Bebidas, prisões e conflitos: o legado conturbado da família fundadora da Tyson Foods
Queda nas vendas coloca futuro do império de US$ 21 bilhões em xeque
A polícia avistou John Randal Tyson, que parecia dirigir sua SUV acima do limite de velocidade, no início da manhã de 13 de junho, e depois fazendo mal uma curva e batendo no meio-fio. Ele cheirava a “intoxicantes”, disseram as autoridades, e seus olhos estavam lacrimejantes e vermelhos. Seu nível de álcool no sangue foi testado, e era o dobro do limite legal, de acordo com o relatório da prisão.
Depois de ser parado, Tyson, de 34 anos, disse aos policiais que, se tivesse problemas, isso “arruinaria o resto da minha vida”, de acordo com o relatório.
No dia seguinte, a empresa que sua família controla há 89 anos, a Tyson Foods, suspendeu Tyson como diretor financeiro. Não se sabe quando ou se ele retornará ao seu cargo na empresa, que emprega em torno de 140 mil pessoas e produz cerca de um em cada cinco quilos de frango e de carne bovina e suína vendidos nos EUA.
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Não foi sua primeira prisão. Tyson também esteve em uma prisão do condado em novembro de 2022 sob a acusação de invasão criminosa e intoxicação pública depois que uma mulher chamou a polícia quando o encontrou dormindo em sua cama em sua casa perto do campus da Universidade do Arkansas, em Fayetteville.
Tyson estava a caminho de um dia presidir a maior empresa frigorífica dos EUA. Semanas antes da prisão de 2022, ele havia sido nomeado diretor financeiro da Tyson Foods, a empresa de US$ 21 bilhões fundada por seu bisavô.
Dentro e fora da Tyson Foods, as pessoas viam John Randal Tyson como um membro mais gentil e menos turbulento da família fundadora. Ele era uma figura diferente de seu pai, o presidente do conselho de administração da empresa, John H. Tyson, visto como líder temperamental e explosivo.
O que os dois compartilhavam, porém, eram os problemas com álcool, que acompanharam os Tysons por décadas. John H. Tyson lutou contra o vício em cocaína e álcool na década de 1980 e falou em encontrar a sobriedade no início dos anos 1990. Seu pai, Don Tyson, era famoso no Arkansas por dar festas luxuosas, a certa altura comprando um hotel para essas ocasiões, e foi preso ao longo dos anos acusado de dirigir embriagado.
A história de quatro gerações de homens da Tyson destaca o futuro incerto da empresa com grande participação na dieta e na economia agrícola americanas. A Tyson Foods, com quase US$ 53 bilhões em vendas anuais, pode ficar sem um sucessor claro na família que a controla desde sua fundação.
A família exerce um grau incomum de controle na empresa, com 70% das ações com direito a voto, então o retorno pode não estar fora de questão para John Randal Tyson.
As questões de liderança surgem no momento em que a Tyson está tentando recuperar seu enorme negócio de frangos, com o velho dilema em questões como chocar pintinhos suficientes e enfrentar um excesso de oferta de frango. Desde o início do ano passado, a empresa disse que planeja fechar ou vender dez de suas fábricas nos EUA para cortar custos. Também antecipa anos de dificuldades em seu gigantesco negócio de carne bovina, dado o aumento do preço dos animais devido à redução da oferta.
A Tyson Foods não quis comentar para este artigo e nem disponibilizou qualquer membro da família para entrevistas, após inúmeras perguntas detalhadas ao longo de várias semanas. Após a prisão de John Randal em 2022, um porta-voz da empresa disse: “Continuamos focados na excelência operacional. Temos uma estratégia de crescimento disciplinada e uma equipe de liderança executiva forte e comprovada.”
“Crescer ou morrer”
Em 1931, John W. Tyson mudou-se para Springdale, no Arkansas, então uma pequena cidade a 32 quilômetros da futura sede do Walmart, em Bentonville. Em 1935, ele transportava galinhas do noroeste do Arkansas para mercados maiores no Meio-Oeste, como Chicago, St. Louis e Kansas City, no Missouri.
