México pode eleger sua primeira mulher presidente. Seu trabalho: salvar a nação
Claudia Sheinbaum é a grande favorita, impulsionada pela popularidade do atual presidente López Obrador, e promete controlar uma onda de criminalidade nacional
Claudia Sheinbaum, judia com doutorado em engenharia de energia, deve se tornar a primeira mulher presidente do México, uma ascensão histórica em um país majoritariamente católico.
A liderança de Sheinbaum nas pesquisas antes da eleição deste domingo (2) está ligada a seu endosso pelo popular líder nacionalista do México, o presidente Andrés Manuel López Obrador, que orientou a carreira dela nas duas últimas décadas. Ela lhe dedicou anos de lealdade inabalável em troca.
Em um evento simbólico e amplamente anunciado em um restaurante da Cidade do México no ano passado, Sheinbaum aceitou um bastão cerimonial de comando de López Obrador em uma reunião de seu partido no poder, o Movimento Regeneração Nacional. Foi um aceno à cultura indígena mexicana — e aos eleitores — de um presidente cujos índices de aprovação nunca estiveram abaixo de 60%.
“Ele me deu o bastão e a autoridade também”, disse Sheinbaum, de 61 anos, durante uma recente aparição na TV.
Sheinbaum, que como ex-prefeita da Cidade do México era conhecida por seu jeito reservado e disciplinado, proclama a cada parada de campanha que seu governo será uma continuação do de López Obrador. Ela reproduz a mensagem de seu mentor de que o governo deve manter um controle rígido sobre o setor de energia e orientar a economia para o benefício dos pobres.
Antigos e atuais funcionários e diplomatas mexicanos esperam que um governo Sheinbaum tenha um estilo diferente do de López Obrador, mas não em substância. “Não há desacordo entre eles”, disse Jorge Castañeda, ex-ministro das Relações Exteriores mexicano.
Sheinbaum às vezes sinaliza que será independente de seu popular mentor. Ela tem uma visão de governança baseada em dados, confiando em análises em vez de carisma para continuar a visão e as políticas de López Obrador, que opera mais por instinto.
“Compartilhamos muitos princípios, mas será Claudia quem governará”, disse Sheinbaum à TV mexicana, falando de si mesma na terceira pessoa.
O líder de cabelos grisalhos, que como todos os presidentes mexicanos está limitado a um único mandato de seis anos, disse que vai se retirar à sua casa de campo nas matas do sul do México. Muitos eleitores dizem não acreditar que ele esteja disposto a abrir mão de sua influência quando seu mandato terminar, em 30 de setembro.
“Ela é a filha obediente de López Obrador”, disse Denise Dresser, cientista política e uma das críticas de Sheinbaum.
Nos últimos seis anos, López Obrador polarizou o México, acusando os opositores de serem ricos traidores e opressores, às vezes divulgando seus dados confidenciais de renda e impostos. Sheinbaum defendeu López Obrador contra grupos de direitos humanos críticos de seus ataques verbais à mídia independente e a ativistas políticos. López Obrador se ressente e se irrita com a dissidência, dizem seus opositores.
Sheinbaum é bilíngue, viveu na Área da Baía de San Francisco na casa dos 30 anos e está confortável em interagir com autoridades e investidores dos EUA, de acordo com diplomatas e autoridades mexicanas. López Obrador não fala inglês e tem pouco interesse em assuntos internacionais.
Se eleita, ela terá que navegar por relações bilaterais muitas vezes espinhosas com os EUA, incluindo a gestão do lado mexicano da fronteira de mais de 3.200 quilômetros que separa os dois países. É a mais movimentada do mundo em termos de movimentação de caminhões e pessoas.
Além disso, enfrentará a ameaça de poderosos grupos do crime organizado que controlam o fluxo de drogas e migração ilegal para os EUA, uma questão importante para os eleitores americanos. Gangues criminosas estão aterrorizando cidades e vilarejos, preocupação número um dos eleitores mexicanos. O crime organizado se beneficiou das políticas mais brandas de aplicação da lei — “abraços, não balas” — de López Obrador, dizem seus críticos. O governo do presidente discorda, apesar das estatísticas que mostram o contrário.
O próximo presidente do México terá que decidir em 2026 se continua ou se revisa o acordo EUA/México/Canadá, o pacto comercial que impulsionou o México a se tornar o maior parceiro comercial dos EUA. “Precisamos mantê-lo, protegê-lo e garantir que se torne um dos principais pilares do desenvolvimento do México”, disse Sheinbaum a banqueiros mexicanos durante um discurso em abril.
