma porcentagem do custo dos medicamentos, o que pode somar milhares de dólares. Um relatório constatou um aumento de 15% nos custos do próprio bolso para pacientes com câncer em idade ativa e segurados privados de 2009 a 2016. Os pacientes também pagam a conta de transporte, hospedagem, cuidados com as crianças e estacionamento.
Os custos adicionais são apenas parte do fardo. Muitos têm que tirar licença — ou realmente parar de trabalhar — após um diagnóstico de câncer. Os pacientes que recebem quimioterapia são mais propensos a parar de trabalhar dentro de quatro anos do que aqueles que não o fazem.
O problema muitas vezes afeta famílias inteiras, com parentes se mobilizando financeiramente ou cuidando de seus entes queridos doentes.
Erica Olenski reduziu consideravelmente suas horas de trabalho quando os médicos diagnosticaram seu filho bebê, August, com câncer no cérebro em 2019. Durante quatro meses, Olenski teve que ir e voltar de carro de McKinney, no Texas, para o hospital de August, em Dallas. O menino passava pelo menos uma semana por mês no hospital para tratamento, mais se tivesse febre.
August, então, sofreu um AVC que paralisou suas cordas vocais e exigiu mais procedimentos. Olenski atendia chamadas de trabalho no pronto-socorro e em quartos de hospitais. O Medicaid cobriu as contas médicas, mas a família ainda teve que se virar com sua renda reduzida.
“Era o transporte, a gasolina, o pedágio, a comida no hospital, porque você não dá para comprar mantimentos como faria em casa”, disse Olenski. “Há uma realidade pragmática de viver assim que tem um custo enorme.”
No final do tratamento de August em 2020, Olenski se divorciou do marido e perdeu cerca de US$ 20 mil com o processo. A vida acabou se estabilizando. Mas uma batalha legal com o ex-marido de Olenski a forçou a liquidar a maior parte de sua poupança de aposentadoria para cobrir suas contas, e o câncer ressurgiu em torno do tronco cerebral de August em 2023 e, mais tarde, na base de sua coluna.
Olenski então recorreu aos cartões de crédito, usando-os para pagar sua hipoteca, a mensalidade do carro e outras necessidades. Logo, percebeu que não conseguiria cobrir os pagamentos mínimos. Em abril, ela pediu falência, com mais de US$ 100 mil em dívidas.
“Só posso me sentir orgulhosa de mim mesma por resistir à tempestade todo esse tempo”, disse ela.
Neste mês, Olenski e August, agora com cinco anos, voaram para Boston para uma cirurgia de alto risco na coluna. Um amigo pagou as passagens. Eles não sabem quanto tempo terão que ficar na cidade.
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Pessoas com câncer correm maior risco de acabar atrasando pagamentos com cartão de crédito, pagamentos de hipotecas e enfrentando outros desafios financeiros do que pacientes não oncológicos, de acordo com uma pesquisa coescrita pelo dr. Scott Ramsey, diretor do Instituto Hutchinson de Pesquisa de Resultados de Câncer no Centro Fred Hutchinson do Câncer em Seattle.
Outras pesquisas mostram que pacientes que arcam com mais custos são mais propensos a atrasar o início de seus medicamentos ou parar de tomá-los. Ramsey e seus coautores também descobriram que pacientes com câncer que pedem falência têm um risco 80% maior de morrer do que pacientes com câncer que não o fazem.
“De fato, há um prejuízo muito grande para a sobrevivência”, disse ele.
Jackson teve a primeira ideia do custo financeiro do câncer há uma década, quando seu pai teve câncer de pulmão. Sentada na sala de espera do hospital, ela conheceu famílias que economizaram e venderam joias para pagar o tratamento. Essa experiência e a morte de seu pai inspiraram Jackson a criar uma organização sem fins lucrativos para pacientes com câncer e suas famílias, doando qualquer coisa, de alimentos a móveis.
Anos depois, ela estava no lugar deles.
A vida de Jackson encolheu após seu diagnóstico, de corridas diárias e encontros de happy hour a uma série de intermináveis consultas médicas. Quando perdeu o emprego em 2022, sua mãe de 83 anos pagava cerca de US$ 800 mensais por seu plano de saúde, até que isso começou a pesar demais. Jackson então contratou um plano de seguro mais barato, mas as contas de exames, quimioterapia e fisioterapia eram incessantes.
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Ela esgotou seus cartões de crédito. Amigos e familiares enviavam dinheiro via Cash App enquanto ela esperava por uma pensão por deficiência de longo prazo. Depois que Jackson perdeu sua casa e seu carro, foi morar com sua filha, dividindo um quarto com seu neto. Ela não tinha condições de comprar pasta de dente ou papel higiênico.
“Isso me quebrou”, disse Jackson.
A filha de Jackson, Darian Butler, de 31 anos, teve que arrumar um segundo emprego. Ela também ajuda a administrar a instituição de caridade quando Jackson não pode. “Sinto que a vida dela foi roubada”, disse Jackson. “Eu me sinto um fardo às vezes.”
As dificuldades crescentes inspiraram defensores e médicos a encontrar soluções temporárias, mas ainda há grandes lacunas na rede de segurança.
Mais centros oncológicos estão oferecendo assistência para pacientes com problemas financeiros, e organizações sem fins lucrativos ajudam os pacientes a pagar por comida, transporte e outras necessidades. Mas seu financiamento é limitado e muitas pessoas não sabem como encontrar esses recursos. Dos pacientes que recorrem ao GoFundMe para obter ajuda financeira, apenas uma pequena proporção alcança seus objetivos.
Jackson inicialmente procurou ajuda de vários grupos, mas sua renda era alta na época. Ela decidiu que receber fundos de sua própria organização sem fins lucrativos seria antiético. Mais tarde, tentou um emprego remoto, mas não conseguiu acompanhar.
Jackson gasta sua energia limitada com seu neto ou arrecadação de fundos para sua caridade, incluindo a organização de um brunch de Dia das Mães e a montagem de uma mochila anual para os filhos de pacientes com câncer. Dois anos atrás, o grupo encheu centenas de mochilas, mas Jackson estava muito fraca para comparecer ao evento, pois teve problemas cardíacos. Da cama, ela ligava para as famílias e as incentivava a comparecer.
Agora com a pensão por deficiência, Jackson ajuda a comprar mantimentos, gasolina e, às vezes, contas de luz e água, além de sua medicação. Uma carta chegou pelo correio este mês, dizendo que ela seria incluída no Medicare em breve. Mas ela tem cerca de US$ 38 mil em dívidas médicas que não consegue pagar depois de quitar suas despesas mensais.
Jackson ainda está recebendo tratamento como parte de um ensaio clínico, depois que seu câncer parou de responder à quimioterapia. Os médicos disseram que ela tem cerca de um ano e meio. Enquanto isso, cobradores de dívidas continuam entrando em contato com ela, em busca do pagamento de contas médicas vencidas.
“Eles ligam e mandam cartas”, disse ela. “Mas não posso pagar o que não tenho.”
Escreva para Brianna Abbott em [email protected] e Peter Loftus em [email protected]
traduzido do inglês por investnews