Touchscreen é coisa do passado. Até a Apple está trazendo os botões de volta
Designers de produto passam a valorizar a sensação tátil dos usuários, depois de anos empurrando telas planas
A tirania das touchscreens pode estar chegando ao fim.
Empresas passaram quase duas décadas adicionando cada vez mais funções às telas sensíveis ao toque. Agora, botões, alavancas e controles deslizantes começam a voltar a veículos, eletrodomésticos e dispositivos eletrônicos pessoais.
Nos carros, o ultraminimalismo do painel de controle touch screen da Tesla, amplamente copiado, começa a dar lugar a botões e alavancas reais em novos modelos da Kia, da Volkswagen, da BMW e outras. Essa tendência agrada aos analistas e faz com que o painel da Tesla e seus imitadores pareçam ultrapassados.
O retorno aos botões ocorre em tudo, de e-readers a fogões de indução.
Talvez o maior destaque nesse boom dos botões seja a empresa que primeiro nos levou às telas sensíveis ao toque. A Apple adicionou um terceiro botão, batizado de “botão de ação”, à toda a linha dos novos iPhone 16 revelada em setembro, depois de introduzir o recurso nos iPhones Pro e no Apple Watch Ultra nos últimos dois anos. Adotou também uma entrada de “controle de câmera” semelhante a um botão na lateral do iPhone.
Como mostra a Apple, as empresas não estão apenas redescobrindo os botões. Estão reimaginando esses dispositivos. O controle de câmera inclui recursos de toque, e a empresa também desenvolveu o “sensor de força”, que faz os AirPods responderem quando você os aperta.
Engenheiros e designers industriais — muitas vezes incentivados por reclamações de usuários — se aproveitam de nosso sentido do tato e de nossa consciência espacial, conhecida como propriocepção. Tudo isso visando garantir que o uso dos dispositivos seja mais fácil, divertido e seguro. Queremos acionar controles sem desviar os olhos da estrada.
Por que os botões se tornaram sensores
Para entender por que os botões estão voltando em um mundo em que qualquer tipo de controle é possível, convém compreender como chegamos ao estado atual, muitas vezes lamentável, das interfaces homem-máquina.
As telas sensíveis ao toque têm suas vantagens, o que explica o entusiasmo inicial por elas. Podemos fazer muito mais tocando no iPhone do que jamais faríamos com o velho BlackBerry, por mais que sintamos falta daquele tecladinho.
Porém, conforme o aumento da produção foi reduzindo o custo dessas telas, elas se tornaram uma espécie de muleta para designers de dispositivos e equipes financeiras corporativas.
“Agora que essas telas são a opção mais barata, estão sendo adotadas por todos os lados, mesmo em lugares estranhos”, diz Sam Calisch, CEO da Copper, startup que fabrica fogões de indução. Em fogões e fornos elétricos, isso gerou decisões de design ruins — por exemplo, cooktops de indução com controles baseados em toque, que param de funcionar quando o conteúdo de uma panela transborda, situação que minha colega do Wall Street Journal, Nicole Nguyen, vivenciou no ano passado.
Mesmo quando os dispositivos têm botões, eles são muitas vezes do tipo plano, como as telas, e apresentam deficiências semelhantes. Os botões capacitivos estão nivelados à superfície e não cedem quando você os pressiona; portanto, só conseguem sinalizar que foram ativados por meio de som ou luz. Estes dois são usados porque são baratos e fáceis de incorporar à placa de circuito que já está presente nos dispositivos, enquanto o uso de interruptores físicos significa conexão e complexidade adicionais, explica Calisch.
Qualquer um que tenha conhecido a agonia de ter que apertar um botão capacitivo em uma máquina de lavar mais nova sabe como essas medidas de corte de custos — disfarçadas de interfaces futuristas — podem ser irritantes.
Os perigos das interfaces touch
O problema com as interfaces de toque é que elas não se baseiam no toque – precisam que olhemos para elas durante o uso. Pense, por exemplo, na tela do seu smartphone, que exige atenção quando você toca sua superfície.
Como resultado, “tela sensível ao toque” é um nome impróprio, diz Rachel Plotnick, professora associada de cinema e estudos de mídia na Universidade Bloomington de Indiana e autora do livro “Power Button” [sem versão em português], que conta a história dos botões. Essa interface seria melhor descrita como “baseada na visão”, diz ela.
Os perigos de incluir muitos controles de um veículo em menus de tela sensível ao toque, que exigem que os motoristas olhem para eles, são tão óbvios que o órgão europeu de segurança automotiva declarou que os veículos devem ter interruptores e botões físicos para receber a classificação mais alta de segurança. Respondendo às críticas dos motoristas, a Volkswagen prometeu trazer de volta os controles físicos para certos recursos usados com maior frequência, como o controle do ar condicionado.
