Com o fim da rigorosa política “covid zero” na China, economistas consultados pelo InvestNews avaliam que o país voltará a apresentar melhora nos seus níveis de atividade econômica, fazendo com que o gigante asiático retome um ritmo de crescimento que atinja o seu potencial econômico. Eles alertam, no entanto, que a manutenção da presença chinesa no mundo e o controle da disseminação da covid, visando aquecer a economia, estão entre os principais desafios a serem enfrentados.
Após cerca de três anos, a China abriu travessias marítimas e terrestres com Hong Kong no último dia 8, encerrando a exigência de quarentena para os viajantes que chegam à região, colocando fim a um eixo final da política restritiva implementada no país asiático, que o isolou do resto do mundo, a chamada “covid zero”, marcada por testes em massa e quarentenas rigorosas.
Política de ‘covid zero’ ajudou?
A economista e especialista em mercado de capitais Ariane Benedito explica que a flexibilização da política de “covid zero” na China trouxe uma melhora considerável para os números da economia chinesa, principalmente nos níveis de atividade observados nos últimos meses de 2022, quando restrições começaram a ser relaxadas.
Segundo Benedito, a segunda maior economia do mundo deve apresentar continuidade dessa melhoria econômica em 2023, conforme o aumento do otimismo do mercado sobre o cenário internacional.
Evandro Menezes de Carvalho, professor da FGV Direito Rio e coordenador do núcleo de estudos Brasil-China, alerta que o maior desafio que a China enfrenta será manter sua presença no mundo, com suas relações comerciais e expansão dos seus investimentos para o comércio internacional para atender o crescente mercado consumidor doméstico.
PIB da China desacelerou em 2022
Em 2019, no ano anterior ao início da pandemia, o Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu 6,1%, o ritmo mais lento desde 1990. Mesmo assim, foi atingida a meta de manter o PIB no intervalo de 6% a 6,5% naquele ano.
Já em 2020, a economia chinesa encerrou o ano com crescimento de 2,3%, sendo o único país entre as maiores economias do mundo que conseguiram evitar uma retração no primeiro ano da pandemia de covid-19.
Em 2021, por sua vez, o crescimento chinês foi 8,1% e, em 2022, o PIB da China cresceu 3%, abaixo da meta de 5,5%, registrando o segundo ritmo mais lento do crescimento econômico do país em quase cinco décadas. Confira o desempenho da economia chinesa nos últimos anos:
O economista e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Vladimir Maciel, avalia que, em um primeiro momento, uma disseminação do contágio da covid-19 pode afetar o ritmo da atividade econômica de algumas regiões exportadoras da China. Todavia, segundo Maciel, não será muito diferente dos efeitos causados pela política de covid zero, que afetou negativamente também a atividade econômica.
Já Carvalho aponta que, com o fim da política de “covid zero”, a expectativa é que a economia chinesa volte a ter um ritmo que atinja o potencial de sua economia, com infraestrutura e logística muito bem preparadas para o comércio internacional e até para a economia interna.
Para o professor da FGV, com o fim das restrições sanitárias, a China ganha uma maior velocidade no restabelecimento da sua economia doméstica e também no seu comércio internacional.
“Apesar de o cenário internacional hoje ser diferente, com mais desafios, incertezas, como o conflito do país com Estados Unidos, guerra entre Russia e Ucrânia, e contexto de pandemia, esses fatores mexeram muito com o cenário internacional e têm impacto em todos os países. A China, no entanto, tem conseguido se manter como um ator importante na economia global”, explica o professor da FGV Direito Rio e coordenador do núcleo de estudos Brasil-China.
Desafios à frente
Com a reabertura das fronteiras na China no início deste ano, tem sido estimado que o pico da onda de covid-19 na China deve durar de dois a três meses e, em breve, se espalhará pelo interior do país e nas áreas rurais, à medida que pessoas viajam às suas cidades natais para o feriado do Ano Novo Lunar chinês.
Benedito diz acreditar que o desafio para a China ainda permanece nas questões de controle da covid, visando aquecer a economia para o crescimento, mas que as relações com o comércio internacional ganha relevância com a abertura da economia chinesa.
“Desde de 2020, a China enfrenta uma relação turbulenta com Estados Unidos sobre as tratativas de Pequim e Washington no âmbito tecnológico. Há uma tentativa de barrar as gigantes de tecnologia chinesas, como medidas para obstruir o acesso e o desenvolvimento do setor de semicondutores na China. Além disso, o mercado imobiliário chinês é uma preocupação para o governo, que aumentou os esforços para o combate de uma possível recessão, após os acontecimentos com a Evergrande”, diz a economista e especialista em mercado de capitais.
Já Evandro Menezes de Carvalho, professor da FGV, lembra que a China é parceira comercial de um pouco mais de 140 países no mundo, mas tem um adversário comercial, os Estados Unidos, sendo um dos obstáculos ao país asiático em meio à disputa pela liderança global com a economia dos Estados Unidos.
Mudança na rota econômica?
O presidente da China, Xi Jinping, foi reconduzido no final de outubro de 2022 ao seu terceiro mandato. Segundo economistas ouvidos pelo InvestNews, o novo governo, que vai durar por mais cinco anos, deve ser marcado pela ênfase doméstica, estratégia de poder no mundo e crescimento tecnológico.