Sobrevivente da Grande Depressão, John W. relutava em assumir dívidas. No início, a empresa fornecia pintinhos e ração e também transportava frangos maduros para os clientes.
Seu filho, Don, nascido em 1930, começou na empresa recolhendo galinhas quando tinha 14 anos e ingressou oficialmente aos 22 anos como gerente geral. Ele tinha grandes ambições: em 1958, Don pressionou seu pai a desenvolver a primeira fábrica de processamento da Tyson, permitindo que a empresa abatesse 120 mil frangos semanalmente. Em 1967, Don teve que, de repente, começar a administrar a empresa, depois que um trem atingiu o carro de seu pai, matando-o.
A Tyson Foods cresceu e dominou a indústria da carne por meio da filosofia de negócios “crescer ou morrer” de Don. Ao contrário de seu pai, Don não se importava em contrair dívidas e usar os mercados públicos para impulsionar o crescimento. Ele abriu o capital da empresa em 1963 e cresceu por meio de aquisições.
A empresa ajudou a desenvolver o Chicken McNuggets do McDonald’s na década de 1980 e abasteceu os supermercados com carne de frango, sanduíches e nuggets frescos e congelados. Durante esse tempo, a dieta americana se voltou para o frango devido às crescentes preocupações com gordura e colesterol em outras carnes. O frango ultrapassou a carne de porco em consumo em 1986 e suplantou a carne bovina alguns anos depois.
Don sempre inovava, instalando um ticker de ações no refeitório da Tyson Foods para que os funcionários soubessem exatamente onde a empresa estava.
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Ele ia ao escritório com o uniforme cáqui usado pelos funcionários da linha de processamento da empresa — um visual que seus subordinados corporativos também adotaram. Projetou seu escritório para se parecer com o Salão Oval da Casa Branca, mas o chamava de Salão em forma de ovo. No final da década de 1980, a Tyson Foods era a maior processadora de frango do mundo, com instalações em vários países.
Don também gostava de se divertir. Chamado de “Daddy Don” por festeiros da região, ele e alguns amigos na década de 1960 administravam um hotel no centro de Fayetteville basicamente para dar festas. Sua carteira de motorista foi suspensa nessa época após prisões por dirigir embriagado, e novamente em 1987 pelo mesmo motivo.
Em suas festas, Don contava com músicos, figuras do esporte e políticos poderosos, incluindo o então governador do Arkansas e futuro presidente Bill Clinton, de acordo com registros judiciais e pessoas que o conheciam. Em 1993, deu uma festa de aniversário conjunta que incluiu músicos como B.B. King e Ronnie Milsap para os aniversários de seu filho e sua namorada — e para Don e seus amigos “ficarem bêbados”, afirmou seu filho em documentos judiciais relacionados a uma investigação de títulos do governo na década de 1990.
Nas transcrições do tribunal, John disse sobre seu pai, Don Tyson: “Meu pai é um cara de negócios sério e um bebedor sério. Ele faz as duas coisas bem”.
A P&G das carnes
Como seu pai, John começou cedo na empresa. Depois da faculdade de direito, seu pai o enviou para os pântanos da zona rural da Carolina do Norte para gerenciar uma das operações de porcos da Tyson, um trabalho que ele detestava, e mais tarde passou alguns anos vendendo partes de frango.
Contudo, durante a década de 1980, ele estava viciado em cocaína e álcool, um período que mais tarde descreveu como “nebuloso”, em depoimento no julgamento de corrupção de 1998 do ex-secretário da Agricultura dos EUA, Mike Espy, de acordo com uma transcrição. (O julgamento de Espy terminou em absolvição.)
“Em outra grande corporação, eu não teria permissão para voltar ao trabalho com base no meu comportamento passado”, disse ele, de acordo com as transcrições do tribunal.
John disse que bebeu pela última vez em 1990, mesmo ano em que seu filho nasceu. Na época, contou que levou anos para recuperar totalmente a confiança e a responsabilidade dentro da empresa.
