Economia

O que é de fato inovação? Uma observação do termo do passado para o futuro

Entre tantas novas tecnologias, o bitcoin muda o padrão e a forma em que trocamos informações; entenda.

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Inicio hoje essa nova jornada. 

Tenho o desafio de criar uma série de artigos para o InvestNews tratando de tecnologias mais distribuídas do que centralizadas, como o bitcoin, criptomoedas, tokenização e NFTs. A ideia é abordar esses assuntos trazendo, na medida do possível, as lentes da inovação e um ponto de vista sobre os impactos que cada uma dessas tecnologias pode causar – ou já está causando – em diversos setores da economia e na nossa sociedade. 

Antes de tudo, caro leitor, gostaria de deixar registrado aqui o meu agradecimento a toda equipe do InvestNews, pela confiança e por todo o suporte fundamental que foi disponibilizado. 

Para este primeiro artigo, quero falar um pouco sobre inovação e, mais particularmente, o meu entendimento sobre esse conceito, que não é tão simples como pode parecer e contempla diversos pontos de vista.

Inovação é um conceito que vem sendo amplamente debatido há muito tempo e ganhou muita força nos últimos sessenta anos, principalmente com o advento da computação. Quando falamos sobre inovação sem uma contextualização, podemos levar a entendimentos distintos, como os seguintes: 

  • Inovação pode ser a melhoria de um produto ou serviço? Pode.
  • A criação de um novo modelo de negócio é uma inovação? Claro que é.
  • E uma nova tecnologia, ou um novo padrão de interação, que toma tamanha proporção, rasga o tecido social e muda drasticamente a maneira pela qual uma boa parte da sociedade interage? Também é.

É sobre esse último conceito de inovação que eu gostaria de abordar aqui.

Esse fenômeno vem acontecendo em diversos momentos da nossa história. No livro From Gutemberg to Google — The History of Our Future, o autor Tom Wheeler, ex-chairman da Federal Communications Commission (FCC) destaca alguns dos principais marcos tecnológicos e como algumas pessoas ou grupos foram beneficiados através da compreensão de seu potencial, mas ainda mais importante, pela sua adoção precoce.

A prensa de Gutemberg (século XV)

Até o surgimento da Prensa de Gutemberg, a disseminação da informação através da escrita era muito lenta, comparado ao que estava prestes a acontecer. Um escritor da época precisava, manualmente, fazer cópias de sua obra para que ela pudesse ser distribuída. Levavam-se dias, semanas ou meses para que uma única cópia fosse finalizada. 

Mais do que permitir que a reprodução de ideias através da escrita ganhasse uma nova proporção, a Prensa de Gutemberg representa um grande marco histórico por permitir que a disseminação das informações começasse a fluir de forma muito mais veloz.

Antes deste grande marco, podemos pinçar na história diversas outras tecnologias de prensas que não causaram a mesma revolução por diversos motivos, como por serem caras demais, difíceis de serem montadas, entre outros.

A grande diferença de Gutemberg foi a forma como sua prensa foi proposta. Não foi apenas o fato de imprimir mais rapidamente algumas ideias, mas sim de como a própria prensa era mais facilmente reproduzida.

A grande inovação foi aí: uma espécie de um novo protocolo que ofereceu a oportunidade de outras pessoas montarem mais facilmente suas próprias prensas e, por consequência, difundirem outras ideias. A partir deste momento, diversas outras prensas começaram a ser montadas para imprimir e espalhar ideias.  

Um grande exemplo foi um monge alemão que viveu no século XV, chamado Martin Luther (não o King), que compreendeu rapidamente o potencial dessa nova tecnologia e começou a usá-la para disseminar sua mensagem. Passou então de um monge desconhecido para um dos líderes protestantes da época e cujas ideias perduram até os dias de hoje. 

Além de Tom Wheeler, a prensa de Gutemberg é vista por outros autores como a tecnologia que permitiu nosso estilo de vida atual e é, provavelmente, a grande invenção para a sociedade moderna em que vivemos. 

Sistema ferroviário (início do século XX)

Conectar cidades por vias terrestres antes da criação dos trens era uma tarefa árdua, pois essas viagens até então eram feitas com veículos a cavalo e por estradas bastante precárias. 

No início dos anos 1900, as ferrovias chegaram para conectar as cidades de uma forma muito mais rápida, barata e eficiente, aumentando significativamente a interação entre as cidades e o potencial de seu desenvolvimento nos anos subsequentes.

St. Louis, em 1870, ocupava o posto da 4ª maior cidade dos Estados Unidos com aproximadamente 310 mil habitantes, enquanto Chicago era a 5ª colocada, com 298 mil habitantes. Nesta época, a cidade de Chicago compreendeu o valor do sistema ferroviário que estava sendo implantado no país e, rapidamente, abraçou-o, enquanto St. Louis resistiu a essa inovação.

Os resultados são percebidos até hoje: Chicago acabou se transformando em um grande e importante ponto de conexão para o leste do país e sua população não parou mais de crescer, ocupando atualmente o posto de terceira maior cidade do país, com 2,6 milhões de habitantes. St. Louis teve um crescimento muito mais lento desde aquela época e iniciou inclusive um processo de decrescimento, ocupando hoje a 65ª colocação com uma população de 300 mil habitantes, até menor do que em 1870.

