Clínicas de testosterona vendem virilidade, mas alguns homens recebem infertilidade
Os promotores do crescente negócio de esteroides vendem um melhor desempenho na academia e na cama, mas poucos falam sobre os possíveis efeitos colaterais
Num shopping center em Delray Beach, na Flórida, uma equipe de vendas oferece uma fonte da juventude — Botox para a pele, medicamentos para perda de peso e, um dos mais vendidos, esteroides para homens em busca de virilidade.
Os consultórios médicos normalmente não vendem medicamentos aos pacientes. Mas a Biostation está entre as centenas de clínicas online e lojas físicas nos EUA que lucram com um negócio em expansão: a terapia de reposição de testosterona, conhecida como TRT.
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A testosterona, esteroide que fortalece os músculos e aumenta a libido, tem sido tradicionalmente reservada para os homens que não conseguem produzir o hormônio em quantidade suficiente, uma condição médica chamada hipogonadismo. O tratamento agora é frequentemente procurado por homens saudáveis, muitos na faixa dos 30 e 40 anos, para superar a obesidade, a disfunção erétil ou o declínio hormonal normal relacionado à idade.
O rei do podcast Joe Rogan e a estrela de ação Alan Ritchson revelaram que tomaram testosterona. O ex-candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr disse o mesmo. No ano passado, aos 70 anos, ele postou um vídeo de si mesmo exibindo um físico impressionante. Elon Musk foi um pouco mais longe na semana passada, retuitando um post que dizia que “homens com T baixo” não conseguem pensar por si mesmos, e “machos alfa com T alto” são os melhores tomadores de decisão em uma democracia.
O palestrante motivacional Tony Robbins investiu em um serviço de telemedicina para prescrever testosterona e tem feito a divulgação do esteroide no Instagram. A Vitamin Shoppe, uma grande rede de lojas de suplementos, uma rede anunciou recentemente que seu serviço de telessaúde também oferecerá prescrições de testosterona.
Os homens geralmente pagam de US$ 1.200 a US$ 2.600 por ano pelo tratamento com testosterona, que aparece em anúncios online como um meio de melhorar o desempenho na academia e na cama.
“Os homens topam de tudo para conseguir mulheres. Agora nós injetamos testosterona”, disse David Pivovarov, ex-paciente da Biostation que adicionou quase sete quilos de massa muscular ao seu corpo de 1,73 m e reduziu seu percentual de gordura corporal em um terço com o tratamento.
Andando sem camisa pela praia, Pivovarov disse: “Eu me senti como se tivesse mais de dois metros de altura”.
As prescrições de cipionato de testosterona, forma genérica comumente vendida pelas clínicas, aumentaram oito vezes desde 2010. Contando com os produtos de marca, o número total de prescrições de testosterona está em um nível recorde, de acordo com o monitor de prescrições Iqvia.
Alguns homens adoram o tratamento. Outros sofrem seus efeitos colaterais. A publicidade da testosterona raramente menciona o risco de surgimento de seios masculinos, encolhimento de testículos, coágulos sanguíneos e infertilidade.
Ironicamente, a virilidade induzida artificialmente pela testosterona pode zerar a contagem de espermatozoides de um homem. Os médicos de fertilidade relatam um aumento no número de casais que não conseguem conceber porque o homem está tomando o hormônio, o que reduz a quantidade de testosterona natural produzida pelo corpo.
“Certamente, nos últimos cinco anos, o número de pessoas tomando testosterona disparou”, disse Barrett Cowan, urologista reprodutivo da Posterity Health, no Colorado. Muitos tendem a presumir que a infertilidade é um problema feminino, disse ele. “Geralmente é uma questão masculina.”
Interromper o uso da droga pode significar semanas de fadiga e depressão enquanto o corpo reinicia a produção.
Homens que param o tratamento também podem perder sua forma física. Alguns dizem que preferem usar um doador de esperma do que parar de tomar testosterona, disse Paul Shin, urologista reprodutivo em Washington, D.C. Os benefícios físicos da droga, disse ele, são mais importantes para eles do que “a necessidade de um herdeiro”.
As clínicas de testosterona dizem que os médicos que praticam a medicina tradicional são muito conservadores na prescrição do hormônio e que os homens podem se beneficiar do aumento dos níveis de testosterona, passando dos níveis normais para o que os médicos das clínicas afirmam ser “o ideal”.
As doses prescritas pelas clínicas são mais baixas do que as dos esteroides tomados por fisiculturistas competitivos, cujos músculos incham em proporções assustadoramente grandes. O governo federal classifica a testosterona como uma substância controlada, ao lado da codeína e da cetamina, devido a seu potencial de abuso.
