Economia
ICMS fixo sobre gasolina: ‘a pretexto de ter simplificação, houve aumento’
Frase é de tributarista, que defende que alíquota única seja revista periodicamente.
“A pretexto de ter uma simplificação, houve o aumento.” A frase é de do especialista em Direito Tributário Cassiano Menke, sobre a mudança na cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis que passa a valer nesta quinta-feira (1º) em todo o país.
Com a nova regra, a cobrança do ICMS sobre a gasolina será fixada em R$ 1,22 por litro, deixando portanto de ter alíquotas proporcionais ao valor e definidas por cada estado, variando entre 17% e 18%.
Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço médio da gasolina nas bombas estava em R$ 5,26 por litro na semana terminada na última sexta-feira (27). Considerando um percentual de 18% de ICMS, o valor médio do tributo seria próximo de R$ 0,94 por litro – ou seja, abaixo da nova cobrança fixada em R$ 1,22.
Vale lembrar que o cálculo leva em consideração uma média nacional do preço – ou seja, a mudança pode variar de acordo com o estado. Além disso, há outros fatores além dos impostos que impactam o preço nas bombas, como reajustes nas refinarias e a cadeia de distribuição.
Menke, que é membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS e consultor tributário da FGV/RJ, aponta que a unificação tem um aspecto positivo, que é a cobrança monofásica do imposto estadual, “ou seja, a incidência do ICMS uma só vez na cadeia”. “Até então, incide ICMS da refinaria para a distribuidora, da distribuidora para o posto e do posto para o consumidor. Agora passa a valer uma vez só.”
No entanto, segundo ele, o efeito adverso foi o encarecimento do preço da gasolina, impactado por fatores externos como o preço do petróleo. “Isso talvez prove que a alíquota do combustível, embora possa ser única, tem que ser revisada constantemente porque temos mudanças muito rápidas em matéria de combustível e também realidades muito diferentes nos estados.”
Veja abaixo a entrevista do especialista ao InvestNews:
IN$ – Como você avalia a medida que mudou a cobrança de ICMS sobre combustíveis?
Menke: Essa medida tem como causa uma mudança que houve no ano passado na legislação tributária nacional. A rigor, a Constituição prevê que os combustíveis devem ser tributados de forma nacional. Tem uma tributação unificada. E a Constituição prevê que a lei complementar faça essa regulação, regulará essa tributação monofásica e com alíquotas únicas. Essa lei complementar veio no ano passado, 192 e 194.
Mas o governo passado, ao mesmo tempo que quis implementar essa monofasia, ele mexeu na base de cálculo, nas alíquotas. E os estados entraram em guerra com a União. Aí então, no Supremo Tribunal Federal (STF) é que houve um acordo e foi feita a deliberação das alíquotas.
Surgiu então essa unificação, que é boa, saudável, simplifica. Tem a questão não só da unificação, mas a monofasia também, ou seja, a incidência do ICMS uma só vez na cadeia. Até então, incide ICMS da refinaria para a distribuidora, da distribuidora para o posto e do posto para o consumidor. Agora passa a valer uma vez só.
São medidas que têm, no fundo, uma causa. São medidas salutáveis, em tese. Mas ela acabou vindo causar um aumento da tributação, o que não é salutar. A pretexto de ter uma simplificação, houve o aumento.
IN$ – Quando houve a decisão, em 2022, o preço médio da gasolina no Brasil estava perto de R$ 7. Hoje o litro custa, em média, perto de R$ 5,26. Considerando um percentual de 18% de ICMS, o valor médio do tributo seria próximo de R$ 0,94 por litro antes da mudança – ou seja, abaixo da nova cobrança fixada em R$ 1,22. Como essa flutuação do preço da gasolina dialoga com um imposto com valor fixo?
Menke: isso talvez prove que a alíquota do combustível, embora possa ser única, tem que ser revisada constantemente porque temos mudanças muito rápidas em matéria de combustível e também realidades muito diferentes nos estados.
Devemos lembrar também que, em março de 2022, não era R$ 1,22, era R$ 1,45. Foi baixada depois.
Esse é um ponto que, para mim, ainda não está fazendo sentido: se consegue alcançar uniformidade, mas aumenta a tributação. E não podemos nos esquecer que o combustível é um bem essencial. E o STF já decidiu que bens essenciais tem que ter tributação favorecida. Não é o que estamos vendo aqui.
IN$ – Além da mudança do ICMS, também temos no horizonte o fim da reoneração parcial do PIS/Cofins sobre os combustíveis. Devemos ver, então, uma pressão a mais no bolso do consumidor. Como vê essa questão?
Menke: No âmbito federal, estamos passando por uma reoneração de algumas atividades, em um esforço do governo de reonerar algumas atividades que eram desoneradas. Juros sobre Capital Própior o governo já diz que quer reonerar, Imposto de Renda sobre distribuição de lucros também… Para os combustíveis, a tendência é que vai reonerar.
O que me preocupa nisso é que estamos aumentando a carga tributária sobre um bem essencial que é a força motriz para a economia. Não é o melhor mecanismo para fazer justiça tributária. Deveria tributar mais pesadamente a renda, e não o consumo sobretudo de bens essenciais. Eu vejo que o governo deveria fazer fechar a conta de outra maneira.
IN$ – Historicamente, já vimos episódios de controle político sobre o preço dos combustíveis e alteração nos impostos em ano eleitoral para baratear os custos, por exemplo. Como isso impacta a discussão sobre tributação a longo prazo?
Menke: Eu vejo com muitas ressalvas, porque um dos valores mais importantes para nós termos um mercado desenvolvido ou em desenvolvimento é o valor da estabilidade, da previsibilidade. Toda vez que você tem no mercado mudanças sistemáticas, bruscas, drásticas, você contribui para a restrição desse valor, e não promoção desse valor.
Nessas idas e vindas, a cada mudança dessa, as empresas têm que se realinhar, recalcular sua operação, isso não é um ambiente sadio para negócios.
IN$ – Especificamente sobre a nova alteração no ICMS, acredita que há alguma chance de mudar novamente?
Menke: Acho muito difícil reverter. Pode-se tentar uma reversão judicial, já que essa alíquota não promove a essencialidade dessa mercadoria que é o combustível. Mas acho difícil porque o Supremo participou do acordo. Claro que o Supremo não fixou a alíquota, foi o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).
Quem tem autoridade para mudar a alíquota é o Confaz. Isso teria que ser feito mediante a mudança do convênio atualmente vigente. O Confaz edita normas, chamadas convênios. Esses convênios são usados pra dispor sobre unificação de procedimentos entre os estados. Os estados é que têm competência para colocar isso na pauta novamente.
Mas acho difícil que o façam, porque os estados também precisam fechar a conta.
No pano de fundo de tudo isso está um problema chamado problema federativo. Tudo isso está ocorrendo porque os estados perderam arrecadação. Na verdade, nós temos uma distribuição desequilibrada, a União acaba tendo uma fatia muito maior dos tributos. Temos um desequilíbrio financeiro entre os entes federados.
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