Xi Jinping afirmou que, no seu novo governo, o país irá compartilhar as oportunidades do grande mercado chinês com o mundo, modernizar o comércio de mercadorias, acelerar a construção de um mercado interno forte e praticar parceria transpacífica e acordos de economia digital.
Ariane Benetido afirma que, se tratando de China, sempre é possível esperar qualquer mudança de cenário, devido ao controle governamental exercido. Ela destaca que o objetivo agora de Xi Jinping é o investimento em qualidade, políticas de inovação tecnológica, política industrial e as estratégias de segurança alimentar e energética.
Maciel lembra que a estratégia de crescimento do país está focada na tentativa de um certo equilíbrio entre a economia doméstica e internacional, mas com foco, sobretudo, na economia interna.
“O setor de serviços tem um peso cada vez maior no PIB, respondendo por mais da metade, a tendência é que aumente. Há metas do governo chinês de dobrar a atual população que se situa na renda média, cerca de 400 milhões de pessoas, até 2035. O foco estará na economia doméstica, no desenvolvimento verde, que se tornou liderança nesse segmento, e um investimento maior em tecnologia, inovação, na evolução de áreas como a inteligência artificial, 5G”, explica Maciel.
Impactos do avanço chinês para o Brasil
A China é o principal parceiro comercial do Brasil, nação que mais recebe as exportações da segunda maior economia do mundo. A participação do país asiático na exportação brasileira foi de 26,8% no ano passado.
Benedito explica que as expectativas para o cenário chinês obtiveram melhoras entre analistas, o que é benéfico para o Brasil, uma vez que a China é o principal parceiro comercial.
Segundo a economista, após as divulgações das projeções de um nível de atividade maior da China em 2023, o preço do minério de ferro retornou ao movimento de alta e replicou o otimismo nos ativos do setor. E que, além disso, expectativas positivas elevam os preços das commodities energéticas de modo geral.
Para Evandro de Carvalho, o Brasil, naturalmente, irá se beneficiar dessa retomada da China, sobretudo, pois o país asiático necessita das commodities brasileiras, e o Brasil necessita da China como seu principal comprador desde 2009.
Apesar disso, o professor defende que essa relação entre os países, mesmo sendo muito relevante para o Brasil, é de baixo perfil, ou seja, pois se concentra no comércio internacional de commodity por parte do Brasil e a China exporta produtos de maior valor agregado.
“O Brasil precisa criar políticas internas que façam com que a força econômica da China se torne um vetor econômico para o Brasil, não só da exportação, mas da sua industrialização, sobretudo, no campo da inovação e tecnologia. O Brasil poderia ampliar essas parcerias com a China e não ficar tão restrito somente ao comércio exterior, especialmente de commodities. Essa relação pode ser um trampolim para o Brasil desenvolver outros tipos de parcerias”, defende o professor da FGV.
O economista e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Vladimir Maciel alerta, no entanto, que uma eventual diminuição da oferta de alguns produtos importados da China pode impactar o Brasil negativamente, por causa da atividade econômica afetada pelas novas medidas. Segundo Maciel, isso não difere em termos práticos do que já vem ocorrendo nos últimos anos por causa da política de restrições sanitárias.
Relação da China com governo Lula
Em mensagem a Luiz Inácio Lula da Silva parabenizando-o pela vitória na eleição presidencial, Xi Jiping disse estar disposto a trabalhar com Lula para elevar, a partir de uma visão estratégica de longo prazo, a parceria entre as duas nações, de forma a trazer benefícios a ambos os países e seus povos.
Patricia Krause, economista da Coface, avalia que, apesar de o Brasil ter um novo presidente a partir de 2023, as relações entre os líderes não devem mudar muita coisa na economia, pois, mesmo em momento de atrito, ela se manteve forte, com fluxo de comércio e investimentos diretos que continuaram e crescendo.
Na mesma linha, Ariane Benedito avalia que, com Lula na presidência, as relações entre os dois países não deve mudar, pois, segundo ela, não foi apresentada, até o momento, nenhuma medida que estimule ou derrube os acordos comerciais com a China, que são muito importantes para a economia brasileira.
Já Maciel diz esperar uma mudança de retórica do tipo “relações mais equilibradas” do Brasil com China e Estados Unidos, e um discurso mais ameno, diferentemente do governo anterior, especialmente dos primeiros anos, mas que, na prática as relações continuarão bastante próximas.
Evandro de Carvalho, professor da FGV, diz esperar que o governo Lula seja mais ativo na relação com a China, que proponha iniciativas conjuntas com o país asiático ou a partir do interesse brasileiro.
Carvalho também defende que é importante redimensionar as relações entre os países, tendo em conta os interesses do Brasil na América do Sul. Ele explica que a China expandiu sua presença na América Latina e na América do Sul e, como o governo do Brasil não deu atenção aos seus países vizinhos, o país asiático viu uma grande oportunidade.
“O Brasil precisa retomar essa relação com a China não apenas visando seu interesse nacional, no âmbito de suas fronteiras, mas, também, seus interesses de política externa que se direcionam para a América do Sul. A China é um ator-chave desse processo. É nesse sentido que as relações China e Brasil poderão ter uma série de mudanças qualitativas a partir desse governo Lula”, conclui o professor da FGV.
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