Em evento do BTG Pactual nesta quarta-feira (15), a tríade de gestores de peso no mercado brasileiro – André Jakurski, sócio-fundador da JGP, Luis Stuhlberger, da Verde Asset e Rogério Xavier, da SPX Capital – demonstraram que concordam sobre um tema: a necessidade de revisar as metas de inflação.
O assunto vem ganhando força desde que o presidente Lula travou uma batalha com o Banco Central sobre a atual taxa de juros, enquanto governistas e agentes do mercado também passaram a pedir por uma revisão das metas.
“Por que estamos perseguindo um objetivo inalcançável? A meta não vai se materializar. Pra terem uma idéia, nosso sistema de metas de inflação começou em 1.999/2000; sabe quantas vezes alcançamos a inflação de 3%? Uma vez. Ela foi de 2,95% em 2016.”
ROGÉRIO XAVIER, DA SPX
Segundo o fundador da SPX, a meta de inflação que foi acertada há dois ou três anos está errada. Ele defendeu que não há sentido em buscar uma inflação de 3,25% ao ano se, na média dos últimos anos, o país atinge 6%.
“Não entendo… se temos uma reunião para reavaliar as metas da inflação, por que existe um dogma tão difícil de corrigir? Por que os economistas são tão reticentes de ‘stopar’ um erro? Os gestores ‘stopam’ sua posições quando precisam ajustar a rota, por que não os economistas?”
O gestor questionou a justificativa de que a sociedade quer uma meta para a inflação; Segundo Xavier, as pessoas não sabem o que isso significa, uma vez que o brasileiro comum está acostumado a pagar uma inflação bem mais elevada, na casa dos 10%, pelo preços dos alimentos.
Verde: ‘meta irrealista não é bom para o país’
Em painel comandado por André Esteves, presidente do BTG Pactual, Stuhlberger disse concordar 100% com Xavier, uma vez que “buscar uma meta irrealista não é bom para o país”.
Para o gestor da Verde, o Brasil teve uma involução nos últimos dois anos do governo Bolsonaro, já que as medidas aprovadas foram governistas. Segundo Stulberger, o estrago por essas políticas foi imenso, gerando pelo menos R$ 200 bilhões entre despesas e perda de receitas, ou 2% do PIB brasileiro. O exemplo dado foi a PEC Kamikaze e a diminuição no ICMS cobrado sobre a gasolina e o diesel.
“Meu desejo é que possamos ter presidentes e ministros que sejam estadistas, que pensem no Brasil a longo prazo”.
O fundador da JGP fez coro afirmando que a atual meta está errada e que não é possível persegui-la, já que em seu entendimento “a ordem dos fatos, neste caso, altera o produto”.
“É mais importante primeiro definir a regra fiscal que vai substituir o teto do que ficar perseguindo a PEC 110, PEC 45, que é um negócio que não vai ter resultado este ano mas daqui a seis anos ou dez anos. não sei o motivo de estarem dando prioridade a isso ao invés de substituir a meta da inflação”.
As PECs citadas propõem mudanças no atual sistema tributário, simplificando o sistema através da substituição de tributos sobrepostos no Imposto Sobre Bens e Serviços.
Mercado internacional
O período de alta na taxa de juros nos Estados Unidos para driblar a alta nos preços também foi tema destaque do painel. Os gestores acreditam que o juro alto deva permanecer por mais tempo e que o mercado terá de se adaptar à nova realidade.
“Talvez o FED tenha de trabalhar com uma faixa de juros reais mais alta; talvez também tenhamos um problema de gerações no mercado, já que essa geração só viu juros zero e negativo. Se formos pra uma taxa de juros real de 1% nos EUA (e um juro nominal de 3,5% a 4%) talvez seja um novo normal, e isso pode ser transformacional. Estamos num momento de reflexão, de muita pesquisa, de muito estudo para rever nossos padrões históricos”, disse Xavier.
“Minha suposição é que essa inflação [nos EUA] vá ficar entre 3 e 4% por um longo período, e o Federal Reserve (FED) não vai aumentar muito mais os juros, mas estes devem ser mantidos em 5,5%”
LUIS StuHlberger, FUNDADOR DA VERDE
Para o gestor da Verde, ninguém imaginava que a taxa de juros chegaria no atual patamar, uma vez que um ano antes a taxa nos EUA era zero.
Este momento foi classificado como infernal para gestores, na visão do fundador da JGP. “Há muito tempo não vejo uma situação em que existam tantas dúvidas sobre o que vai acontecer”.
Para a JGP, a inflação mais alta deve se manter por um tempo muito maior uma vez que a produtividade está caindo e tende a cair cada vez mais. A justificativa dessa queda na produtividade é devido ao recuo na demografia, já que o crescimento da população tende a diminuir; a desigualdade social, o que implica em desaceleração do capitalismo; a descarbonização, já que o investimento necessário para isso tende reduzir a produtividade global; a desglobalização e o aumento nas dívidas, sendo esta última inimiga da produtividade, segundo o gestor.
A percepção dos gestores é também de que está havendo uma mudança na cultura do trabalho, o que por sua vez afeta na inflação futura. A pandemia trouxe à realidade o home office, o que por sua vez mudou a percepção das pessoas sobre o trabalho ideal, na visão de Xavier. “A percepção das pessoas é que o ideal seja trabalhar menos para ter um espaço de lazer no dia, ou seja: um emprego que antigamente tinha uma jornada de oito horas vem sendo feito por duas pessoas”, disse.
“Talvez não estejamos sabendo explicar direito o que está acontecendo no mercado de trabalho e como isso vai afetar a inflação lá na frente. Podemos não estar captando as mudanças. Quando pego o passado para explicar o futuro, posso na verdade não estar explicando o que vai acontecer à frente.”
rOGERIO XAVIER, FUNDADOR DA SPX
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