Uma seleção semanal do jornalismo mais prestigiado do mundo
Presented by

Disputa entre EUA e China chega à indústria farmacêutica e preços dos medicamentos pode subir

Mudanças na fabricação e nas matérias-primas podem levar a reajustes de medicamentos e atrasar lançamentos

Por Jared S.Hopkins The wall street Journal
Publicado em
7 min
traduzido do inglês por investnews

Empresas farmacêuticas e de biotecnologia dos EUA passaram a contar com parceiros chineses para fabricação, pesquisa e ingredientes. Agora, com o aumento das tensões geopolíticas, algumas delas estão procurando alternativas.

Desde as grandes farmacêuticas, como a AstraZeneca, até as pequenas de biotecnologia, como a Amicus Therapeutics, de Nova Jersey, que está procurando uma parceria não chinesa para o fornecimento de matéria-prima para seu tratamento de doenças raras, as empresas dizem que é hora de reduzir o risco China.

LEIA MAIS: Indústria de alimentos faz as pazes com o Ozempic – e consegue ganhar com ele

Autoridades do setor afirmam que uma consequência disso pode ser a demora no lançamento de medicamentos e custos mais altos nos EUA, porque a mudança exige tempo e dinheiro.

Basicamente sem o conhecimento de pacientes americanos, empresas americanas e europeias muitas vezes dependem da China para serviços químicos e ingredientes farmacêuticos básicos — e é por isso que as disputas EUA-China sobre questões comerciais e militares nos últimos anos abalaram a indústria. Os executivos dizem que o custo do trabalho chinês de alto nível é tipicamente menor do que no Ocidente.

Agora, as empresas estão “fazendo escolhas visando reduzir os riscos de depender de um único país ou de alguns países”, disse o CEO da Kymera Therapeutics, Nello Mainolfi. Sua empresa, com sede em Massachusetts, que está desenvolvendo medicamentos contra o câncer e males do sistema imunológico, depende de companhias chinesas para a fabricação, mas começou a fazer mais desse trabalho na Europa, na Índia e nos EUA.

Frascos de medicamentos da Novo Nordisk. Foto: Carsten Snejbjerg/Bloomberg

Um incentivo para essa mudança é a Lei de Biossegurança, que foi aprovada na Câmara em setembro com apoio bipartidário esmagador. A legislação impede as empresas que recebem fundos ou contratos do governo de fazer negócios com uma lista de empresas chinesas preocupantes.

Os maiores nomes da lista são a WuXi AppTec e a WuXi Biologics, duas empresas chinesas afiliadas às quais milhares de clientes em todo o mundo recorreram para pesquisa e fabricação.

A WuXi AppTec disse em maio que a inclusão de seu nome no projeto de lei é “uma designação preventiva e injustificada, sem o devido processo”. Tanto ela quanto a WuXi Biologics afirmaram não representar um risco de segurança para os EUA ou qualquer outro país.

LEIA MAIS: A Pfizer foi incrível contra a Covid, mas ela precisa de um Ozempic para chamar de seu

As perspectivas para a Lei de Biossegurança no Senado são incertas este ano, e a versão atual dá às empresas até 2032 para cortar os laços com as chinesas visadas. Mesmo assim, a perspectiva de restrições teve “um efeito inibidor sobre as empresas que avaliam se devem ou não se envolver com a WuXi ou outras chinesas”, disse Steve Abrams, cochefe global da prática de ciências da vida do escritório de advocacia Hogan Lovells.

Pipetas para testes clínicos laboratoriais. Foto: Asim Hafeez/Bloomberg

As mudanças não significam um rompimento total dos laços industriais entre a China e o Ocidente. As farmacêuticas americanas e europeias ainda querem vender seus produtos na China, o segundo maior mercado de medicamentos depois dos EUA e um país com uma população que envelhece rapidamente. As empresas chinesas de biotecnologia assinaram bilhões de dólares em acordos de licenciamento que buscam levar medicamentos locais para o mundo. 

O maior impacto está nas cadeias de suprimentos de medicamentos.

Um exemplo de uma empresa americana que cortou seus laços com a China é a Vir Biotechnology, com sede em San Francisco, que desenvolve tratamentos antivirais e contra o câncer. Ela parou de usar a WuXi Biologics em sua manufatura no início deste ano e está trabalhando com parceiros de fabricação nos EUA e se concentrando no desenvolvimento e fabricação internos, disse uma porta-voz. 

