Economia
Em 24 anos, inflação só ficou abaixo do centro da meta por 6 vezes
Desde que regime de metas foi criado, objetivo do Banco Central foi alcançado apenas em 25% do tempo.
Em 24 anos, a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) só ficou abaixo do centro da meta fixada pelo governo por seis vezes. Isso aconteceu nos anos 2000, 2006, 2007, 2009, 2017 e 2018 – o que corresponde a 25% do tempo desde que o regime de metas foi criado (veja abaixo).
A revisão da meta de inflação ganhou destaque nos últimos dias, depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o Banco Central sobre a condução da atual taxa de juros. O debate colocou em xeque a independência do órgão, uma vez que ele tem autonomia para decidir sobre o rumo da política monetária.
Não há consenso sobre o assunto no meio econômico, mas gestores de fundos mais renomados do país defenderam publicamente que a meta seja revista.
No entanto, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o assunto não estaria na pauta de discussão do Conselho Monetário Nacional (CMN), que se reuniu nesta quinta-feira (16). A reunião terminou no final da tarde sem que o colegiado tenha aprovado medidas relativas à meta de inflação.
Para 2023, o CMN instituiu uma meta para o IPCA de 3,25% ao ano, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. É o percentual mais baixo já estipulado desde que o atual regime foi criado, em 1999. Já o mercado prevê uma inflação de 5,79% este ano, segundo o último boletim Focus divulgado esta semana.
Para Ricardo Julio Rodil, líder de mercado de capitais da Crowe Macro Auditores e Consultores, as chances de a inflação voltar ao centro da meta no curto prazo são poucas.
“Algum ‘alívio’ poderia vir do comércio exterior, mas é difícil prever os rumos do conflito Rússia-Ucrânia e do embate China-USA, fora o comportamento da demanda chinesa”, avalia.
Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo Investimentos, concorda que “as chances são muito pequenas” de a inflação convergir para o centro da meta no curto prazo. Entre os principais motivos, ele cita a questão fiscal.
“Primeiro, a gente tem mais um ano de um impulso fiscal vindo pelo aumento do gasto relativamente elevado. A disposição do governo de aumentar o gasto com a PEC de transição vai gerar, ao longo do ano, pressões da demanda. Como exemplo, o aumento do salário mínimo, mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda, aumento do gasto com investimentos.”
Na maior parte do tempo, inflação superou meta
A inflação medida pelo IPCA ficou acima da meta em 75% dos anos desde que o regime passou a vigorar. A maior distância foi registrada em 2002, quando o IPCA encerrou o ano em 12,53% – ao passo que a meta para o período era de 3,5% (confira no gráfico abaixo).
Rodil, da Crowe Macro Auditores e Consultores, defende que o atual regime cumpre sua função, ficando boa parte do tempo dentro do intervalo. Ele destaca que, no período em que a meta ficou parada em 4,5%, de 2005 a 2018, a inflação média foi de 5,6% no período – dentro dos intervalos de tolerância (para mais ou para menos) de entre 1,5% e 2%.
Rodil acrescenta que, ao excluir o chamado período da “nova matriz macroeconômica”, a média da inflação cai para um pouco menos de 5%. “Podemos considerar que o regime de metas inflacionárias tem funcionado a contento no nosso país”, diz.
A meta de inflação pode mudar?
Em relatório, o Goldman Sachs informou acreditar que é improvável que a independência do BC brasileiro seja revista, argumentando que o Congresso Nacional não teria “apetite” para tanto no momento. No entanto, avalia ser provável que as metas de inflação possam subir. Se não agora, “possivelmente em junho”, prevê o banco.
Esta semana, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que não propôs ao governo um aumento da meta de inflação para ganhar flexibilidade na política monetária, mas afirmou que tem “sugestões de aprimoramento do mecanismo”.
Costa, da Monte Bravo, aponta que, se de fato as metas forem alteradas, a consequência seria “provavelmente uma deterioração da expectativa de inflação, e isso também dificulta a trajetória do IPCA se aproximar do centro da meta neste ano, ou mesmo num horizonte um pouco mais amplo, olhando para 2024″.
Sistema de metas de inflação
O sistema de metas de inflação foi criado em 1999, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como um dos três pilares do chamado “tripé macroeconômico”. Os outros dois são câmbio flutuante (deixar o dólar oscilar conforme as leis do mercado) e meta fiscal (controle das contas públicas).
Desde então, cabe ao Banco Central tomar medidas para garantir que a inflação se aproxime da meta estipulada pelo governo – e o principal instrumento de política monetária utilizado para este fim é a taxa básica de juros, Selic.
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