Do voo de cruzeiro à turbulência: como a Airbus se complicou em 2024
Maior fabricante de jatos do mundo passou por um revés frustrante, pois havia apostado que conseguiria capitalizar o aumento da demanda pós-pandemia
Quando Christian Scherer assumiu a direção da divisão de aeronaves comerciais da Airbus no início do ano, a missão parecia simples e certeira.
A empresa havia acabado de quebrar seu recorde de pedidos anuais, as companhias aéreas queriam ainda mais jatos e a produção estava aumentando. Sua única rival significativa, a Boeing, enfrentava uma crise nova e crescente, depois que uma porta lateral de um 737 apresentou defeito em pleno voo.
Desde então, a Airbus vem enfrentando atrasos, o que levou a empresa a cortar sua orientação de entrega anual e adiar uma meta de produção há muito anunciada. Os pedidos durante o primeiro semestre do ano foram menos de um terço do registrado no mesmo período de 2023, e as ações da empresa caíram mais de 20% desde que atingiram um recorde em março.
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A maior fabricante de jatos do mundo passou por um revés frustrante, pois havia apostado que, neste ano, conseguiria capitalizar o aumento da demanda pós-pandemia. Em vez disso, a Airbus está atolada em problemas na cadeia de suprimentos.
“Achei que estaríamos indo melhor”, disse em uma entrevista Scherer, que há anos se concentra em aumentar a produção. “Há todo o futuro para preparar, mas agora também há o presente para gerenciar, muito mais do que pensávamos.”
A Airbus declarou no final do mês passado que foi pega de surpresa por alguns dos novos atrasos, que incluem motores, trens de pouso, assentos e banheiros, todos com a produção atrasada. Esses componentes devem chegar bem a tempo de a empresa instalá-los em jatos recém-construídos, limitando sua capacidade de reagir a obstáculos de última hora.
Separadamente, na sexta-feira, um avião de 14 anos fabricado pela joint venture da Airbus com a italiana Leonardo caiu no Brasil, matando todas as 62 pessoas a bordo. As autoridades estão investigando a causa do acidente. Especialistas em aviação mencionaram a possibilidade de acúmulo de gelo nas asas do avião.
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Os desafios da empresa surgem no momento em que a Boeing tenta superar suas dificuldades com o novo CEO, Robert Kelly Ortberg. Ortberg é bem versado na cadeia de suprimentos aeroespacial, tendo passado grande parte de sua carreira administrando a antecessora da RTX, uma das maiores fornecedoras da Boeing e da Airbus.
“A Boeing nunca será um concorrente mais fraco do que era no início deste ano”, disse Sash Tusa, analista da Agency Partners.
Os próximos anos podem ser críticos para a mudança do equilíbrio de poder entre a Boeing e a Airbus, agora que a indústria busca uma nova geração de programas de aeronaves, que normalmente custam bilhões de dólares para serem desenvolvidos. A Airbus, que está com cerca de US$ 9 bilhões em caixa, tem uma grande vantagem, com a dívida total da Boeing atingindo quase US$ 58 bilhões em sua última atualização.
Project Lead
Grande parte da indústria da aviação está sendo prejudicada por atrasos, com as companhias aéreas reclamando de esperas de meses por aeronaves da Airbus e da Boeing. As fabricantes de aviões e suas fornecedoras têm lutado com a perda de trabalhadores experientes que saíram durante a pandemia e que tiveram que ser substituídos por pessoal inexperiente.
“Você precisa treinar essas pessoas, precisa treiná-las novamente, precisa verificar o trabalho delas. É um esforço extra”, explicou Scherer. Na Airbus, o nível de antiguidade necessário para um funcionário assumir um trabalho foi aumentado para mitigar o risco.
A fabricante europeia de aviões lançou um programa interno chamado Project Lead para concentrar as equipes nos desafios da cadeia de suprimentos e cortar alguns de seus próprios projetos paralelos menores que possam desviar a atenção do objetivo principal de aumentar a produção.
A Airbus também aumentou o número de funcionários que trabalham nas fábricas de seus maiores fornecedores para ajudar a lidar com gargalos e acompanhar o progresso, incluindo a francesa Safran, Honeywell, Pratt & Whitney e CFM International. A CFM é uma joint venture entre a Safran e a GE Aerospace.
Embora as chamadas equipes de planos de melhoria conjunta não signifiquem necessariamente que a Airbus receberá a tempo as peças das quais precisa, a empresa diz que está ajudando a aumentar a transparência e a cooperação.
Scherer afirmou não saber quanto tempo levará para a indústria superar esses últimos atrasos. A Airbus indicou que pode não obter todas as peças necessárias para cumprir as metas de final de ano.
“Esta é uma questão que será prolongada — três anos, quatro anos, cinco anos, talvez dez anos, não sei”, disse József Váradi, CEO da Wizz Air, operadora totalmente Airbus que pretendia dobrar sua frota para 500 aeronaves até 2030. Agora, a data foi adiada para 2032.
Váradi disse que espera receber uma compensação da Airbus por cada aeronave atrasada.
“Já dizíamos isso”
As dificuldades da cadeia de suprimentos da Airbus são frustrantes para Scherer, que ingressou na empresa em 1984 e que, por cinco anos, liderou sua equipe de vendas como diretor comercial.
Scherer passou grande parte da pandemia tentando convencer os maiores fornecedores da Airbus de que precisavam estar prontos para uma inevitável disputa por aeronaves quando os passageiros voltassem a voar. Eles não lhe deram ouvidos, disse ele.
“Estou desapontado”, garantiu Scherer. “Já dizíamos isso: ‘Pessoal, aqui está a curva’. O fato de que alguns dos maiores e melhores atores desta indústria questionem esse fato é decepcionante.”
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Quando a Covid-19 dizimava as viagens aéreas, a Airbus pressionou as companhias aéreas a aceitarem aeronaves que não queriam, para que pudesse manter a produção em alta, visando se recuperar rapidamente assim que a demanda se recuperasse.
Em 2021, a Airbus anunciou planos de levar a produção do A320neo, rival direto do 737 MAX da Boeing, de volta aos níveis anteriores à pandemia em 2023 e passar para uma taxa de 75 por mês até 2025. Essa produção seria a mais alta de todos os tempos para um avião comercial e ajudaria a ampliar a liderança de participação de mercado da empresa sobre sua rival americana.
Em janeiro deste ano, a Airbus disse que sua carteira de pedidos havia chegado a um recorde de 8.598 aeronaves em 2023 e que seu A320 estava esgotado até o início da próxima década. A empresa revelou que recusou alguns clientes por causa da falta de disponibilidade.
Antes deste ano, a Airbus teve dificuldade de entregar os pedidos com a rapidez que desejava, em parte por causa de seus próprios desafios de fabricação. No início de 2024, a empresa confiava que sua produção estava em uma base mais firme, até ser atingida pelos recentes problemas de fornecimento.
Em junho, a Airbus adiou pela segunda vez a meta de 75 por mês, com a empresa agora esperando atingir esse número em 2027. Além disso, reduziu os planos de produção para este ano de cerca de 800 entregas de aeronaves para 770. Esse número se compara aos 735 entregues em 2023.
“Nossa trajetória é ambiciosa”, afirmou Scherer. “Estamos prontos, mas nossa cadeia de suprimentos não. Temos que colocar a cadeia de suprimentos em forma.”
Escreva para Benjamin Katz em [email protected]
traduzido do inglês por investnews