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Empenho mundial para reverter a falta de bebês não está funcionando

Subsídio de minivans, isenções no Imposto de Renda… Vários países criaram benefícios para incentivar o surgimento de famílias grandes, sem sucesso

Por Chelsey Dulaney The wall street Journal
Publicado em
12 min
traduzido do inglês por investnews

Imagine se ter filhos propiciasse mais de US$ 150 mil em empréstimos a juros baixos, uma minivan subsidiada e isenção vitalícia do IR.

As pessoas teriam mais filhos? A resposta aparentemente é não.

Esses são alguns dos benefícios — além de creches baratas, férias extras e tratamentos de fertilidade gratuitos — oferecidos aos pais em diferentes partes da Europa, região na vanguarda da escassez mundial de bebês. A população europeia encolheu durante a pandemia e está a caminho de diminuir cerca de 40 milhões até 2050, de acordo com estatísticas das Nações Unidas.

As taxas de natalidade vêm caindo em todo o mundo desenvolvido desde a década de 1960. Mas o declínio atingiu a Europa com mais força e mais rápido do que os demógrafos esperavam. 

Reverter o declínio das taxas de natalidade se tornou uma prioridade nacional de governos em todo o mundo, inclusive na China e na Rússia, onde Vladimir Putin declarou 2024 “o ano da família”. Nos EUA, Kamala Harris e Donald Trump se comprometeram a repensar as políticas familiares. Kamala quer oferecer um bônus-bebê de US$ 6 mil. Trump mencionou a fertilização in vitro gratuita e deduções fiscais para os pais.

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A Europa e outras economias demograficamente afetadas na Ásia, como a Coreia do Sul e Singapura, tentam combater a situação com generosos benefícios parentais por uma geração. No entanto, a queda da fertilidade persistiu em quase todas as faixas etárias, de renda e níveis de educação. Quem tem muitos filhos costuma dizer que os teria mesmo sem os benefícios. Quem não tem diz que os benefícios não são atraentes o bastante.

Dois países europeus dedicam mais recursos às famílias do que quase qualquer outra nação: Hungria e Noruega. Apesar de seus programas, as taxas de fertilidade são de 1,5 e 1,4 filhos para cada mulher, respectivamente — muito abaixo da taxa de reposição de 2,1, o nível necessário para manter a população estável. A taxa de fertilidade dos EUA é de 1,6. 

Os demógrafos sugerem que a relutância em ter filhos é uma mudança cultural fundamental, e não puramente financeira.

“Eu dizia a mim mesma, sou muito jovem. Tenho de me formar. Tenho de encontrar um parceiro. Então, de repente, estava com 28 anos, casada, com um carro, uma casa e um emprego flexível e não havia mais desculpas”, disse a norueguesa Nancy Lystad Herz. “Mesmo que agora não exista uma barreira prática, percebi que não quero ter filhos.”

O modelo húngaro

Tanto a Hungria quanto a Noruega gastam mais de 3% do PIB em suas diferentes abordagens para promover as famílias — mais do que o valor que gastam em suas forças armadas, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. 

A Hungria diz que nos últimos anos seus gastos com políticas para famílias ultrapassaram 5% do PIB. Os EUA gastam cerca de 1% do PIB em apoio familiar por meio de créditos fiscais para crianças e programas voltados para americanos de baixa renda.

O programa de empréstimos habitacionais subsidiados da Hungria ajudou quase 250 mil famílias a comprar ou reformar a casa, diz o governo. Orsolya Kocsis, jovem de 28 anos que trabalha com recursos humanos, sabe que ter filhos ajudaria a ela e a seu marido a comprar uma casa maior em Budapeste, mas não é suficiente para fazê-la mudar de ideia sobre não querer filhos.

Orsolya Kocsis, de Budapeste, não mudou de ideia sobre não querer ter filhos. Foto: Akos Stiller para o WSJ.

“Se disséssemos que teremos dois filhos, poderíamos basicamente comprar uma casa nova amanhã”, disse ela. “Mas, moralmente, não me sentiria bem tendo trazido uma vida a este mundo para comprar uma casa.”

Promover bebês, política conhecida como pronatalismo, é um dos principais pilares da ampla agenda populista do primeiro-ministro Viktor Orbán. A Cúpula Demográfica de Budapeste na Hungria tornou-se um ponto de encontro para políticos e pensadores conservadores proeminentes. O ex-âncora da Fox News, Tucker Carlson, e JD Vance, escolhido para vice-presidente de Trump, elogiaram as políticas familiares de Orbán.

