Uma seleção semanal do jornalismo mais prestigiado do mundo
Presented by

Starlink avança na área rural do Brasil e desperta atenção do governo

Companhia de Elon Musk está crescendo rapidamente na Amazônia e nas regiões agrícolas do país, bastiões de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro

Por Samantha Pearson The wall street Journal
Publicado em
8 min
traduzido do inglês por investnews

Elon Musk é tão popular em Tapiraí, cidade agrícola no interior de São Paulo, que seu rosto está estampado nas lojas ao lado de fotos de rebanhos de vacas e revistas locais o retratam como um super-herói. O apelo do bilionário é simples: sua empresa de satélites Starlink conectou as vastas extensões rurais e de selva do Brasil à internet. 

“Estávamos todos torcendo para que a Starlink viesse para o Brasil, sabíamos que seria uma grande mudança”, disse Arthur Cursino, produtor de gengibre local, que uma vez teve que subir em uma árvore para conseguir um sinal de celular e agora, graças à Starlink, administra um dos canais mais populares do Brasil no YouTube sobre agricultura.

Contudo, a rápida expansão da Starlink ocorre quando funcionários do governo do presidente esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva mencionam preocupações sobre a crescente influência de Musk sobre o país. Depois de obter aprovação regulatória há dois anos, a Starlink eclipsou os concorrentes em maio e se tornou o maior provedor de internet via satélite do país. 

Musk, bilionário cujas empresas incluem a plataforma de mídia social X e a fabricante de carros elétricos Tesla, cortejou líderes de direita em todo o mundo, incluindo o antecessor e rival de Lula, Jair Bolsonaro. Musk deu seu apoio à candidatura do ex-presidente Donald Trump.

As regiões onde a Starlink se popularizou — o coração agrícola do Brasil e a floresta amazônica — são redutos de Bolsonaro, onde Lula enfrenta profunda oposição política.

Agora, o Tribunal de Contas da União está investigando o uso da Starlink por autoridades públicas no país, ameaçando impor restrições ao serviço. A Anatel, reguladora de telecomunicações, abriu uma investigação separada sobre a empresa, dizendo que seu rápido crescimento em número de assinantes — mais de 20% ao mês — pode afastar novos atores.

“A Amazônia é uma das maiores riquezas do Brasil”, disse Lucas Furtado, o promotor público que lidera a investigação do tribunal de contas, em entrevista. “Guarda segredos que ninguém conhece… a ideia de que uma empresa esteja no controle dessas informações é uma afronta à soberania brasileira.” 

A Starlink não respondeu aos pedidos de comentários. 

O Brasil é o mais recente país onde os interesses comerciais de Musk colidem com a política local. Na Argentina, ele elogiou o novo presidente, Javier Milei, um autodenominado anarcocapitalista que se recusou a se encontrar com Lula, e expressou interesse no lítio do país, metal essencial para as baterias de veículos elétricos, que Musk descreve como “o novo petróleo”. Na China, onde está expandindo seus negócios, ele declarou que o controle chinês de Taiwan é inevitável.

LEIA MAIS: Após xingamento, Musk tenta reconstruir pontes com o mercado publicitário

Desde que visitou o Brasil em maio de 2022, Musk se alinhou abertamente com os conservadores do país, levando o ex-presidente Bolsonaro a anunciá-lo como uma “lenda da liberdade” em recentes comícios políticos. O então ministro das Comunicações de Bolsonaro, Fábio Faria, disse ao Congresso que pessoalmente acelerou a aprovação regulatória da Starlink. 

Musk apoiou Bolsonaro depois que a polícia brasileira abriu investigações contra o ex-presidente e outros líderes conservadores — muitos do Brasil rural — por supostamente planejar um golpe fracassado em janeiro de 2023 contra o governo de Lula.

Então, em abril, o bilionário se negou a cumprir uma ordem do Supremo Tribunal Federal para bloquear contas em sua plataforma X, que as autoridades dizem estar ligadas à tentativa de golpe. Ele chamou o juiz de “ditador”, classificando a ordem de afronta à liberdade de expressão e de “exigências mais draconianas de qualquer país da Terra”.

Os brasileiros de esquerda ficaram furiosos. “Como ele ousa, um empresário americano que nunca cultivou uma folha de grama em sua vida, como ousa criticar nosso mais alto tribunal”, disse Lula em um discurso recente.

A ascensão meteórica da Starlink no cinturão agrícola do Brasil só deixou o governo mais nervoso, disse Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências, com sede em São Paulo.