Outras empresas estão procurando novas fontes de matéria-prima. Enquanto isso, grandes farmacêuticas como a AstraZeneca tentam criar cadeias de suprimentos separadas para a China e o para Ocidente.

A Amicus Therapeutics conta com a WuXi Biologics na China para produzir seu tratamento para a doença de Pompe, mal raro que afeta o coração e os músculos, e seu principal fornecedor de algumas das matérias-primas também está na China. Embora a Amicus continue confortável trabalhando com a WuXi com base na última iteração da Lei de Biossegurança, ela procura um fornecedor de materiais fora da China, disse o CEO da Amicus, Bradley Campbell.

A Lei de Biossegurança “nos forçou a analisar a fonte de nossos materiais e o tipo de natureza delicada de nosso relacionamento com a China”, disse Campbell. A própria WuXi está ajudando na diversificação: está construindo uma fábrica na Irlanda para fornecer medicamentos comerciais no final de 2025.

LEIA MAIS: Como os EUA tentam desafiar o controle da China sobre o cobalto

Quase 80% das empresas de biotecnologia dos EUA têm contrato com pelo menos uma empresa chinesa, de acordo com uma pesquisa recente da Organização de Inovação em Biotecnologia, grupo da indústria. As empresas chinesas passaram anos aprimorando seus conhecimentos e infraestrutura com a ajuda do governo, conquistando o respeito de executivos globais.

As empresas WuXi fabricam as matérias-primas para os medicamentos contra o câncer Imbruvica e Jemperli, entre outros, de acordo com a empresa de análise da cadeia de suprimentos Qyobo. Entre as de biotecnologia e farmacêuticas listadas nos EUA, 60 sinalizaram seu trabalho com pelo menos uma das empresas da lista, de acordo com a plataforma de dados AlphaSense.

Esses relacionamentos não podem ser alterados da noite para o dia. As empresas de biotecnologia que procuram espaços alternativos de laboratório ou linhas de fabricação geralmente competem pelas mesmas terceirizadas.

Funcionário na linha de produção da BioTech USA. Foto: Akos Stiller/Bloomberg

LEIA MAIS: Vizinho, dá uma força: México conta com ajuda dos EUA para conter importações chinesas

O resultado pode ser um desenvolvimento de medicamentos mais caro ou mais lento, pois as empresas transferem dólares de testes ou pesquisas para reformular sua fabricação, disse John Maraganore, ex-CEO da Alnylam Pharmaceuticals que assessora empresas como capitalista de risco.

Ele disse que gostaria que a legislação dos EUA se concentrasse mais em incentivar a fabricação doméstica para evitar os custos e outros desafios que seriam trazidos pela Lei de Biossegurança. “Todos nós esperávamos que isso ocorresse com mais encorajamento e menos punição”, disse Maraganore.

Por enquanto, há sinais de que as empresas WuXi podem estar administrando os ventos contrários. Os pedidos feitos à WuXi AppTec aumentaram 25% no final de setembro em comparação com o final do ano passado, de acordo com a empresa. Tanto ela quanto a WuXi Biologics disseram que os negócios permanecem robustos, apesar dos desafios dos EUA. 

A Invivyd, com sede em Waltham, em Massachusetts, que usou a WuXi Biologics para pesquisar e produzir sua Pemgarda, tratamento para a Covid-19, terminará sua pesquisa e desenvolvimento e fabricação com a empresa nos próximos meses, disse o presidente Marc Elia. Ele afirmou que a Invivyd estava identificando locais alternativos e que retiraria seus trabalhos da China.

Elia disse que a Invivyd conseguiria realizar essa mudança porque sua fabricação é feita em ciclos. “Muitas coisas precisam ser resolvidas, mas essa é uma afirmação muito diferente de: ‘Isso será impossível de resolver’. Não será”, afirmou ele. 

Para as startups, perder uma terceirizada chinesa por causa de uma questão geopolítica pode ameaçar todo o negócio, então os capitalistas de risco dizem que estão aconselhando empresas do portfólio a evitar esse risco. 

Na RA Capital Management, com sede em Boston, que investe no negócio de saúde, a diretora Tess Cameron disse que abordar o risco do fornecedor se tornou uma das principais questões a serem decididas internamente quando uma empresa jovem busca financiamento. “É tipo: ativo, termos do negócio, estrutura de propriedade, cadeia de suprimentos”, disse ela.

traduzido do inglês por investnews