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Economia

Dívida pública: entenda como ela cresceu na pandemia e por que isso preocupa

Economistas comentam que os gastos aumentaram na crise provocada pelo coronavírus, mas acrescentam que problema é ‘histórico’.

O aumento dos gastos públicos para mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus acendeu um alerta no mercado, com preocupações reforçadas sobre a já frágil situação das contas do governo e o rápido crescimento da dívida pública. Mas esse não é um problema novo no Brasil. Ele é apontado por analistas como o principal fator de dúvida sobre a recuperação da economia. 

Em julho, a dívida pública brasileira atingiu R$ 6,21 trilhões, segundo dados do Banco Central, o que representa um aumento de 12% na comparação com o mesmo mês de 2019. O montante leva em conta a dívida bruta do governo geral – o que inclui governo federal e os governos estaduais e municipais, deixando de fora o BC e as empresas estatais. O mercado acompanha esses números porque eles são uma das referências para avaliar a capacidade do país de honrar seus compromissos e, no limite, os riscos de calote.

A dívida pública aumenta quando o governo gasta mais do que arrecada. Isso quer dizer que, quando os ganhos com impostos e outras receitas não são suficientes para cobrir os gastos, o governo é financiado por seus credores (pessoas físicas, empresas, bancos etc).

Um indicador que mostra a piora da situação nos últimos meses é a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). Esse percentual vinha se mantendo perto de uma média de 77% desde meados de 2018, até pular para a casa dos 80% entre abril e maio de 2020. Até que, em julho, a dívida bruta em percentual do PIB atingiu 86,5%, de acordo com o BC.

É fato que os gastos públicos aumentaram com a crise causada pela pandemia do novo coronavírus, com medidas como o pagamento do auxílio emergencial. No entanto, especialistas apontam que a situação fiscal sempre foi um fator de preocupação – mesmo antes da crise.

“O Brasil está nessa situação justamente por problemas domésticos”, comenta Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “Não é só este governo ou o anterior, isso é histórico”, acrescenta.

Fábio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset Management, comenta que “houve, obviamente, uma deterioração adicional. O mundo inteiro teve que fazer expansões fiscais de magnitude elevada porque todo mundo entendeu que isso era necessário para poupar vidas”. “Não é isso que está afetando a incerteza e os ativos financeiros hoje. A grande dificuldade do Brasil é dar visibilidade sobre quando vai conseguir normalizar suas contas públicas“, diz o economista.

“Se você olha a performance da bolsa brasileira neste ano, é uma das piores do mundo. Em outras, já está perto do patamar de antes da crise”, compara Akira. No acumulado de 2020, o Ibovespa, principal índice da B3, tem uma desvalorização de mais de 15%.

De onde vem a incerteza

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da economia, Paulo Guedes – Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Se a continuidade do ciclo de reformas econômicas já era um fator de atenção ao mercado antes da crise, agora a falta de previsibilidade se tornou uma fonte extra de incertezas. É o que disseram os economistas ao InvestNews.

“Isso tem a ver com a falta de dinâmica das reformas. Tem a ver obviamente com toda essa confusão dos conflitos entre o presidente e o Paulo Guedes em relação a financiar o Renda Brasil, ou sustentar um programa de renda básica”, diz Akira.

“O grande ponto é que o atual governo demonstra um flerte com o aumento de gastos, podendo inclusive incorrer no mesmo erro que o governo anterior”, complementa Agostini.

“No momento, o governo não transfere confiança para os investidores”, diz ele. “Não só porque flerta com o assistencialismo, mas também por discussões que não são cabíveis no momento, como flexibilização do teto de gastos. Isso para um investidor é a mesma coisa que falar que o gato subiu no telhado e, se ele vai cair ou não, é um risco.”

Os resultados de um endividamento alto

A preocupação com a dívida pública tem relação direta com a recuperação da economia. Com as contas desequilibradas, o governo não consegue direcionar recursos para investimentos em áreas de interesse da população, como saneamento, saúde e infraestrutura – o que resulta em perda de qualidade de vida das pessoas e menor geração de empregos.

“O endividamento está indo apenas para a manutenção da máquina pública, e não investimento”, aponta Agostini. Além disso, a fragilidade das contas públicas gera desconfiança entre investidores, que deixam de direcionar seus recursos para o país.

Akira também cita os temores relacionados à inflação. “O país já passou por isso: se não consegue achar saídas fiscais, uma forma menos dolorosa (para custear as despesas) é emitir moeda, e aí a aceleração da inflação é inevitável. Quem paga é o cidadão comum.”

Comparação com outros países

dívida pública por países

Em uma lista com 95 países e regiões, o Brasil fica na 21ª posição entre os que têm maior relação entre endividamento e PIB. À frente do Brasil estão países desenvolvidos como o Japão, Estados Unidos e Reino Unido, mas há também outros como Moçambique e Paquistão.

Agostini explica que, para analisar a situação desses países, é preciso levar em conta alguns fatores. O primeiro é que, para os países ricos, ter um endividamento alto não é necessariamente ruim.

“Vamos fazer uma analogia simples: um cidadão que ganha R$ 10 mil tem uma capacidade de endividamento maior do que um que ganha R$ 1 mil, porque a capacidade de pagamento é maior e tem ativos para cobrir as dívidas”, compara Agostini. “Países desenvolvidos têm uma capacidade de endividamento maior porque têm boa capacidade de pagamento pela boa situação fiscal.”

Mas o nível de desenvolvimento e situação fiscal não são os únicos fatores que devem ser levados em conta ao analisar a lista, que inclui países com situações muito específicas, como problemas estruturais, políticos ou sociais.

Entre os exemplos de casos emblemáticos está o da Grécia, que quase saiu da zona do euro em 2015 por não ter como custear suas despesas, e o da Argentina, que entrou novamente em situação de calote com seus credores. “Temos ainda Angola, Moçambique, que têm questões de governos autoritários, por exemplo”, cita Agostini.

Para avaliar a situação dos países, o economista afirma que o principal ponto deve ser levado em conta é o crescimento da economia. “O crescimento econômico é a contrapartida do endividamento. Se você tem um endividamento crescente, mas tem aumento do PIB, acaba tendo uma compensação”, diz ele – acrescentando que esse, porém, ainda não é o caso do Brasil.

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