Orbán afirma que ter filhos dentro do que chama modelo familiar “tradicional” é um dever nacional, além de uma alternativa à imigração para o crescimento da população. Os benefícios para a criação dos filhos na Hungria são reservados principalmente para casais formalmente casados, heterossexuais e de classe média. Aqueles que se divorciam perdem as taxas de juros subsidiadas e, em alguns casos, precisam devolver o que receberam.

A população da Hungria, agora inferior a dez milhões, vem encolhendo desde a década de 1980. O país é do tamanho de Indiana.

“Como somos poucos, sempre há esse medo de que estejamos desaparecendo”, disse Zsuzsanna Szelényi, diretora de programa do Instituto de Democracia CEU e autora de um livro sobre Orbán.

A taxa de fertilidade da Hungria entrou em colapso após a queda da União Soviética e, em 2010, caiu para 1,25 filho por mulher. Orbán, pai de cinco filhos, e seu partido Fidesz voltaram ao poder naquele ano depois de serem depostos no início dos anos 2000. Ele expandiu o sistema de apoio familiar na década seguinte.

A taxa de fertilidade da Hungria subiu para 1,6 filho para cada mulher em 2021. Ivett Szalma, professora associada da Universidade Corvinus em Budapeste, disse que, como em muitos outros países, as húngaras que adiaram o nascimento de filhos após a crise financeira global estavam finalmente recuperando o tempo perdido.

Então, o progresso estagnou. A taxa de fertilidade da Hungria caiu nos últimos dois anos. Cerca de 51.500 bebês nasceram lá este ano até agosto, uma queda de 10% em comparação com o mesmo período do ano passado. Muitas húngaras citam sistemas públicos de saúde e educação subfinanciados e dificuldades em equilibrar trabalho e família como parte de sua hesitação em ter mais filhos.

Anna Nagy, ex-advogada de 35 anos, teve seu filho em janeiro de 2021. Ela recebeu um empréstimo de cerca de US$ 27.300, que só precisou começar a pagar quando o menino completou três anos. Nagy havia deixado o emprego antes de engravidar, mas, nos primeiros dois anos, recebeu salário maternidade financiado pelo governo, equivalente a 70% de seu salário anterior, e uma quantia menor no terceiro ano.

Ela achava que queria dois ou três filhos, mas agora só quer um. Está frustrada com a ideia de que resolver os desafios demográficos é sua responsabilidade. Os economistas apontam para o aumento da imigração e uma idade de aposentadoria mais alta como outras compensações para as pressões financeiras sobre o orçamento de um governo cuja população está em declínio.

“Não é nosso dever como húngaras manter a nação viva”, disse ela. 

Famílias grandes

A Hungria é especialmente generosa com as famílias que têm vários filhos ou que dão à luz em idades mais jovens. No ano passado, o governo anunciou que restringiria o programa de empréstimos usado por Nagy a mulheres com menos de 30 anos. As famílias que se comprometem a ter três ou mais filhos podem obter mais de US$ 150 mil em empréstimos subsidiados. Outros benefícios incluem isenção vitalícia de impostos para mães com quatro ou mais filhos e até sete dias extras de férias anuais para ambos os pais. 

Em outro programa que expirou, quase 30 mil famílias usaram um subsídio para comprar uma minivan, disse o governo.

Os críticos das políticas familiares da Hungria dizem que o dinheiro é desperdiçado com pessoas que teriam famílias grandes de qualquer maneira. O governo também foi criticado por excluir grupos como a minoria cigana e os húngaros mais pobres. Contas bancárias, históricos de crédito e emprego estável são necessários para muitos dos incentivos.

A assessoria de imprensa de Orbán não respondeu aos pedidos de comentários. Tünde Fűrész, chefe de um instituto de pesquisa demográfica apoiado pelo governo, discorda da ideia de que as políticas sejam excludentes e disse que os empréstimos foram usados mais pesadamente em áreas economicamente deprimidas.

Os programas do governo não foram um fator determinante para Eszter Gerencsér, de 37 anos, que disse que ela e o marido sempre quiseram uma família grande. Eles têm quatro filhos, com idades entre três e dez anos.

Eszter Gerencsér e seu marido, Tamas, sempre quiseram uma família grande. Foto: Akos Stiller para o WSJ.

