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Wirecard: uma história de escândalos e queda
Resultados envolviam o fato da empresa estar em larga medida lavando dinheiro de crimes.
Durante anos, investidores e acionistas da Wirecard, gigante alemã dE pagamentos, acharam que estava tudo bem. Listada no Dax, o equivalente do Ibovespa no país, a empresa era uma fintech de pagamentos, mas também um banco digital. O CEO Marcus Braun fazia o tipo de profeta da tecnologia nas apresentações e entrevistas enquanto a empresa apresentava vistosos números de crescimento dizendo que era efeito de uma bem sucedida expansão internacional.
A história da ascensão e queda da empresa, apresentada no documentário “O escândalo da Wirecard”, recém-lançado na Netflix (NFLX34), conta outra versão. Os resultados envolviam o fato da empresa estar em larga medida lavando dinheiro do crime, processando de maneira ilegal os pagamentos de cassinos online e pornografia, além de ter usado as empresas que comprava para esconder que estava basicamente fazendo negócios consigo mesma.
Para quem acompanhou no mercado brasileiro a derrocada das ações do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) nos últimos anos, a história soa familiar. Nos dois casos, foi fundamental a participação de investidores vendidos na descoberta das falcatruas dos executivos. Também há em ambos os escândalos detalhes rocambolescos, como o IRBR3 ter mentido que a Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, estava entre os seus acionistas.
Mas no caso da Wirecard, os executivos foram capazes de ir muito mais longe para enganar o mercado e também o governo e a população da Alemanha, que viam a empresa como rara competidora do país entre as maiores empresas de tecnologia do mundo. Parte das denúncias foi, por isso, ignorada ao vir à tona pela opinião pública, que via uma tentativa de favorecer os vendidos que apostaram contra a Wirecard.
Enquanto vendiam para os alemães e para os investidores a imagem de que não passava de uma empresa como outra qualquer, a Wirecard foi capaz de contratar o chefe da inteligência da Líbia para intimidar e processar jornalistas e ameaçar fisicamente investidores, além de se envolver com políticos xenófobos austríacos.
Outro detalhe da história foi lançar luz sobre como pode ser sofisticado o universo dos investidores vendidos. Existem até mesmo agências especializadas em obter provas dos esqueletos nos balanços de uma empresa para beneficiar quem apostou na queda de suas ações. Comprovado o escândalo, a Wirecard entrou em insolvência em 2020 e foi vendida aos pedaços enquanto o CEO e outros executivos foram presos.
No escândalo e no documentário, se sobressai como alguns jornalistas foram capazes de resistir à pressão enquanto investigavam e implodiam uma fraude que contou com a complacência de reguladores alemães e a ingenuidade dos investidores e analistas que compravam a versão da empresa. O Softbank, conglomerado financeiro japonês, inclusive investiu 900 milhões de euros na Wirecard pagamentos às vésperas da quebra.
É o caso de perguntar, como em outros escândalos: como foram incapazes de ver o óbvio? Uma investigação posterior mostrou que os reguladores não estavam estruturados para acompanhar as fraudes naquela dimensão. Já os banqueiros japoneses disseram ter confiado que os reguladores faziam seu papel.
Mas a explicação também vem de muitos temas tratados nestas colunas, como o desejo de seguir a manada, a maioria do mercado que ficou ao lado da Wirecard, e o viés da positividade, tendência entre muitas pessoas a dar mais atenção a informações positivas do que às negativas. Com as ações subindo mesmo depois das denúncias
Era muito mais conveniente acreditar em uma conspiração dos vendidos ou em interesses estrangeiros ocultos do que em uma fraude que, comprovada, faria muita gente perder dinheiro e desmoralizaria o governo alemão. O que no fim acabou fazendo.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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