Internet (final do século XX)

Chegamos agora até a revolução digital, o surgimento e a disseminação da internet que alterou radicalmente os meios de comunicação e a forma como interagimos atualmente.

É bastante óbvio notar que o mundo é outro, mas podemos escolher o exemplo dos jornais. Antes da internet, contávamos apenas com jornais locais pouco conectados entre si e com escopo limitado. Essa indústria se transformou em um grande meio interconectado de informações globais, que nos permite ter acesso quase instantâneo a ideias e acontecimentos de qualquer canto do mundo. Antes da internet, era impossível imaginarmos que seríamos capazes de acompanhar ao vivo os detalhes de uma guerra ou até mesmo as minúcias dos descobrimentos científicos mais atuais.

Essas inovações citadas anteriormente (a prensa de Gutemberg, o sistema ferroviário e a internet) estão intrinsecamente relacionadas à conectividade e ao padrão centralizado, descentralizado ou distribuído de como nos organizamos para trocar informações. 

Neste momento, é impossível não citar o trabalho de Paulo Baran, um pesquisador e cientista da computação que, nos anos 1960, desenvolveu  uma série de estudos chamados On Distributed Communications (Em Comunicações Distribuídas, na tradução), que são apontados como a base para o que veio a ser a internet posteriormente. 

Paul Baran apresentando seu estudo em 2009.

Este é um tema que merece um holofote mais específico no futuro, mas, por ora, deixo aqui algumas reflexões:

  • Tente imaginar todas essas inovações lá em seu início. Ao que elas se propunham? 
  • O que elas se tornaram ou como elas se transformaram anos depois?
  • Será que Gutemberg tinha ideia do impacto que causaria no mundo? 
  • No começo das ferrovias e da internet, era possível prever o que e como essas tecnologias mudariam o mundo?

A resposta não é fácil, mas dificilmente conseguimos entender inovações tão significativas de forma antecipada. Nós conseguimos olhar para trás e, sim, perceber como tudo isso aconteceu ao analisar seus impactos. 

Já dizia Marshall McLuhan no livro livro Understanding Media: The Extensions of Man (Entendendo a Mídia: As Extensões do Homem, na tradução):

“Nós nos tornamos o que vemos. Nós moldamos nossas ferramentas e, a partir de então, nossas ferramentas nos moldam.”

O que eu quero dizer com isso? Uma vez que uma tecnologia é colocada em uso, na mão das pessoas, perde-se o controle sobre ela, assim como ela vai se transformando de tal forma que é impossível prever ou controlar seu rumo.

E, agora, será que estamos diante de mais uma dessas tecnologias que alteram drasticamente a forma como vivemos?

Bitcoin

Olhando para esse cenário que descrevi acima, podemos fazer algumas análises. 

Estamos vivendo o nascimento desta tecnologia, pois o mercado ainda é bastante jovem (13 anos aproximadamente do seu surgimento) e relativamente pequeno quando comparado com mercados mais antigos e consolidados (US$ 800 milhões no momento em que escrevo esse artigo).

Mas, já podemos notar alguns indícios de que possivelmente podemos estar diante de mais uma dessas tecnologias revolucionárias. 

O bitcoin muda o padrão e a forma em que trocamos informações? Neste caso, um ativo financeiro global, escasso e inconfiscável? Acredito que sim. 

Olhando para sua arquitetura e governança mais distribuída do que centralizada, para a forma como foi proposto e para todo o ecossistema que já foi criado em volta do bitcoin, entendo que é mais um desses marcos que olharemos lá do futuro nos perguntando: “como não conseguimos identificar isso mais rapidamente?”.

Uma passagem interessante na história do bitcoin foi quando, no final de 2010, o Wikileaks anunciou que iria começar a aceitar bitcoin. Naquele momento, Satoshi Nakamoto (pseudônimo do criador da criptomoeda) ainda estava ativo na comunidade e soltou a seguinte mensagem:

“Apelo ao WikiLeaks para não tentar usar o bitcoin. Bitcoin é uma pequena comunidade beta em sua infância. Você não suportaria receber mais do que trocados, e o calor que você traria provavelmente nos destruiria neste estágio.”

Porém, nem mesmo Satoshi Nakamoto conseguiria controlar sua criação naquele estágio e o bitcoin foi se transformando através do uso entre as pessoas até chegar em seu momento atual. 

Neste momento, muitos podem estar pensando: “mas nesse mercado cripto, De-fi, NFTs, etc, um artigo falando que o bitcoin é ainda o mais inovador?”

Sim, ao longo desta jornada, abordarei essas diversas outras tecnologias que derivaram do bitcoin. 

Não é possível, no meu entendimento, compará-las tão diretamente, mas é preciso estabelecer aqui essa diferença: nenhuma outra tecnologia contempla todas as características que o bitcoin conseguiu, sendo uma rede incensurável para a transação de um ativo digital escasso de pessoa para pessoa e através de um processo descentralizado de validação.

E, muito provavelmente, nenhuma outra conseguirá atingir tal fato. 

*Thiago Padovan é co-fundador da Blockchain Academy e co-fundador e consultor em inovação e tecnologias distribuídas no projeto Movements Network. Ele vem atuando nos últimos anos em projetos de educação, inovação e Blockchain para empresas e agências de publicidade.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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