Os veículos elétricos mais recentes da Mini, subsidiária da BMW, estão repletos de controles físicos. Para que os motoristas nunca precisem tirar os olhos da estrada, os designers industriais da Mini adotaram um display cuja altura pode ser personalizada pelo motorista. Ele é navegável através de botões e também de um dispositivo de rolagem no volante, diz Patrick McKenna, chefe de produto e marketing da Mini nos EUA. Esses controles também podem ser acessados por meio da tela sensível ao toque do veículo e por um assistente de voz. O objetivo das interfaces é a redundância, a segurança e a redução de distrações, acrescenta ele.
Botões satisfatórios e teclados clicáveis
Em muitos aspectos, a volta às interfaces físicas também é uma mudança de estilo. Com a onipresença das telas sensíveis ao toque, o que antes era visto como luxo vai se tornando brega. Os controles físicos bem feitos evidenciam agora a consideração e a exclusividade outrora vinculadas ao iPhone original.
Por exemplo, os botões do fogão de indução da Copper. Feitos de nogueira, eles informam ao cozinheiro o nível de calor configurado a uma determinada boca do fogão — assim como botões físicos em um fogão a gás. Isso é deliberado, diz Calisch, que admite já ter colocado sensores de toque capacitivo em outros eletrônicos que projetou.
Os controles físicos são eficazes em parte por causa do nosso sexto sentido, conhecido como propriocepção. Diferente do sentido do tato, a propriocepção é a consciência inata da localização de partes do nosso corpo. Ela é a razão pela qual sabemos a posição de todos os nossos membros no espaço tridimensional, até a posição exata da ponta dos dedos.
Produzir boas interfaces físicas não é algo relacionado apenas com a utilidade de envolver nosso sentido do tato; o retorno do botão também tem a ver com a alegria. Pense no toque satisfatório do botão de volume em um aparelho de som de alta fidelidade, ou na maneira em que um teclado ergonômico adequado pode fazer com que a digitação pareça mais simples.
Um bom exemplo dessa sensação é a manivela na lateral do sistema de videogame portátil Playdate, que também inclui um controle em forma de um sinal de “mais” e dois botões. A adoção de um controle que funciona como uma manivela antiga em um dispositivo parecido com o Gameboy original pode ser vista como “charme”, mas também introduz novas mecânicas de jogo que seriam complicadas ou impossíveis em outros dispositivos, afirma Greg Maletic, diretor de projetos especiais da Panic, empresa que fabrica o Playdate.
Fabricantes de instrumentos musicais sempre compreenderam a importância dos controles físicos. A Teenage Engineering, empresa sueca de eletrônicos de consumo com a qual a Panic fez parceria para produzir o Playdate, fabrica uma variedade de sintetizadores com inúmeros botões, controles deslizantes e alavancas.
A volta dos controles físicos a um dispositivo em que antes estavam ausentes pode, de fato, desbloquear novos tipos de interação e utilidade.
Os e-readers começaram a adotar botões para virar a página. Embora a Amazon os tenha abandonado em seus Kindles, concorrentes da Kobo, Nook e Boox agora oferecem modelos que os incluem.
Da mesma forma, a Apple — cujo lançamento do iPhone em 2007 inaugurou uma era de tela sensível ao toque — está retomando uma variedade surpreendente de botões em dispositivos que antes pareciam seguir uma trajetória oposta.
A empresa restaurou as teclas de função física no topo dos teclados de seus computadores MacBook Pro em 2021, depois de substituí-las com muito alarde em 2016 por uma faixa de tela sensível ao toque chamada de Touch Bar. A Apple afirmou que a volta dos botões restaurou “a sensação familiar e tátil das teclas mecânicas que os usuários profissionais adoram”.
O esforço de trazer as interfaces de volta ao mundo físico gerou um trabalho paralelo inesperado para a dra. Plotnick, a autoridade acadêmica em botões. As empresas a procuram em busca de consultoria sobre como melhorar seus controles físicos. Essas consultas — que incluem aconselhamento sobre a função de botões potencialmente salvadores de vidas em dispositivos médicos — visam tornar as interações com máquinas menos intimidantes e mais intuitivas.
Ela diz: “Sabe como é, muitas vezes é preciso muita habilidade para apertar botões — mesmo que pareça a coisa mais simples do mundo”.
Escreva para Christopher Mims em [email protected]
traduzido do inglês por investnews