Economia
Fim do auxílio emergencial deve levar 15 milhões de volta à pobreza, diz FGV
Benefício reduziu a pobreza em 23% na comparação entre 2019 e agosto de 2020.
O auxílio emergencial reduziu a pobreza em 23% na comparação entre 2019 e agosto de 2020. Mas, com o fim do pagamento em dezembro, a quantidade de pessoas que tiveram aumento de renda e vão voltar à situação de pobreza no Brasil equivale a metade da população da Venezuela.
Os dados fazem parte de uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).
O pagamento do auxílio emergencial, criado pelo governo para mitigar os efeitos da pandemia do coronavírus sobre a economia, aumentou a renda média no Brasil, com muitas famílias passando a ter rendimentos superiores aos habituais de antes da pandemia. Como resultado, a quantidade de pessoas com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo caiu em cerca de 15 milhões.
Ao mesmo tempo, a crise econômica causada pela pandemia afetou os que têm renda de mais de dois salários per capita, com queda de 4,8 milhões de pessoas.
O efeito desses dois fenômenos foi um aumento expressivo na faixa intermediária de renda, com renda de meio a dois salários mínimos per capita. A alta foi de 21,4 milhões de pessoas – o equivalente a metade da população da Argentina.
Os dados lançam luz sobre a preocupação em relação à situação em que ficarão os beneficiários do auxílio depois do término das parcelas. Após negar a prorrogação dos pagamentos, o governo discute a criação de um novo programa social, o Renda Cidadã, para substituir o Bolsa Família e amparar os que ficarão sem o auxílio criado na pandemia.
Mas Marcelo Neri, coordenador da pesquisa da FGV, comenta que os programas não devem cobrir o aumento de renda criado pelo auxílio emergencial. “O Bolsa Família está orçado em R$ 35 bilhões. Esse novo programa chegaria a, talvez, R$ 70 bilhões no máximo. O auxílio emergencial é de R$ 329 bilhões. Não se vai conseguir botar em prática nada que seja próximo ao auxílio. Nove meses de auxílio equivalem a nove anos do Bolsa Família”, aponta ele.
Mercado de trabalho preocupa
A análise da FGV aponta que o auxílio emergencial não foi o único fator que influenciou nos resultados. De acordo com o estudo, outra influência foi o programa que permitiu a renegociação de contratos trabalhistas, com redução do número de horas e salário, mas com manutenção do emprego. Esse programa, no entanto, também se encerra em dezembro.
Neri diz que o programa foi “uma espécie de óleo que se colocou no mercado de trabalho”. “O mercado de trabalho também está turbinado, não é só a renda”, afirma.
A preocupação é sobre a já fragilizada situação do mercado de trabalho. A taxa de desemprego está em níveis máximos, com 13,8%, segundo o IBGE – número que poderia ser bem maior se não fosse a quantidade recorde de pessoas que desistiram de procurar trabalho durante a pandemia.
‘Insustentabilidade do cenário’
Além dos dados do mercado de trabalho, Neri cita outros indicadores que revelam que o auxílio emergencial criou uma situação econômica “insustentável”. “Os dados do comércio, por exemplo, de que durante a pandemia houve recorde de vendas, mostram a força do auxílio emergencial e talvez a insustentabilidade desse cenário”, diz ele.
Falando sobre a queda da pobreza revelada pela pesquisa, Neri diz que “nunca houve um retrato tão positivo quanto o de agosto, e por isso ele é frágil”. “Agosto é um retrato fugaz. Daqui para frente, a gente vai só descer a ladeira”, diz o economista.
Comparando com outros países da América Latina, Neri diz que o Brasil foi o que lançou mão do aumento de gastos com maior intensidade para combater os efeitos da pandemia sobre a economia. “A gente tinha uma situação fiscal delicada desde antes da pandemia. E tivemos uma reação contra a pandemia mais generosa que outros países. Só que a gente não tem mais recursos para continuar fazendo isso, porque pode gerar uma instabilidade, dificuldade de financiamento”, diz Neri. “Eu acho que a gente ainda está na fase 1 da pandemia, e com muita anestesia”, complementa o economista.
Com a redução da arrecadação do governo por conta da crise e o aumento dos gastos, a dívida pública vem aumentando aceleradamente durante a pandemia, causando preocupação entre especialistas e no mercado financeiro.
Outra preocupação é com a retomada da economia no Brasil, já que a pandemia do coronavírus chegou ao Brasil em um momento em que o país ainda vivia um processo de recuperação lenta da crise iniciada em 2014. “Essa crise chega ao país com a situação social já debilitada”, comenta Neri.
“A gente viveu uma grande recessão, com uma lenta retomada e com a desigualdade em alta em todo o período. E a desigualdade funciona como areia que você joga na engrenagem da economia. Não existiu retomada para os pobres”, analisa o economista.
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