A Biostation, fundada em 2013, foi pioneira no tratamento com testosterona e já atendeu milhares de pacientes. A empresa treinou vendedores para dizer aos pacientes que não havia efeitos colaterais do tratamento com o esteroide.
Os pacientes “devem ter APENAS um impacto positivo, sem efeitos colaterais negativos”, de acordo com um manual de vendas revisado pelo Wall Street Journal.
A Biostation não respondeu a perguntas sobre por que a equipe de vendas discute questões médicas ou diz que o tratamento com testosterona não tem efeitos colaterais.
Este relato das práticas da Biostation é baseado em entrevistas com mais de uma dúzia de pessoas que já trabalharam ou ainda trabalham por lá, além de parceiros comercias da empresa e também em arquivos e documentos internos.
Keith Foulis, cofundador e “diretor de experiência” da Biostation, disse que a clínica testa os pacientes antes de prescrever medicamentos, e os monitora de perto durante o tratamento. Ele mesmo toma testosterona e disse que isso o ajudou.
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Foulis distribui listas de possíveis clientes e estimula sua equipe a aumentar as vendas usando telefonemas e e-mails para convencer os homens a fazerem exames de sangue e a passarem por consultas médicas. Em uma quarta-feira de maio, um quadro branco na sede da empresa mostrava a “Meta de Receita Diária” de US$ 75 mil, além de uma lista de “indicadores de desempenho”, como “converter possíveis clientes em pacientes”.
Com nove endereços na Flórida, em geral muito bem decorados, a Biostation fatura mais de US$ 10 milhões em vendas anuais. A terapia de reposição hormonal é o best-seller da empresa — testosterona para homens e, para mulheres, estrogênio, progesterona e também testosterona.
A empresa disse que prescreve testosterona apenas nos casos em que o tratamento é apropriado, um padrão que inclui homens que não se qualificariam de acordo com as diretrizes médicas típicas.
“Nossa regra número um é primeiro a medicina e depois o dinheiro”, disse Foulis. “Não estamos aqui para lesar ninguém.”
A maioria dos homens que vêm à Biostation em busca de testosterona sai com uma receita médica, disse o Dr. Martin Bloom, que deixou uma clínica de cardiologia para se tornar o médico sênior da empresa. O cofundador e CEO, Ross Bloom, que abandonou a faculdade e é ex-corretor de hipotecas, é filho de Bloom. Ele não respondeu os pedidos de comentários.
Os médicos tradicionais não apreciam os benefícios do tratamento com testosterona, disse o Dr. Bloom. “A maioria dos médicos acha que sou um charlatão, que isso é uma fraude”, continuou ele. “Mas não é.”
Sem alegria
Em 2022, Pivovarov tinha 38 anos e já era musculoso por causa do levantamento de peso quando entrou no escritório da Biostation em Miami e reclamou de fadiga.
Os exames de sangue mostraram que seus níveis de testosterona estavam acima da média, contou ele, mas a clínica prescreveu frascos de testosterona para que ele mesmo injetasse. Ele disse que se sentiu ótimo no primeiro mês. As injeções aumentaram sua energia, melhoraram seus treinos e recarregaram sua libido.
Em seguida, surgiram os efeitos colaterais: insônia, ansiedade, acne e pressão arterial mais alta. Ele disse que também perdeu toda a sensibilidade durante o sexo.
Pivovarov começou a levantar pesos quando uma paixão do ensino médio disse que ele era muito magricela para ela. Enquanto tomava testosterona, contou ele, atraía mulheres, mas o sexo não era bom.
Ainda assim, as injeções deram a Pivovarov tanta energia e musculatura que ele continuou tomando o hormônio por um ano, tentando outros medicamentos para aliviar os efeitos colaterais.
Seu clínico da Biostation, um enfermeiro, sugeriu que ele mudasse de injeções para um implante de testosterona, que vai liberando o hormônio ao longo de alguns meses. Os implantes custam centenas de dólares. Pivovarov disse ter tido a sensação de estar lidando com um vendedor de carros usados e recusou.
“Achei que ficaria como o Sylvester Stallone nos meus 40 anos, mas tinha todo tipo de problemas”, disse ele. “Cheguei à conclusão de que é por isso que a maioria dos médicos não mexe com esse tipo de tratamento.”
No final do ano passado, ele parou o tratamento.
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Pivovarov contou que nunca foi alertado sobre os efeitos colaterais, e seus registros médicos da Biostation não incluem as reclamações que ele fez.
O Dr. Bloom disse que discute os efeitos colaterais com os pacientes e prescreve medicamentos para controlá-los. Prescrever testosterona, disse ele, é uma “arte, não ciência pura”. Foulis se recusou a discutir o caso de Pivovarov, citando regras de confidencialidade.
