Economia

‘Desemprego continuará alto se a política ficar como está’, diz economista

Em entrevista ao Investnews, Roberto Luis Troster aponta que falta de políticas para aumentar competitividade dos negócios dificulta a retomada.

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As soluções apresentadas até agora para recuperar o emprego no Brasil são fracas. Essa é a avaliação do economista Roberto Luis Troster, consultor e ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele comenta que medidas como ampliar a desoneração da folha de pagamentos não resolvem por si só a baixa nas contratações, e defende que a discussão deveria estar focada em aumento da competitividade.

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Assim como a economia de forma geral, o mercado de trabalho brasileiro mal havia se recuperado da crise iniciada em 2014 quando a pandemia do novo coronavírus trouxe mais dificuldades. Se antes a retomada era puxada pela informalidade, a Covid-19 afetou ainda mais o emprego com carteira assinada.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), o desemprego em meio à pandemia teve uma leve queda na primeira semana de setembro, após bater recorde em agosto. Os números, divulgados na sexta-feira (25), mostram que a quantidade de pessoas buscando trabalho caiu em cerca de 700 mil, ou 5% – o que é considerado estabilidade. A taxa de desemprego passou de 14,3% para 13,7%.

Doutor em economia, Troster apontou em entrevista ao InvestNews os principais problemas que, na sua visão, travam uma retomada mais acelerada do mercado de trabalho.

Veja abaixo a entrevista completa:

InvestNews — O indicador do IBGE que acompanha os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho mostrou uma leve queda da taxa de desemprego na primeira semana de setembro depois de bater recorde em agosto. Isso é um sinal de que o pior pode já ter ficado para trás?

A força de trabalho caiu de 106 milhões em fevereiro para 96 milhões em junho. O que quer dizer isso? Que você teve 10 milhões de pessoas que pararam de procurar emprego. Essas pessoas são as que vão fazer a grande diferença na hora que elas começarem a procurar. Se você levar esse número em conta, o desemprego deve chegar a 20%. É gente que desistiu de procurar emprego na pandemia.

InvestNews — Os números mais recentes mostram que, em uma semana, a quantidade de pessoas procurando emprego caiu em 700 mil pessoas. Qual a sua avaliação?

É um número fraco. E as soluções apontadas pelo governo são fracas. A ideia de que desonerar a folha vai dar mais empregos é enganosa. Primeiro porque já foi testado antes e não deu certo. E não é por causa da desoneração da folha que as pessoas contratam. E, também, ninguém fez a conta disso. Só a CPMF para desonerar a folha, sem dar números? Isso é conversa para boi dormir.

InvestNews — A retomada da demanda por serviços e produtos está se recuperando lentamente após as quedas dramáticas do início da pandemia. Como o emprego deve acompanhar esse movimento?

Um dos tipos de desemprego é o conjuntural. O restaurante fechou, mandou embora os garçons, depois voltou e contratou os garçons de volta. Mas tem estimativas de que 30 mil restaurantes de São Paulo não vão reabrir. Quebraram. Esse é só um exemplo, podemos dar outros. Mas isso é só com a economia crescendo para recuperar. A curva do emprego vai sempre atrás do crescimento. Sempre na recuperação o emprego vem depois. Primeiro você usa mais a força de trabalho disponível, para depois começar a contratar mais.

InvestNews — Além da questão conjuntural da pandemia sobre o emprego, como o cenário que já tínhamos antes entra nessa conta?

Outro fator gerando desemprego é o da baixa competitividade da economia brasileira. Muitas empresas não investem no Brasil, mas vão para outros países e exportam para o Brasil. Há números que dizem que 7 em cada 10 novas empresas no Paraguai são de brasileiros. Eles vão produzir lá para vender para cá. No ranking do Banco Mundial de 2020, em 190 países, o Brasil estava em 124 na facilidade de fazer negócios. Uruguai, Peru, Colômbia, México, Chile estão melhores que o Brasil. As empresas escolhem investir lá e vender para cá. Isso é algo que só depende da gente. Aqui investimos pouco. A taxa de investimento no ano passado foi 15% do PIB, uma das mais baixas da história brasileira. A coisa mais importante da economia é justamente essa.

