Economia
Dólar quase estável por 4 anos deve refletir cenário de juros
Avaliação é de especialistas que citam ainda fatores internos que devem influenciar o câmbio.
O dólar deve encerrar 2023 em torno de R$ 5,25 e passar os anos seguintes rondando o patamar de R$ 5,30, segundo previsões do mercado. Para especialistas ouvidos pelo InvestNews, o nível das taxas de juros lá fora está entre os principais fatores que devem manter o dólar praticamente estável em relação ao real pelos próximos 4 anos. Além disso, eles destacam a comparação do câmbio em termos reais.
A projeção do Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (13) é de, após fechar este ano em R$ 5,25, que o câmbio fique em R$ 5,30 em 2024 e 2025. Para 2026, a estimativa subiu a R$ 5,33.
“Enquanto os países estão brigando com inflação e uma política mais restritiva com relação a gastos, a tendência é que mantenham os juros altos para que a população gaste menos. Então, por consequência disso, a moeda estrangeira, o dólar, continua alto”, comenta Anilson Moretti, chefe de câmbio da HCI Invest.
“Então, um patamar de R$ 5,25 a R$ 5,30 deve ficar estável durante esses quatro anos para que a gente possa diminuir com o tempo os juros e ter uma política mais expansionista.”
Com juros mais altos, os Estados Unidos ficam mais atraentes para investidores, que passam a buscar o dólar (elevando então sua cotação pela alta da demanda).
O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, tem dado alguns sinais de que o ciclo de aumento de juros pode estar perto do fim. Mas, de qualquer maneira, ainda deve levar algum tempo para que as taxas comecem a ser cortadas.
Em meio à aceleração da inflação, o Fed iniciou em março de 2022 um ciclo com as altas mais rápidas dos juros desde a década de 1980. A taxa de juros do Fed está hoje na faixa de 4,50% a 4,75% – o maior patamar desde 2007, mas ainda não o suficiente para levar a inflação à meta de 2%. Atualmente, a alta de preços está perto de 5%.
“No curto prazo, tem fatores para o mercado estar um pouco mais favorável na trajetória do câmbio. O primeiro deles é a questão do provável fim do aumento de juros nos EUA, o dólar já está enfraquecendo por causa dessa perspectiva”, comenta Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo Investimentos. “Quando o Fed voltar a cortar juros em algum momento de 2024 em diante, provavelmente isso também diminui a força do dólar. Então, o mercado antecipa isso.”
Costa também cita outro fator entre as principais explicações para as previsões de o dólar se manter relativamente estável nos próximos anos: a comparação do histórico da moeda considerando a inflação, ou seja, em termos reais. Por essa análise, o dólar já estaria em patamar considerado elevado sobre o real, sem tanto espaço, portanto, para subir mais.
“Provavelmente a hipótese que o mercado está usando é de que o câmbio está bem depreciado em termos reais”, diz o economista. “Na verdade, a gente só encontra câmbios mais elevados do que esse durante o ano de 2002, na primeira eleição do Lula, quando houve uma grande volatilidade”, lembra ele.
Outro ponto importante para “segurar” a alta do dólar, segundo os especialistas, é a reabertura da China após o fim das duras restrições da política de “covid zero”. “A moeda chinesa (yuan) sobe 7% desde sua mínima atingida em outubro devido as apostas de reabertura da China”, explica o planejador financeiro José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos e planejador financeiro pela Planejar.
“Assim, as condições externas sugerem dólar mais fraco, especialmente para países exportadores de commodities e mais ligados à China – daí a importância do yuan para o Brasil”, complementa ele.
Fatores internos
Os especialistas citam ainda os fatores do cenário doméstico que devem contribuir para um câmbio mais estável nos próximos anos. O principal deles é a perspectiva de um fluxo de entrada favorável de dólares no país via mercado externo, especialmente em um ambiente de commodities em alta.
“Outro fator que explica essa relativa expectativa de que o câmbio não deprecie muito é provavelmente o desempenho que a gente tem nas contas externas. Esse câmbio é capaz de gerar um superávit na balança comercial bem robusto”, diz Costa, da Monte Bravo.
“Também provavelmente nesse horizonte a gente tem uma expectativa de preços de commodities ficando num patamar bastante favorável para o Brasil. Ou seja, os nossos termos de troca acabam facilitando o acúmulo de superávits comerciais relevantes”, acrescenta o economista.
Outro ponto favorável é a taxa de juros, com a Selic mais elevada na comparação com outros países, aumentando a demanda de investidores estrangeiros pelo real em busca de mais rentabilidade.
Do lado negativo, os receios fiscais e políticos já têm exercido pressão negativa sobre o real. Atritos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Banco Central, por exemplo, assim como incertezas sobre o aumento dos gastos públicos, são apontados como fatores de risco, elevando a cotação do dólar.
Especialistas afirmam, no entanto, a expectativa de esses efeitos se dissiparem no médio prazo. Costa cita a expectativa pela criação de uma nova regra que deve substituir o teto de gastos, por exemplo. “Considerando o horizonte dessa projeção fiscal do Focus, a questão do arcabouço fiscal vai ser provavelmente revelada, votada e algo que seja crível. Com isso, a tendência é o câmbio ficar mais favorável e responder a fluxos de capitais e superávit comercial.”
Abaixo de R$ 5 ou acima de R$ 5,50?
Embora a projeção do Focus seja de dólar estável pelos próximos 4 anos, especialistas apontam que, no curto prazo, podem ocorrer movimentações mais bruscas na taxa de câmbio.
“Do ponto de vista Brasil, é provável que o dólar siga acima de R$ 5 enquanto o Fed não fizer o seu pivot de política monetária e enquanto os investidores não conhecerem o novo arcabouço fiscal”, prevê Faria Júnior, da Wagner Investimentos, acrescentando ainda os impactos da discussão da meta de inflação no mercado.
Mas, mesmo com os riscos, o especialista não vê o dólar acima de R$ 5,50, “principalmente pelo motivo da taxa de juros bem elevada”. Por outro lado, para ficar abaixo de R$ 5, ele diz que “ será preciso a reversão da política do Fed, China crescendo acima do esperado e surpresas de políticas fiscais e monetárias no Brasil. Em resumo, é possível, mas provavelmente não para o momento”.
De maneira semelhante, Costa, da Monte Bravo, avalia que, “no curto prazo, o que pode acontecer é o câmbio ficar bem mais comportado, eventualmente até romper os R$ 5”, pelas perspectivas sobre Fed, China, novo arcabouço fiscal no Brasil e diferencial de juros pela Selic elevada. Mas a questão, segundo ele, não é o dólar chegar abaixo de R$ 5, e sim permanecer nesse patamar.
“Para ele permanecer, vai depender bastante do que a gente vai ser capaz de entregar em termos de reformas. Se elas forem favoráveis e se a âncora fiscal for favorável, o câmbio pode até ficar mais próximo de R$ 5 e não num nível tão depreciado como está agora, em R$ 5,20 ou R$ 5,30”, diz o economista.
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