A Biostation consegue suas listas de possíveis pacientes a partir de indicações de quem já é cliente e também através de buscas no Google feitas por homens interessados.
As consultas clínicas começam com um exame de sangue de US$ 499 e uma conversa com um médico que faz as prescrições. Os homens seguem então para os vendedores, os chamados defensores dos pacientes, que ganham comissões. A testosterona é uma fonte confiável de renda porque é um tratamento contínuo.
Foulis disse ao WSJ que a empresa não paga mais comissões de vendas, apenas bônus, e não emprega mais defensores de pacientes – descritos por ex-funcionários como vendedores. Apesar disso, cinco pessoas que atualmente trabalham na Biostation definem seus cargos como no LinkedIn como “defensores de pacientes”. O site da empresa até diz que os clientes são direcionados a um desses funcionários.
A Biostation vende medicamentos diretamente, ao contrário dos consultórios médicos, que normalmente fornecem prescrições para os pacientes levarem à farmácia.
Dr. Bloom, coproprietário da Biostation, disse que não tem incentivo financeiro para prescrever testosterona. “Nunca fui rico o suficiente para praticar medicina apenas por diversão”, disse ele. “Como todo mundo, tenho que ganhar a vida e pagar as minhas contas.”’
Ele estimou que nega prescrições do esteroide para cerca de 10% a 15% dos homens que o procuram, incluindo aqueles com menos de 35 anos, os que tem a saúde comprometida e os que aparentam ser fisiculturistas.
“Você está triste”
As imagens de atores musculosos nos filmes de super-heróis e de influenciadores nas redes sociais são quase impossíveis de serem alcançadas sem o tratamento com esteroides, dizem os médicos. Esse “visual de He-Man” aumentou as expectativas dos homens americanos em relação a sua própria aparência.
Esse foco moderno na imagem corporal masculina surgiu na década de 1980, disse Skip Pope, professor de psiquiatria da Escola de Medicina de Harvard. Ele identificou uma condição chamada dismorfia muscular que descreve homens que estão patologicamente preocupados em aumentar sua massa muscular.
O tratamento com testosterona chamou atenção popular há uma década, quando a empresa farmacêutica AbbVie, que buscava aumentar as vendas de seu gel de testosterona AndroGel, fez anúncios no site IsItLowT.com. O site oferecia um questionário com dez perguntas e encorajava os homens a falar com seu médico sobre testosterona para tratar problemas comuns relacionados à idade como menor energia, diminuição do desejo sexual e perda muscular.
Muitas clínicas de testosterona agora usam o questionário para avaliar os sintomas: Você está triste e/ou mal-humorado? Você sente falta de energia? Você dorme depois do jantar?
John Morley, professor aposentado de gerontologia no Centro Médico St. Louis, contou que há 20 anos passou alguns minutos sentado no vaso sanitário elaborando as perguntas. Morley disse que os médicos em busca de lucro usaram seu questionário para prescrever o hormônio de forma inadequada.
Várias empresas farmacêuticas abandonaram o mercado de testosterona, afugentadas por fabricantes de medicamentos genéricos e por ações coletivas que falavam em ataques cardíacos, derrames e outros problemas médicos associados a tratamentos hormonais.
Isso abriu espaço para as clínicas de saúde masculina.
Depois de ver um aumento no número de homens reclamando de infertilidade após receberem testosterona em uma clínica, Justin Dubin, urologista do Memorial Healthcare System, no sul da Flórida, se passou por um paciente para ver se as clínicas lhe dariam uma receita do esteroide.
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Ele disse que tinha 34 anos e queria ter outro filho. Seus níveis de testosterona estavam acima do normal, mas seis das sete clínicas online que ele contatou nos Estados Unidos prescreveram testosterona quando ele pediu. Dubin afirma ter ficado chocado e desapontado.
Quando os médicos dão conselhos inadequados, “isso mina a credibilidade do sistema”, disse Dubin. “No fim das contas, é o paciente quem sofre.”
Sete meses depois de parar de tomar testosterona, Pivovarov disse que ainda não havia recuperado a função sexual normal. Ele encontrou um médico em outra clínica para prescrever um esteroide anabolizante diferente, que Pivovarov disse ter aliviado os efeitos colaterais persistentes.
Aos 40 anos, Pivovarov garante que nunca se sentiu tão enérgico e musculoso como agora. Seu novo regime custa cerca de US$ 200 por mês, oferece um risco de longo prazo de complicações cardíacas e tem outro problema.
“Estou achando que preciso manter isso para o resto da vida”, disse ele.
Escreva para Rolfe Winkler em [email protected]
traduzido do inglês por investnews