Economia
Moeda comum sul-americana: taxa de câmbio fixa é maior desafio, veem analistas
Especialistas ouvidos pelo InvestNews afirmam que diferenças econômicas e fiscais entre países também são pontos negativos.
A discussão sobre a adoção de uma moeda comum sul-americana para uso comercial e financeiro entre países que integram o Mercosul voltou à tona no último domingo (22), após a divulgação de um comunicado em conjunto do Brasil e Argentina.
Na segunda-feira (23) foi anunciada a criação de um grupo entre economistas brasileiros e argentinos para estudar a viabilidade da criação da moeda que deve estimular os negócios entre os países do bloco.
O assunto, que existe há décadas e nunca saiu do papel, ressurgiu com o artigo assinado pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo presidente da Argentina, Alberto Fernández, antes da visita de Lula à Buenos Aires.
“Pretendemos superar barreiras às nossas trocas, simplificar e modernizar regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda comum sul-americana que possa ser utilizada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo os custos de operação e diminuindo a nossa vulnerabilidade externa”, diz o comunicado.
De acordo com o governo brasileiro, a proposta foi retomada em meio à queda da exportação da Argentina dos produtos brasileiros, por causa da necessidade de pagar em dólar [moeda usada nas relações internacionais], e aumento da relação comercial com a China. Atualmente, o Brasil é o maior parceiro comercial da Argentina: cerca de 15% das exportações do país vizinho têm como destino o Brasil.
Diferenças econômicas pesam
O economista e professor do Ibmec Alexandre Pires diz que o grande desafio da adoção da moeda comum seria estabelecer a paridade e taxa de referência entre as moedas locais.
“A adoção de uma moeda comum implica em uma taxa de câmbio fixa entre suas economias. E essa taxa de câmbio fixa no longo prazo pode se tornar não competitiva para um dos membros da união monetária”, afirmou.
Ele explica que é difícil manter uma taxa cambial fixa em países que têm dinâmicas macroeconômicas distintas como inflação, índices de produtividade e níveis de renda. E quando as principais taxas não são convergentes e estabilizadas, a tendência é que, no curto ou no médio prazo, a taxa de câmbio em que a nova moeda foi criada se torne pouco competitiva para uma das partes e não consiga absorver o choque internacional que a região está recebendo.
O CEO da Top Gain, Alison Correia, também acredita que estabelecer uma taxa referencial da moeda comum seja a maior dificuldade.
“Você precisa criar uma métrica de valor para moeda comum levando em consideração pesos e medidas diferentes de cada país. Isso é uma grande dificuldade até para chegar a um preço único porque a questão financeira, da inflação, dos bancos centrais e políticas adotadas é muito diferente.”
Em 2022, a inflação argentina chegou a quase 95%, enquanto no Brasil foi de 5,79%. Já o PIB argentino corresponde a 1/3 do PIB brasileiro.
“As distorções econômicas dos países e as situações que eles vivem no dia a dia é o que faz exatamente com que se tenha uma dificuldade em encontrar um valor justo ou padrão que possa ser transacionado de forma comum”, enfatizou Correia.
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O que é a moeda comum para o Mercosul?
A ideia da moeda comum é diferente da moeda única [caso do euro], já que não elimina o real brasileiro e as demais moedas do Mercosul como o peso argentino, peso uruguaio, peso chileno e o guarani paraguaio, entre outras. O objetivo é reduzir os custos das operações financeiras e comerciais, além de excluir o uso do dólar como intermediário, já que a moeda norte-americana é usada como parâmetro das transações internacionais.
“A ideia é criar uma integração, uma coordenação política de intercâmbio econômico entre os países da região para facilitar o pagamento do comércio, transferências financeiras e transações entre empresas e a população para excluir a necessidade de utilizar o dólar.”
Alison Correia, CEO da Top Gain.
No entanto, ainda não está definida se a moeda será apenas virtual e utilizada como unidade de conta [referência de valor] ou se será emitida pelo Banco Central.
Impactos para o Brasil
O economista Alexandre Pires afirmou que se a moeda comum não for emitida em papel e definida apenas como unidade de compra, o Brasil não terá impactos negativos com as transações financeiras.
“Se criar uma moeda comum e as taxas ficarem flexíveis não tem problema algum. Os governos vão a todo momento fazendo ajustes, não tem uma flutuação muito clara em relação às duas moedas, mas em relação ao dólar pode ser que flutue. Provavelmente, a moeda vai ser ancorada ao real que é mais forte”, explica o professor do Ibmec.
Agora, ele destaca, que se a moeda for emitida vai chegar o momento em que o brasileiro terá que pagar contas dos argentinos devido às diferenças econômicas discrepantes.
“Nós teríamos que comprar títulos do Banco Central argentino ou da dívida argentina pra emitir moeda nova para manter economia funcionando. E, no limite, teríamos que fazer transferências diretas para Argentina fechar seu orçamento, que é seu principal problema.”
Para Maciel Vicente, da iHUB, a vantagem é que uma moeda única aproxima as economias dos países envolvidos, reduz custos, e pode melhorar o desempenho econômico dos países.
“Como desvantagens, considerando as grandes diferenças econômicas internas, fiscais e no comércio exterior, haverá barreiras econômicas e políticas a serem superadas, como por exemplo o controle de inflação e desemprego via política monetária.”
O analista de câmbio da Ourominas, Elson Gusmão, é mais enfático e diz “não ver sentido nenhum” na adoção da moeda e que não consegue ver vantagens na união das transações financeiras entre o bloco sul-americano.
Vai ser criado um Banco Central Único?
A criação de um Banco Central Único é uma das últimas fases de integração econômica, e deve ser precedido de etapas de cooperação e coordenação dos Bancos Centrais até sua efetiva centralização em um único órgão responsável pela política monetária.
Ainda não há detalhes sobre o assunto, mas, segundo especialistas, se a moeda for emitida é necessário criar um Banco Central comum, o que não excluiria os bancos centrais dos países membros. Agora, se a moeda for apenas uma moeda de unidade de conta (moeda fictícia), não haverá necessidade, pois a moeda não existirá para a população.
“Se for adotado mecanismos como no CCR – Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos, os Bancos Centrais terão papel fundamental para garantir a paridade justa nas transações envolvendo a moeda comum”, afirmou Maciel Vicente, economista e assessor cambial na iHUB Câmbio.
Cortina de fumaça?
O analista Andrey Nousi, CEO da Nousi Finance, alerta que a medida poderia fazer com que pesos argentinos, moeda desvalorizada em relação ao real, fossem enviadas para o Brasil, fazendo que ainda houvesse uma transação intermediária em dólar para a troca do dinheiro argentino.
“Como o vendedor brasileiro não tem necessidade de ter peso argentino, ele teria que vender. Então, de todas as formas teriam custos adicionais, o que na minha opinião é um dos grande pontos de porquê essa moeda comum não seria tão necessária, dado que o intermediário elevaria os custos. Seria uma cortina de fumaça.”
Ele argumenta que para fomentar o comércio do Brasil com a Argentina seria necessário uma infraestrutura adequada para escoamento de safra, bons portos, regulamentação e incentivos fiscais, entre outras medidas.
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