López Obrador forjou uma relação de trabalho com os governos Trump e Biden, com esforços para desacelerar a migração para os EUA, que Sheinbaum deve continuar, de acordo com analistas de segurança e ex-funcionários.
No entanto, para as autoridades americanas, ela continua sendo um enigma, afirmou Shannon O’Neil, pesquisadora sênior para a América Latina do Conselho de Relações Internacionais, em Nova York. “Ela é uma verdadeira seguidora das políticas de López Obrador ou há diferenças?”, questionou O’Neil. “Acho que ninguém sabe.”
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Vida no exterior
Sheinbaum cresceu em uma casa de esquerda de classe média alta na Cidade do México, estudando francês e fazendo balé. Sua mãe era professora de biologia. Seu pai, engenheiro químico.
Os avós de Sheinbaum eram imigrantes judeus lituanos e búlgaros que fugiram da perseguição na Europa no início de 1900. Ela contou que celebrava feriados judaicos na casa de seus avós quando menina, mas sua criação em casa era secular. Sua origem judaica não surgiu como uma questão de campanha.
Sheinbaum acompanhou seu primeiro marido, o líder estudantil de esquerda Carlos Imaz, indo viver em San Francisco de 1991 a 1995. Ela se juntou a um grupo de cerca de uma dúzia de jovens estudantes de pós-graduação que fizeram campanha pelo direito dos mexicanos que vivem no exterior de votar nas eleições do México, contou Gaspar Rivera, outro ativista. O México concedeu esse direito em 2005, e mais de um quarto de milhão de mexicanos que vivem fora de seu país, a maioria nos EUA, poderão votar nas eleições de junho.
Rivera lembra de reuniões com Sheinbaum e outros ativistas nos escritórios do sindicato dos faxineiros em San Francisco. “Ela trazia os dois filhos para os encontros, que eram mais como seminários de pós-graduação do que reuniões políticas”, lembrou ele. Sheinbaum também ajudou a organizar os migrantes mexicanos que vinham colher cerejas na Califórnia.
Durante os anos na Área da Baía, ela fez cursos de pós-graduação em eficiência energética na Universidade de Stanford e na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Além disso, realizou sua pesquisa de pós-doutorado no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley.
A carreira política de Imaz terminou após a divulgação de um vídeo em 2004 que o mostrava aceitando pacotes de dinheiro de um empresário com contratos com o governo da Cidade do México. Na época, López Obrador era o prefeito da cidade, Sheinbaum era a chefe ambiental e Imaz era um funcionário eleito que representava um bairro da capital. Ele foi mais tarde exonerado.
O casal se divorciou em 2016, e Sheinbaum se casou com um amigo de faculdade, Jesús María Tarriba, que trabalha no banco central do México. Sua filha, Mariana Imaz, estudou filosofia e literatura comparada na Espanha e na Califórnia. Seu enteado, Rodrigo Imaz, é cineasta.
Sheinbaum, que obteve seu Ph.D. na universidade nacional do México, gosta que usem o honorífico “dra.” Ela é reservada, escreve seus próprios discursos e gosta de apresentações de PowerPoint. Na campanha, Sheinbaum foi ridicularizada por adversários por parecer imitar o jeito de falar do presidente.
López Obrador, filho de um comerciante provincial, sente-se à vontade ao dar entrevistas coletivas improvisadas.
As pesquisas mostram Sheinbaum com uma vantagem de dois dígitos sobre Xóchitl Gálvez, senadora e empresária de origem indígena. Gálvez, que concorre como candidata de uma coalizão de oposição de três partidos, se refere a Sheinbaum como a “Dama do Gelo”. Um porta-voz de Sheinbaum disse que ela tem um grande senso de humor.
Cidades que mais matam
Grupos do crime organizado controlam cerca de um terço do México, segundo o Comando Norte dos EUA. Mais de 200 gangues extorquem empresas e administram rotas de tráfico de drogas e contrabando de pessoas, aterrorizando moradores e matando milhares de pessoas no fogo cruzado da guerra interna. As seis cidades que mais matam no mundo estão no México, afirmou Eduardo Guerrero, consultor de segurança que atuou no Ministério da Segurança do país.