InvestNews — Estamos vendo nos últimos meses um crescimento da dívida pública, puxado, é claro, pelos efeitos da pandemia. Mas muito se fala sobre a questão histórica do problema da dívida pública no Brasil. Como isso se reflete no emprego?

A solvência da dívida deveria ser um meio para melhorar o bem estar, não é o fim em si mesmo. O que me preocupa muito é que as projeções de déficit para 2023, que deveriam cair, aumentaram. A dinâmica da dívida pública estava ruim e piorou. As projeções são de que até 2030 o país vai ter déficit primário. Antes, essas projeções eram até 2025. Então, é uma dinâmica ruim. Não é que nós estamos à beira da catástrofe, mas estamos na direção errada.

InvestNews — Nesse cenário, então, aumentar os gastos públicos para gerar empregos não é uma opção?

Tem muita coisa que se pode fazer sem gastar dinheiro. Política de crédito pode melhorar muito. Começar a tributar renda fixa em vez de crédito. Assalariado paga, na margem, 27,5% de Imposto de Renda. Em uma aplicação financeira, de 0 a 22%. É injusto, trabalho é mais tributado que a renda fixa.

InvestNews — Quais são as perspectivas então? Quando o mercado de trabalho vai se recuperar com força?

Depende da política. Se for como está agora, nós vamos continuar com o desemprego alto. Se não colocar o emprego como prioridade, a gente vai andar de lado. Para ter ganhos de competitividade, não adianta só fazer palestras e propaganda. Precisa fazer um pouco mais. Por exemplo, diminuir a burocracia, corrigir distorções tributárias.

InvestNews — Falando sobre a recuperação da economia, temos agora a taxa Selic em 2% como forma de tentar estimular a atividade. Quando devemos ver algum resultado disso? E o emprego vem nessa esteira?

O juro básico está caindo, mas lá na ponta não está chegando. Por exemplo, cheque especial o Banco do Brasil cobra 379,2% ao ano, 180 vezes mais caro do que a taxa básica. A Caixa Econômica Federal, 181,8%, quer dizer, 90 vezes mais caro do que a taxa básica. Então, não chega na ponta. No capital de giro, a Caixa cobra 25,59% ao ano, 13 vezes mais caro que a taxa básica. Então, até que ponto a taxa básica resolve? Tem que atuar em outras frentes.

InvestNews — Quanto da crise atual é reflexo do cenário mundial e quanto é resultado da situação doméstica?

Eu acho que é o dever de casa mal feito aqui no Brasil. Considerando as projeções de crescimento para 2020, o Brasil vai cair 5,5%. A média mundial é 4,5%. Tem coisas que dependem só da gente. Os preços das commodities dependem do resto do mundo. Mas competitividade depende só da gente.

InvestNews — A economia do Brasil vinha em um movimento de recuperação lenta da crise iniciada em 2014, e a pandemia interrompeu isso. 

Se você pega em 2017 e 2018, a gente cresceu só 1,3%. Em 2019, a gente só cresceu 1,1%, e investimentos chegaram no piso, 15%. Já estávamos mal antes, e a crise derrubou mais.

InvestNews — Quando vamos voltar ao patamar de antes das crises?

O PIB trimestral no terceiro trimestre de 2014 era 177,3, considerando o número índice. No terceiro trimestre de 2019, que foi o valor mais alto desde então, estava em 172,9. Agora está em 149,4. E as projeções são que em 2021 vai chegar a 168. Quer dizer, nós não vamos voltar ao nível de 2019 nos próximos anos. Estamos andando para trás.

InvestNews — Além de todas essas questões estruturais, o que mais está atrasando a recuperação?

Um dos pontos importantes é a questão das incertezas do resto do mundo. O resto do mundo não está vendo o Brasil muito bem. Essa postura acabou, de alguma maneira, afastando os investidores externos. Essa postura com o meio ambiente, com as queimadas, negando que exista esse problema. Com a pandemia também não foi uma atitude que favoreceu muito a imagem do Brasil.

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