Quando John assumiu o cargo de executivo-chefe em 2000, uma de suas primeiras grandes medidas foi gastar cerca de US$ 3 bilhões em uma empresa chamada Iowa Beef Processors, uma das maiores empresas de carne bovina e suína do país. Ele queria expandir a Tyson Foods para além do negócio de frango e estabilizar seus lucros — quando os preços do frango estavam ruins, a Tyson poderia ganhar dinheiro com filés ou bacon.
Em uma entrevista de 2001 ao Wall Street Journal, John Tyson disse que sonhava em transformar a empresa de sua família na “Procter & Gamble da carne”.
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Em sua administração, John conquistou a reputação de temperamental, às vezes gritando com executivos ou consultores. No Blessings Golf Club, que ele abriu em 2004 no noroeste do Arkansas, ele às vezes repreendia os membros por usarem chapéus na sede do clube.
A estratégia de John para fazer da Tyson a número um em todas as categorias de carnes embaladas e seu estilo de gestão irritava alguns executivos seniores da empresa. As tensões atingiram seu ápice no final de seu mandato, quando vários executivos exigiram que Don Tyson — o patriarca que permaneceu um dos principais membros do conselho da empresa controlada pela família — demitisse seu filho mais velho como CEO.
Don concordou. Amigos e ex-executivos dizem que a decisão foi difícil para ambos: Don descreveu a situação para os amigos como um dos dias mais difíceis de sua vida, e levou muito tempo até que John pudesse usar as calças cáqui da Tyson novamente. Após a morte de Don em 2011 por complicações de câncer de fígado, a empresa pertencia somente a John. Ele permaneceu como presidente da Tyson, e, sem a influência de seu pai, estava livre para moldá-la.
“O presidente”, como a maioria dos funcionários atualmente se refere ao titã da indústria da carne de 70 anos, é conhecido menos por seu know-how operacional e mais por suas grandes ideias. Cabe aos executivos que ele chama para seu escritório descobrir os detalhes de como executar suas ideias, como colocar mais produtos da marca Tyson nas prateleiras dos supermercados.
Nos anos desde a morte de Don, John aproximou seus dois filhos da empresa. John Randal e sua irmã, Olivia, participam das reuniões do conselho desde a adolescência. Isso fez com que se sentissem confortáveis com os líderes da empresa, explicou John H. Tyson em uma entrevista de 2020 à empresa de busca de executivos N2Growth.
O Tyson mais velho disse que seus filhos poderiam servir no conselho da empresa, trabalhar na Tyson Foods por alguns anos para serem membros do conselho mais experientes ou tentar vencer o que ele descreveu como a “corrida” para ser o CEO.
O CFO de 32 anos
A relação entre John e John Randal ficou tensa depois que John se divorciou da mãe de seus filhos no final dos anos 1990, quando as crianças estavam no ensino fundamental. Nos anos que se seguiram, John Randal se destacou no ensino médio em Springdale, obtendo uma média de 4,1 pontos e uma pontuação ACT de 33 (de um máximo de 36), de acordo com um artigo de 2008 sobre ele no jornal “Arkansas Democrat-Gazette”.
No anuário do ensino médio, ele afirmou que se via como senador um dia e esperava jogar basquete em uma das universidades de elite.
Ex-colegas de classe o descreveram como um garoto popular: inteligente, atleta e um excelente cantor, e às vezes um tanto palhaço. Certa vez, pegou um jato da empresa na volta de um torneio de basquete do ensino médio para fazer um teste de admissão para a faculdade no mesmo fim de semana, eles lembraram.
Como estudante de graduação na Universidade de Harvard, John Randal e dois outros colegas ganharam um prêmio culinário por um coquetel de rum e Coca-Cola sem líquido. Ele obteve um MBA pela Escola de Administração de Stanford em 2018.
Depois de se formar, trabalhou em bancos de investimento, private equity e capital de risco, inclusive no JPMorgan em Nova York.
