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Novo Renault Kwid: carro ‘popular’ é rara novidade em segmento com dias contados

Único modelo abaixo dos R$ 60 mil é exceção em mercado que não compra mais carros básicos como antes.

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A Renault é uma das poucas fabricantes que ainda apostam no segmento de carros populares. Embora o termo criado em meados dos anos 90 pareça até ofensivo em tempos de preços tão altos, fato é que o novo Kwid é o carro mais barato do país – e o único abaixo dos R$ 60 mil. Veja os lançamentos previstos para o início de 2022.

A marca francesa manteve a tabela de preços do modelo anterior e realizou mudanças pontuais no subcompacto. Além do estilo mais refinado, o Kwid ganhou mais segurança com controles de estabilidade e de tração, teve um discreto aumento de potência e ficou até 5% mais econômico com a adoção do sistema start-stop em todas as versões.

Veja mais: Os 10 carros mais baratos de 2022

Hoje, o modelo da Renault briga diretamente com o Fiat Mobi, cuja versão de entrada é pouco mais cara do que o Kwid. Em um patamar acima estão modelos como o cansado Volkswagen Gol e as versões de entrada de outros hatches, como Fiat Argo e Hyundai HB20. Só que todos eles custam mais de R$ 70 mil – e chamá-los de “populares” é algo que beira a insanidade.

É por isso que, na essência, Kwid e Mobi são representantes legítimos de uma categoria que viveu seu auge há algumas décadas, mas que hoje tem poucos concorrentes e caminha para a extinção.

Renault Kwid/Divulgação

Vareta no lugar de marcador de combustível

Se hoje é quase impossível encontrar modelos na casa dos R$ 60 mil, o cenário era bem diferente algumas décadas atrás.

Desde os anos 60, a indústria brasileira oferecia opções mais acessíveis de seus modelos de entrada mais famosos. Assim nasceram Volkswagen Pé de Boi, Willys Teimoso e DKW Pracinha, apelidos dados para as versões depenadas de Fusca, Gordini e Vemaguet.

O enxugamento na lista de equipamentos chegava a medidas extremas, como a ausência de marcador de combustível no caso do modelo da Volkswagen. Neste caso, cabia ao motorista (ou frentista) verificar uma vareta que ficava no tanque de combustível para descobrir quanto ainda podia rodar.

A iniciativa teve pouco êxito e durou pouco. Apenas nos anos 90 é que os carros “pelados” voltaram às ruas com o genérico nome de “carro popular”.

Em 1993, o então presidente Itamar Franco estabeleceu uma simbólica alíquota de 0,1% para o IPI cobrado em veículos com motorização 1.0.

Quem se deu bem foi a Fiat, que desde 1990 vendia o Uno Mille. O modelo nasceu em tempo recorde, pouco tempo após o governo de Fernando Collor baixar o IPI de modelos com motorização de 800 cm3 a 1000 cm3 pela metade, chegando a 20%. 

Uno Mille/Divulgação


Espartano, ele não tinha espelho retrovisor do lado direito nem quinta marcha de fábrica. Mesmo assim, fez um sucesso danado por causa do preço acessível, e a concorrência precisou se virar com o que tinha para correr atrás do prejuízo.

Assim nasceram modelos pitorescos como o Volkswagen Gol 1000, Ford Escort Hobby e Chevrolet Chevette Júnior. Em comum, todos tinham motores muito fracos que não haviam sido desenvolvidos adequadamente para os respectivos projetos.

Quem acertou a mão foi a Chevrolet com o Corsa. O moderno projeto havia estreado na Europa menos de um ano antes, e foi um dos lançamentos mais importantes da indústria nacional naquela década. Rapidamente o compacto caiu nas graças do consumidor, gerando longas filas de espera e até o famoso ágio nos preços de tabela, obrigando a própria Chevrolet a fazer uma campanha pedindo paciência para os clientes.

Corsa Wind

Auge e decadência

Nas décadas seguintes, o segmento continuou em alta e chegou a responder por 60% das vendas de automóveis no Brasil. O declínio começou em meados da década de 2010, quando uma nova leva de modelos mudou o patamar do segmento de entrada no país.

A estreia de projetos como Hyundai HB20 e Chevrolet Onix provou que o consumidor estava disposto a pagar mais para ter comodidades como ar-condicionado e direção elétrica, até então indisponíveis em vários populares. Assim como nos anos 90, quem estava “deitado em berço esplêndido” teve de se mexer.

Em 2014, um duro e necessário golpe foi dado nas montadoras com a obrigatoriedade de airbag duplo frontal e freios ABS para todos os veículos nacionais 0km. Desde então, o preço dos carros de entrada apenas subiu, enquanto as vendas foram despencando proporcionalmente a cada ano.

Hoje, a existência dos modelos de entrada se justifica majoritariamente por conta das vendas diretas. Algumas empresas ainda buscam veículos mais básicos para compor as frotas, embora até essa tendência pode estar com os dias contados.

E assim o carro popular deve se despedir do mercado em breve, muito longe do auge vivido três décadas atrás.

*Vitor Matsubara é jornalista automotivo e editor do Primeira Marcha. Tem passagens por Quatro Rodas, de 2008 a 2018, e UOL Carros, de 2018 a 2020.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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