O mundo precisa do seu lixo pra entrar na nova era elétrica. O cobre agora ‘vale ouro’
Demanda por cobre e outros metais está disparando conforme cresce a produção de baterias e de eletrônicos
Uma das maiores mineradoras do mundo está recorrendo aos fundos das gavetas. Ela procura por celulares antigos, cabos obsoletos e outros materiais também encontrados em aterros sanitários espalhados pelos Estados Unidos. O objetivo? Extrair cobre para atender à crescente demanda pelo metal – uma “fome” impulsionada pela transição energética e pela explosão da Big Data.
Celulares triturados, cabos de computador e carcaças de automóveis formam pilhas de até 10 metros de altura ao redor da fundição de cobre centenária da Glencore, localizada no coração da floresta boreal canadense, em Quebec. Ali, os restos são derretidos junto com concentrados de cobre extraídos de minas, gerando novas placas de metal.
Embora sucatas eletrônicas há tempos completem o insumo da fundição, atualmente a Glencore e outras produtoras de cobre estão ampliando sua busca por sucatas e investindo pesado no aumento da capacidade de reciclagem.
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A transição dos combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia promete transformar os mercados de commodities. Com a redução do consumo de petróleo e carvão nos Estados Unidos, cresce a necessidade de materiais como lítio para baterias de veículos elétricos, madeira de pinus para postes de energia maiores — e, claro, cobre para tudo o que é elétrico.
“Nos próximos 25 anos, consumiremos mais cobre do que a humanidade já utilizou até hoje”, afirma Kunal Sinha, chefe global de reciclagem da Glencore. “Esse é o tamanho do desafio.”
A era do cobre
O consumo de cobre disparou nas últimas décadas, impulsionado pela modernização da China. Mais recentemente, ganhou força com a Lei do Clima e Tributação de 2022 nos EUA, que incentiva o desenvolvimento de energia renovável. Além disso, os data centers que sustentam a inteligência artificial e armazenam vídeos de smartphones estão repletos de cobre — assim como os próprios aparelhos.
A Glencore estima que a oferta global de cobre precisa crescer cerca de um milhão de toneladas métricas por ano até 2050. Isso equivale a adicionar anualmente uma nova mina do porte da Escondida, no Chile, a maior do mundo.
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Mesmo que novos depósitos ricos em cobre sejam encontrados, pode levar décadas para que as minas entrem em operação. Isso dificulta uma resposta rápida à demanda crescente, deixando as sucatas como alternativa para equilibrar o mercado, explica Tom Mulqueen, estrategista de metais do Citigroup.
Diferentemente de commodities como petróleo ou milho, o cobre é infinitamente reciclável. Ele está presente em fios de casas, carros e infraestruturas que transportam eletricidade e água potável. No entanto, muito cobre permanece abandonado em aterros e ferros-velhos. Quando os preços sobem, o incentivo para recuperá-lo aumenta. Atualmente, os preços do cobre estão entre os mais altos da história.
“A sucata, de certa forma, determina até onde os preços podem chegar”, diz Mulqueen. “E o nível de preço necessário para incentivar a recuperação.”
As previsões de demanda podem ser afetadas por fatores como a fraqueza econômica na China, a estagnação da transição energética ou desacelaração na produção industrial.
No dia seguinte à eleição de Donald Trump, por exemplo, os traders reagiram às suas promessas de campanha, que incluíam intensificar as tensões comerciais com a China e reverter incentivos à energia limpa. Os futuros do cobre caíram mais de 5% em Nova York naquele dia e, desde então, acumularam uma queda de cerca de 19% em relação ao recorde alcançado no final de maio.
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Ainda assim, a previsão base do Citigroup é de que os preços do cobre atinjam novos recordes até o meio do próximo ano, embora Tom Mulqueen, estrategista do banco, destaque que esse cenário está mais incerto após a eleição de Trump e também por causa de políticas econômicas da China que frustraram investidores.
Uma busca global por sucatas
Quase metade da demanda global de cobre será atendida por reciclagem até 2050, ante cerca de um terço atualmente, segundo a consultoria Wood Mackenzie. Enquanto boa parte das sucatas dos EUA é exportada para a Ásia, produtores de cobre estão aumentando a capacidade de reciclagem na América do Norte.
Empresas alemãs como a Wieland e a Aurubis estão investindo milhões em instalações nos Estados Unidos. A Wieland, por exemplo, está negociando um subsídio de US$ 270 milhões com o Departamento de Energia para expandir uma planta no Kentucky – construída em 2022, ao custo de US$ 100 milhões. A Aurubis, por sua vez, está construindo uma unidade de reciclagem de US$ 800 milhões na Geórgia, que começará a produzir cobre no próximo ano.
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A Glencore adquiriu a fundição Horne, em Quebec, na fusão com a Xstrata em 2013. O local começou a reciclar cobre durante a Segunda Guerra Mundial, derretendo cartuchos de munição. Na década de 1980, iniciou a reciclagem de eletrônicos quando a mina local esgotou seus recursos.
A empresa também mantém instalações nos Estados Unidos, como um centro de coleta na Califórnia e outro em Rhode Island, onde recebe e analisa materiais como placas de circuito, restos industriais e até talheres antigos. Recentemente, adquiriu uma instalação de reciclagem no Arkansas para ampliar sua capacidade.
A Glencore mantém uma rede de traders em Toronto, Suíça e Nova York para localizar sucatas. Materiais de cerca de 40 países chegam à fundição em Rouyn-Noranda, em quantidades que variam de pequenos pacotes a contêineres inteiros. Os moradores locais, inclusive, podem deixar resíduos como cabos e torradeiras em um ponto de coleta na entrada da unidade.
Além disso, a Glencore trabalha com fabricantes de eletrônicos e painéis solares para projetar produtos que sejam mais fáceis de desmontar e reciclar. Está até explorando aterros sanitários para recuperar cobre de resíduos automotivos. Estudos mostraram que a concentração de cobre nesses locais pode ser mais de duas vezes maior que a de algumas minas.
Na fundição, a sucata é triturada e derretida a 1.200 graus Celsius, representando cerca de 15% do insumo total. Após um processo químico complexo, o cobre reciclado é transformado em placas de 340 quilos, que seguem para a refinaria da Glencore em Montreal, onde outros metais valiosos, como ouro e prata, são recuperados.
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traduzido do inglês por investnews