Economia
Home office passa longe de maioria dos trabalhadores brasileiros
Sem poder trabalhar de casa, esse grupo também encontra mais dificuldade para se recolocar na retomada da economia.
Difundido pela pandemia de covid-19, o trabalho remoto passa longe da realidade da grande maioria dos trabalhadores brasileiros. Sem poder trabalhar de casa, esse grupo também encontra mais dificuldade para se recolocar na retomada da economia. Em sua maioria, são trabalhadores mais jovens e de menor escolaridade. É o caso de garçons, vendedores de lojas, manicures e empregadas domésticas.
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Antes da crise, as vagas de trabalho, formais e informais, que necessariamente são presenciais somavam 79,7 milhões de trabalhadores – 86% do total de empregados no fim de 2019. Essa parcela perdeu mais empregos com a crise, na comparação com os 12,9 milhões de trabalhadores em vagas que podiam ser executadas a distância, conforme um estudo em andamento da consultoria IDados, obtido com exclusividade pelo “Estadão”.
Com a piora da pandemia neste início de 2021, a tendência é que as oportunidades nas profissões necessariamente presenciais sigam mais raras, o que deverá contribuir para a alta do desemprego e o aumento da pobreza – conforme projeção do pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), sem o auxílio emergencial, 62,4 milhões de brasileiros, quase um terço (29,5%) da população, começaram este ano abaixo da linha de pobreza.
Segundo Bruno Ottoni, pesquisador do iDados, no quarto trimestre do ano passado a população ocupada nas profissões propícias ao trabalho remoto era 3,4% menor do que um ano antes, em igual período de 2019. Enquanto isso, a variação da população ocupada em vagas necessariamente presenciais apontava para o fechamento de 8 milhões de vagas ante um ano antes, um tombo de 10% na ocupação desse grupo. É uma retração três vezes maior do que a vista nas profissões propícias ao trabalho remoto – a discrepância aumentou, em relação ao terceiro trimestre.
O estudo do IDados usa as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, replicando a classificação de ocupações propícias ao trabalho remoto de um estudo publicado no ano passado nos Estados Unidos.
O perfil do trabalhador remoto é composto majoritariamente por mulheres brancas que completaram o ensino superior, diz Geraldo Góes, especialista em políticas públicas e gestão governamental do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), órgão do Ministério da Economia. Esse tipo de profissional está concentrado no Sudeste e no Distrito Federal.
“Quanto maior a renda per capita do Estado, maior a escolaridade local, maior a proporção de pessoas trabalhando remotamente. Tem muito pouco trabalho remoto no Norte e Nordeste, mas na Faria Lima tem bastante”, afirma Góes.
Discrepância
Para Ottoni, do IDados, a discrepância na dinâmica de abertura e fechamento de vagas entre os dois grupos tende a aumentar neste primeiro trimestre, quando a economia deverá encolher frente o quarto trimestre de 2020. Os trabalhadores enfrentarão, ao mesmo tempo, a piora da pandemia e a falta do auxílio emergencial, já que a retomada do pagamento do benefício ficou mesmo para abril.
“Minha expectativa, diante do que tenho analisado dos dados antecedentes, é que, em janeiro e fevereiro, as pessoas voltaram para o mercado de trabalho, voltaram a procurar emprego, porque o auxílio acabou”, diz Ottoni.
Os trabalhadores informais devem ter retomado suas atividades, de acordo com Ottoni. Com a abertura de vagas formais nas empresas que estavam funcionando mais ou menos normalmente em janeiro e fevereiro – antes do aperto nas restrições ao contato social -, a ocupação deve ter crescido. Por outro lado, sem o auxílio, os informais podem ter voltado a trabalhar por qualquer remuneração. O rendimento do trabalho pode ter despencado.
Nova remuneração
O representante comercial Fabio Chrisostomo, de 25 anos, trabalhou com carteira assinada para uma cervejaria artesanal até abril de 2020. Perdeu o emprego quando a empresa foi afetada pela suspensão dos eventos presenciais e pelo fechamento de bares e restaurantes. Nos meses que se seguiram, conseguiu um trabalho na manutenção de sistemas de chope, e agora está de volta à cervejaria, mas remunerado por comissão.
“O volume de vendas ainda não é suficiente para manter todos os custos de um funcionário com carteira assinada. Bares e restaurantes estão comprando só o essencial. A projeção para o futuro, com a vacinação, é muito boa. A pandemia é que está travando tudo”, conta Chrisostomo.
O economista Cosmo Donato, da LCA Consultores, lembra que a retração da economia não será como em 2020, no início da pandemia, porque o choque “não é inesperado”. Ao mesmo tempo, o trabalhador informal “está tão vulnerável quanto antes”. Nesse quadro, a economia segue em retomada na comparação com 2020, mas com desemprego maior e aumento da pobreza.
“O cenário da segunda onda da pandemia é uma recuperação mais desigual”, afirma Donato. Por isso, para o economista, “é importante, sim, pensar em medidas” para mitigar a crise, como a reedição do auxílio emergencial.
Domésticas estão entre os mais atingidos
Há um ano, com a chegada da pandemia, o País parou. As famílias de renda média e alta, que puderam ficaram em casa, usar o comércio eletrônico e as entregas em domicílio dos restaurantes, também mudaram suas combinações com as empregadas domésticas. Destaque nas ocupações que não podem ser exercidas remotamente, as domésticas estão entre os trabalhadores mais atingidos pela crise. Ano passado, 1,2 milhão de pessoas perderam o emprego nessa atividade, 16% do total de vagas fechadas, entre formais e informais, segundo o IBGE.
A adaptação à pandemia passou por vários arranjos. Houve famílias que seguiram pagando salários normalmente, mesmo sem os serviços prestados. Nas relações formais, com carteira assinada, foi possível dar férias, suspender contratos e reduzir jornadas. Nas relações sem carteira, incluindo diaristas e as domésticas mensalistas em situação ilegal, foi mais difícil ficar apenas na redução do salário. Em todos os casos, não faltaram demissões.
A piora da pandemia agrava o quadro. O Sindoméstica, sindicato das domésticas do Rio, percebeu aumento das demissões formais neste início de ano. Foi o que aconteceu com Eliana Maria de Moura, de 36 anos, demitida em meados do mês passado, após quase um ano de isolamento, passando a maior parte do tempo em casa. No fim do ano, passou pelo trauma de perder a mãe, vítima da covid-19.
“Graças a Deus meus patrões seguraram por quase um ano. Sou muito grata a eles”, diz Eliana, que recebeu o salário integral de R$ 1,4 mil o tempo todo, mesmo reduzindo a jornada. Durante a pandemia, ela ia trabalhar uma vez por semana, ou a cada quinzena. Na demissão, os patrões alegaram que não estavam conseguindo manter o pagamento, conta Eliana.
Segundo Luana Pinheiro, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a piora da pandemia e o aperto na renda das famílias que contratam os serviços dificultam a retomada das vagas perdidas. Isso num quadro de rendimentos em queda, pois “as domésticas que trabalhavam em faxina cinco ou seis dias na semana passaram a ter um ou dois dias”.
A economista Hildete Pereira de Melo, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que a crise poderá “empurrar” mais mulheres para o trabalho doméstico. Muitas vezes, o serviço serve como “bico” ou última opção quando elas perdem o emprego em outras atividades.