“O governo já estava lutando para conquistar o setor agrícola e agora a Starlink promete melhorar a produtividade e trazer outros ganhos positivos”, disse Cortez. Uma maior cobertura de internet nessas regiões amplamente conservadoras também poderia promover uma identidade política mais forte, disse ele, conforme a comunicação entre áreas agrícolas antes isoladas vai crescendo. 

Em Tapiraí, a maioria dos cerca de oito mil moradores da cidade continua a apoiar Bolsonaro, lembrando com carinho o dia em 2020 em que o então presidente veio visitá-los em seu helicóptero. A cidade deu a Lula apenas 40% dos votos nas eleições presidenciais de 2022, cerca de 11 pontos percentuais abaixo do resultado nacional, que selou a vitória apertada do esquerdista sobre Bolsonaro.

LEIA MAIS: Em programa bilionário, Pentágono escolhe Blue Origin e SpaceX para contratos de lançamento de foguetes

O Brasil é um mercado atraente para a Starlink, que usa satélites desenvolvidos e enviados ao espaço pela Space X de Musk, disse Chris Quilty, fundador da Quilty Analytics, que acompanha a indústria espacial. Tem cerca de 200 mil assinantes, e espera-se que o número cresça com o lançamento da “Starlink Mini”, versão menor de sua antena de internet via satélite, disse Quilty.

“A SpaceX já colheu os primeiros frutos, tendo conquistado a Austrália, e o Brasil é o maior país do Hemisfério Sul”, disse ele. 

O Brasil tem uma das densidades populacionais mais baixas do mundo — 67 pessoas por milha quadrada, em comparação com 96 nos EUA. Isso significa que muitas vezes não é economicamente viável fornecer internet por outros meios, como instalar cabos ou mais torres de celular, mesmo em cidades como Tapiraí, a duas horas de carro da megalópole de São Paulo, no estado mais rico do Brasil. 

Em um sinal do potencial do mercado, a John Deere anunciou recentemente que começará a instalar a Starlink em seus equipamentos no Brasil este ano, o que faria deste o único país a fazê-lo fora dos EUA. Isso permitiria que os tratores funcionassem sem motorista, acelerando o plantio, a fertilização e a colheita.

Mesmo as fazendas menores podem se beneficiar por estarem on-line, evitando que os produtores dirijam horas para pagar contas ou comprar suprimentos. As autoridades estimam que um melhor acesso à internet poderia aumentar a produtividade das fazendas em até 25% em um país que é o maior exportador mundial de carne bovina, soja e açúcar. Embora cerca de 74% das propriedades rurais tenham acesso à internet, menos de 25% das terras agrícolas têm conexão, de acordo com dados do governo. 

LEIA MAIS: Elon Musk e Indonésia lançam Starlink voltado ao setor de saúde

No estado do Mato Grosso do Sul, perto da fronteira com o Paraguai, onde a conexão é difícil, os agricultores dizem que resistiriam a qualquer tentativa do governo de limitar a Starlink. 

“Que outra escolha temos?”, disse José Marques, que produz soja e milho, além de criar gado em sua fazenda de 1.850 hectares perto da cidade de Caarapó. 

No início deste ano, ele pagou cerca de US$ 1.500 para instalar a Starlink em seu caminhão com a ajuda de uma empresa brasileira que adapta as antenas para que possam ser fixadas no teto com ímãs, permitindo que os usuários acessem a internet na estrada.

Antes, ele explica que permanecia off-line por horas todos os dias quando dirigia entre as fazendas de sua família. Agora, Marques disse que pode usar o tempo para conversar com fornecedores e trabalhadores, além de comprar e vender gado pelo Instagram e pelo WhatsApp.

 “A Starlink veio para nos ajudar, para facilitar nossa vida, não podem tirá-la agora”, afirmou Marques.

O governo argumentou que está fazendo sua parte, minimizando a importância da Starlink. “A internet via satélite é uma alternativa para aumentar a conectividade no campo e temos muitas empresas que estão surgindo nesse setor”, disse o ministro da Comunicação de Lula, Juscelino Filho. 

O governo Lula também revelou mais apoio financeiro para a indústria agrícola nos últimos meses, incluindo um pacote de empréstimos de US$ 15 bilhões para apoiar quase cinco milhões de fazendas familiares.

“Precisamos que as pessoas produzam mais!”, declarou Lula ao anunciar o pacote. 

Cursino, o fazendeiro, considera a Starlink uma grande ajuda. “Os agricultores seriam sábios ao contratar a Starlink”, afirmou ele.

Escreva para Samantha Pearson em [email protected]

traduzido do inglês por investnews