John Randal ingressou na Tyson aos 29 anos como diretor de sustentabilidade em 2019. Na época, dizia querer se tornar o presidente da empresa, não o CEO. Ele ajudou a liderar um esforço em sua função de sustentabilidade para garantir US$ 61 milhões em financiamento do Departamento de Agricultura americano por um projeto para reduzir as emissões de carbono na produção de carne bovina e ração animal.
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John e John Randal se aproximaram, às vezes vistos juntos na quadra em jogos de basquete da Universidade do Arkansas. Pessoas familiarizadas com a empresa dizem que John Randal é um dos poucos que consegue desafiar abertamente seu pai sobre ideias de negócios.
Enquanto isso, a Tyson Foods passou por um elenco rotativo de líderes, com cinco CEOs diferentes entre 2016 e 2021. Os executivos são conhecidos por cair rapidamente em desgraça com o presidente, John H. Tyson.
Desde 2021, a Tyson é administrada por Donnie King, veterano das operações de frango da empresa, que se comprometeu a permanecer no cargo de CEO por cinco anos.
Em meados de 2022, a Tyson Foods substituiu muitos de seus principais executivos e fechou escritórios na Dakota do Sul e em Chicago, levando a demissões generalizadas de funcionários de suas operações de carne bovina, suína e alimentos preparados. Mais recentemente, a empresa fechou ou vendeu várias fábricas de processamento, melhorando a lucratividade de seu negócio de frango. A revisão da gestão incluiu John Randal, então com 32 anos, passando de diretor de sustentabilidade a CFO — o mais jovem em uma empresa da Fortune 500. Ele foi preso cerca de um mês depois.
Outra prisão
Nas semanas e meses após a prisão de John Randal em 2022 em Fayetteville, ele e a empresa tentaram seguir em frente. Ele apresentou os ganhos trimestrais da Tyson em uma teleconferência com investidores e pediu desculpas por seu comportamento uma semana depois de ser preso.
“Eu só queria que vocês ouvissem isso diretamente de mim e soubessem que estou comprometido em garantir que isso nunca aconteça novamente”, disse ele na ligação.
Em dezembro, participou da festa de Natal da empresa. Em janeiro seguinte, se declarou culpado de intoxicação pública e acusações de invasão e pagou uma multa de US$ 440, de acordo com autoridades municipais. Ele ainda era amplamente visto como o herdeiro aparente da cadeira de presidente de seu pai e, mais recentemente, como possível candidato a CEO no futuro.
Alguns na indústria sentiam que o membro da quarta geração da família estava se destacando e ele era muito querido dentro da empresa, conhecido por ser atencioso e gentil. Sua prisão em 2022 não parecia algo característico. O conselho da Tyson Foods não estava ciente de nenhum envolvimento com substâncias ilegais quando ele foi contratado em 2019, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.
Na verdade, John Randal teve pelo menos duas prisões anteriores relacionadas ao álcool, ambas em 2010, durante seus anos de faculdade. Ele havia sido preso em Tinley Park, em Illinois, por beber antes da idade permitida, usando um documento que não era dele, e novamente por intoxicação pública, de acordo com registros policiais e judiciais.
Esses problemas se tornaram inevitáveis após a prisão de John Randal em junho, quando as autoridades disseram que seu nível de álcool no sangue era de 0,19. No dia seguinte, a empresa disse que ele havia sido imediatamente suspenso de suas funções e que Curt Calaway, executivo financeiro sênior da Tyson e veterano da empresa, assumiria o cargo de CFO interino.
A empresa não comentou sobre a duração da suspensão ou o futuro de John Randal lá.
“Bons e maus momentos”
Antes de sua última prisão, quando John Randal ainda parecia o provável sucessor, o jovem foi o centro das atenções em um evento de funcionários em fevereiro. Ele delineou a estratégia de negócios da empresa e entrevistou o ex-técnico de basquete masculino da Universidade do Arkansas, Eric Musselman, sobre lições de liderança e como lidar com notícias negativas.
Quando o evento estava terminando, John Randal se juntou a seu pai, sua irmã e King, o CEO, no palco.
“Nos bons e nos maus momentos”, disse King, “a família Tyson sempre esteve presente”.
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traduzido do inglês por investnews