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Viagens e turismo: será que a estratégia da CVC vai decolar?
Pandemia, competição das OTAs e variações econômicas desafiam empresas do ramo.
Quando a CVC (CVCB3) abriu capital, em 2013, muitos analistas acreditavam que a empresa teria destino semelhante ao das locadoras de vídeo. Ou seja, se acomodaria no modelo de negócios tradicional e não responderia aos novos competidores digitais.
Mas a realidade foi outra: entre 2013 e 2018, a CVC consolidou negócios na América Latina, com oito aquisições no Brasil e Argentina para ganhos de escala com empresas de transporte e hospedagem. A empresa de turismo também passou a diversificar, por meio de aquisições, o segmento no qual atuava, incluindo corporativo, intercâmbio e vendas online. Dessa forma, em 2017, nascia a CVC Corp, formada por nove unidades de negócio.
Tudo parecia bem até que a empresa enfrentou uma crise na gestão entre 2019 e 2020. Logo depois, veio a pandemia que afetou o setor de viagens e, para complicar, naquele momento, a Decolar parecia estar disposta a investir ainda mais no Brasil. Além disso, seus resultados operacionais parecem estar reagindo mais rapidamente à retomada do setor.
Considerando esse cenário, existem dois grandes fatores que marcam a estratégia de negócios das empresas do setor de viagens e turismo: coexistência e sensibilidade a choques externos.
Sobre a coexistência, de um lado, temos empresas tradicionais que sobreviveram às grandes mudanças impulsionadas pelo digital, como a CVC. Do outro, empresas inovadoras surgiram e ganharam muita participação de mercado, como a Decolar que, em 2009, tinha cerca de 2% de market share e, em 2018, passou a ter 22%.
Um dos fatores que pode explicar esse crescimento é que a grande inovação de empresas que desafiam modelos de agências como a CVC não foi a tecnologia, mas, sim, a transparência de informações ao consumidor, possibilitada pelo crescimento da internet.
Os agentes de viagens tinham informações que consumidores não acessavam e, com isso, estavam em vantagem qualquer que fosse a negociação.
Contudo, tamanha assimetria de informações tem sido reduzida. As chamadas Online Travel Agencies, conhecidas como OTAS, como Expedia, Decolar e Booking.com, passaram a oferecer transparência e facilidades de comparações entre serviços de viagens, incluindo a possibilidade de contratação desses serviços. Rapidamente, os consumidores adotaram essas novas empresas nos canais virtuais.
Com tudo isto acontecendo, o mercado achava que as empresas tradicionais não sobreviveriam. A Nascimento Turismo, por exemplo, fundada na década de 1970 e que foi uma das maiores empresas de turismo do Brasil, anunciou que estava em recuperação em 2015 e, em 2017, decretou falência. O mesmo poderia ter acontecido com a CVC, assim como ocorreu com agências tradicionais do mundo inteiro.
Mas com a CVC foi diferente: a empresa abriu capital em 2013, comprou várias empresas como a Submarino Viagens, abriu seu e-commerce, está tentando adotar ferramentas digitais e integrar canais online e físicos. De fato, ela contrariou expectativas anteriores e prosperou até certo ponto, pouco antes da pandemia.
Sua estratégia foi ganhar economias de escala e poder de barganha sobre os provedores de serviços de viagens, digitalizando o negócio enquanto não descuidava das mais de 1200 franquias no Brasil, com predominância da classe média. Sua gestão, à época, foi inteligente ao reconhecer e preservar a essência do canal físico, que continuou importante no país.
Mas quem investe ou pretende investir na CVC precisa observar cuidadosamente os movimentos da Decolar. Enquanto a CVC está no caminho de recuperar seus resultados, a Decolar parece ter conseguido isso mais rapidamente. Os executivos da empresa apontaram na mídia que os resultados do quarto trimestre de 2021 foram muito encorajadores e refletem esforços que fizeram para reduzir a estrutura de custos, buscar sinergia nas várias aquisições que têm sido feitas e diversificar os fluxos de receita.
Em abril de 2022, a empresa divulgou que tem US$ 300 milhões em caixa e pensa em investir no varejo físico no Brasil e em novas aquisições.
Por outro lado, a CVC é muito forte no B2B, oferecendo soluções e sistema de viagens corporativas, além de serviços para o mercado de viagens contratado por empresas, atendendo mais de 8 mil agências credenciadas. No B2B, a empresa encontra praticamente metade da representatividade do seu negócio e elevados níveis de participação de mercado entre as aéreas consolidadoras.
Sensibilidade a choques externos
Além de oscilar conforme a economia, algo com o qual as empresas de viagens já estavam acostumadas, o setor também foi impactado pela crise sanitária da covid-19.
Desde que a vacinação foi ampliada em 2021, os números demonstram um caminho que fortalece a retomada do turismo brasileiro. No entanto, diante de um ambiente inflacionário, a retomada é gradativa, por isso, para voltar aos níveis pré- pandemia, o turismo brasileiro precisará lidar com a compressão da renda das famílias.
Em números, as viagens de lazer apresentam uma recuperação maior do que no corporativo, visto que muitos eventos podem ser híbridos e fazer com que o setor perca receita.
Outro fator será a capacidade de adaptação de toda cadeia do setor para acomodar mudanças no comportamento dos consumidores individuais e corporativos. Além disso, os consumidores, depois de terem presenciados diversos riscos no período pandêmico, passaram a valorizar a flexibilidade em suas viagens, logo, a garantia de não perder dinheiro, a possibilidade de cancelar e a possibilidade de reagendar gratuitamente são fatores muito valorizados pelos turistas atualmente.
3 perguntas para o investidor
1) A CVC conseguirá ir além da adoção de ferramentas digitais para fazer uma transformação digital completa e necessária?
2) O que esperar sobre os movimentos da Decolar no varejo físico e que podem aumentar a sobreposição com o negócio da CVC?
3) A CVC conseguirá criar mais sinergias e otimizar custos ao balancear as soluções para outras empresas, o B2B, e as soluções aos consumidores, o B2C?
Alguns analistas argumentam que a empresa está bem posicionada para aproveitar a retomada do turismo no Brasil. Apesar de ainda não ter voltado aos níveis operacionais de 2019, a CVC tem mostrado uma recuperação gradativa de vendas e rentabilidade, ainda que tenha tido um prejuízo no 1º trimestre de 2022 acima do que esperavam muitos analistas. O B2B é muito importante, mas parte dele está ligado ao mercado corporativo, que retomou com menor força.
A gestão da empresa tem buscado investir na digitalização da jornada do consumidor e fez uma reestruturação de capital. Em junho de 2022, a companhia anunciou que fará uma oferta restrita primária, captando recursos para reforço do capital de giro e pagamento de parte da dívida que acumulou nos últimos anos.
Portanto, o trabalho da CVC foi surpreendente ao resistir ao surgimento das OTAs, mas seu futuro gera dúvidas.
*Leandro Guissoni é Ph.D., professor de estratégia no Brasil e Estados Unidos, empresário, palestrante e autor de livros, artigos e casos de empresas por Harvard. Assessora grandes empresas em inovação digital e analytics. |
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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