Eles receberam cerca de US$ 62.800 em empréstimos a juros baixos por meio de programas governamentais e US$ 35.500 em doações. Usaram o dinheiro para comprar e reformar uma casa nos arredores de Budapeste. Depois que ela teve seu quarto filho, o governo perdoou US$ 11 mil da dívida. Sua família recebe um pagamento mensal de cerca de US$ 40 por mês para cada criança.

A maioria das húngaras fica em casa até que seus filhos completem dois anos, após o que o salário maternidade é reduzido. Creches públicas são gratuitas para famílias grandes como a dela. Gerencsér trabalhou intermitentemente entre as gestações e voltou a trabalhar em tempo integral, em um emprego no serviço público, no início deste ano. 

Ela ainda acha que a sociedade húngara é contra as mães e disse que lutou para encontrar trabalho, porque os empregadores temiam que ela tivesse que passar muito tempo afastada.

A reputação internacional do país como familiar é “o que se pode chamar de um bom marketing”, afirmou ela.

Generosidade nórdica 

A Noruega incentiva nascimentos há décadas com generosa licença parental e creches subsidiadas. Os novos pais noruegueses podem compartilhar quase um ano de licença totalmente remunerada, ou cerca de 14 meses com 80% do salário. Mais de três meses são reservados para o pai, visando incentivar um cuidado mais igualitário. As mães têm direito a reservar pelo menos uma hora de trabalho para amamentar o bebê.

O objetivo do governo nunca foi explicitamente encorajar as pessoas a terem mais filhos, mas sim facilitar o equilíbrio entre carreira e filhos para as mulheres, disse Trude Lappegard, professora que pesquisa demografia da Universidade de Oslo. A Noruega não restringe os benefícios para pais solteiros ou casais do mesmo sexo.

A taxa de fertilidade deles, hoje em 1,4 filho por mulher, caiu constantemente ante os 2,0 em 2009. Ao contrário da Hungria, a população da Noruega ainda está crescendo por enquanto, devido principalmente à imigração.

“É difícil dizer por que a população está tendo menos filhos”, escreveu Kjersti Toppe, ministra norueguesa da Criança e da Família, por e-mail. Ela disse que o governo aumentou os pagamentos mensais para os pais e formou um comitê para investigar a diminuição do número de bebês e maneiras de revertê-la.

Mais norueguesas não têm filhos ou têm apenas um filho. A porcentagem de mulheres de 45 anos com três ou mais filhos caiu para 27,5% no ano passado, de 33% em 2010. Elas também estão esperando mais tempo para a maternidade — a idade média em que as mulheres tiveram seu primeiro filho chegou a 30,3 no ano passado.

O aumento global nos custos de moradia e um cronograma mais longo para se estabelecer na carreira provavelmente fazem diferença, dizem os pesquisadores. Aquelas que têm o primeiro filho já mais velhas podem enfrentar obstáculos: após os 35 anos, correm maior risco de infertilidade e complicações na gravidez.

Gina Ekholt, de 39 anos, disse que as políticas do governo ajudaram a compensar grande parte dos custos de ter um filho e permitiram que ela mantivesse sua carreira como consultora sênior na organização sem fins lucrativos Save the Children Norway. Ela teve sua filha aos 34 anos após uma tentativa de fertilização in vitro subsidiada pelo estado que custou cerca de US$ 1.600. Queria ter mais filhos, mas não pode por causa de problemas de fertilidade.

Gina Ekholt. Ela diz que as políticas do governo ajudaram a compensar grande parte dos custos de ter um filho. Foto: Signe Fuglesteg Luksengard para o WSJ.

Gina recebe um pagamento de cerca de US$ 160 por mês, o que compensa quase que totalmente a taxa mensal da creche de US$ 190.

“Do lado da economia, foi tudo tranquilo. O que tem sido difícil para mim é tentar ter outro filho”, disse ela. “A ideia de que deveríamos ter mais filhos, e você é vista como egoísta se teve apenas um, essas são as coisas que me afetaram.”

Sua amiga Ewa Sapieżyńska, escritora e cientista social polonesa-norueguesa de 44 anos com um filho, ajudou-a a ver o lado positivo do estilo de vida do filho único. “Para mim, a decisão não tem a ver com dinheiro. Tem a ver com a minha vida”, disse ela.

Escreva para Chelsey Dulaney em [email protected]

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