Sheinbaum defendeu a estratégia de segurança de López Obrador, chamando a guerra às drogas dos presidentes anteriores de desastre. López Obrador restringiu a operação de policiais americanos no México e acusou o departamento de combate às drogas dos EUA de inventar acusações contra o ex-ministro da Defesa do México.
Diplomatas dizem que, como prefeita da Cidade do México, Sheinbaum mostrou sua independência em relação ao presidente. Seus altos funcionários de segurança desenvolveram um estreito relacionamento de trabalho com as agências de aplicação da lei dos EUA. A polícia da Cidade do México usou a inteligência de investigações da agência de Segurança Interna americana para apreender 1,6 tonelada de cocaína há dois anos, disseram autoridades dos EUA. Foi uma apreensão recorde na capital mexicana, que é um centro logístico das drogas que seguem para os EUA.
Analistas de segurança creditam a Sheinbaum a redução do número de homicídios e outros crimes na Cidade do México ao aumentar os gastos com segurança pública. Ela melhorou os programas de formação policial, e aumentou o número de oficiais e seus salários.
A taxa de homicídios da Cidade do México ficou em 8,45 por cem mil habitantes no ano passado, semelhante à taxa de Los Angeles, disse Guerrero, consultor de segurança. Sheinbaum garantiu que suas conquistas de segurança podem ser replicadas em todo o país se ela se tornar presidente.
Controle partidário
López Obrador formou seu partido, Movimento Regeneração Nacional (Morena), há uma década a partir de grupos de esquerda e venceu as eleições presidenciais de 2018. Morena é um acrônimo que se refere à santa padroeira de pele escura do México, a Virgem de Guadalupe. Atualmente, governa 23 dos 32 estados mexicanos, um eco do regime de partido único do México, que terminou em 2000.
Os opositores do presidente o chamam de autoritário e questionam se Sheinbaum será capaz de controlar o partido após a saída de López Obrador.
Sheinbaum apoiou propostas de reformas constitucionais que, segundo muitos mexicanos, poderiam prejudicar a democracia do país. Uma mudança proposta seria desmantelar o instituto eleitoral do México, que desempenhou importante papel na transformação do México de um Estado de partido único.
Outra mudança constitucional faria com que os eleitores elegessem juízes federais, inclusive para a Suprema Corte, colocando em risco sua independência.
“O pluralismo político do México está em jogo”, disse Ricardo Becerra, presidente do Instituto de Estudos para uma Transição Democrática, think tank (organização voltada para disseminar determinado conhecido) da Cidade do México.
Sheinbaum tem a visão oposta. Um porta-voz da campanha disse que as reformas propostas visam fortalecer a democracia e o Judiciário mexicanos.
Para expandir a economia do México, Sheinbaum quer desenvolver cem parques industriais e atrair fábricas que saem da China. Isso pode ser impossível se ela continuar a apoiar as políticas energéticas de López Obrador, que restringem o investimento estrangeiro e privado. Sheinbaum favorece empresas estatais. Ela também busca reduzir a dependência de importações por meio da autossuficiência.
“O tempo da privatização acabou”, disse ela. “Nunca mais.”
No entanto, espera atrair bilhões de dólares em investimentos privados para parques solares e eólicos, com o governo mantendo o controle e uma participação majoritária no mercado de eletricidade, disse um conselheiro de Sheinbaum.
López Obrador buscou reverter a abertura do setor de energia ao investimento estrangeiro e privado realizado sob seu antecessor; interrompeu projetos de energia renovável que estavam quase concluídos; promoveu leis para favorecer as empresas estatais de petróleo e eletricidade, mas muitas das mudanças foram bloqueadas pela Justiça mexicana.
A hostilidade de López Obrador ao investimento estrangeiro em energia levou a tensões comerciais com os EUA, que não estão dispostos a insistir na questão, dado o interesse primordial do governo Biden em obter a ajuda do México para conter o fluxo de migrantes ilegais, afirmam diplomatas e analistas.
As pesquisas mostram que é improvável que o Morena conquiste uma maioria de dois terços nas duas casas do Congresso, algo necessário para mudar a Constituição. Isso pode dar a Sheinbaum uma chance de definir seu próprio caminho.
“Uma vitória esmagadora no Congresso seria uma vitória de López Obrador”, explicou Alejandro Schtulmann, analista político mexicano. “Os legisladores teriam uma dívida com ele. Sua agenda se limitaria à agenda de López Obrador.”
Escreva para José de Córdoba em [email protected] e Santiago Pérez em [email protected]
traduzido do inglês por investnews