Economia
Pandemia e PIB: por que alguns países devem sair mais prejudicados que outros?
Segundo o FMI, economia global deve encolher 4% em 2020.
A pandemia do novo coronavírus mudou drasticamente as previsões para a economia mundial. Enquanto em outubro de 2019 a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) era de que o Produto Interno Bruto (PIB) global tivesse uma alta de 2%, o relatório mais recente, de outubro de 2020, projeta uma queda de 4,4%. E, em meio à mudança de cenário, alguns países devem sair mais prejudicados que outros.
O relatório do FMI tem previsões para a economia de 190 países. Na versão de outubro de 2019 (antes dos temores sobre o contágio da covid-19 afetarem as previsões do órgão), a expectativa era queda do PIB para apenas 9 países. No documento de outubro de 2020, esse número subiu para 165.
Para o Brasil, a projeção mais recente do FMI é de queda de 5,8% do PIB neste ano – um cenário bem diferente do previsto no relatório de outubro de 2019, de crescimento de 2%. No entanto, a estimativa já esteve pior: em junho, o Fundo chegou a prever uma retração de 9,1% do PIB brasileiro em 2020.
Entre os 190 países avaliados, a perda de 7,8 pontos percentuais entre as projeções pré e pós-pandemia coloca o Brasil na 93ª posição no ranking da comparação dos desempenhos do PIB.
A projeção atual para o Brasil é pior que a previsão de queda de 4,4% para a economia global, e também na comparação com a média para os países emergentes e em desenvolvimento, que devem ter, juntos, um encolhimento de 3,3% da atividade econômica, segundo o FMI.
No entanto, a previsão para a economia brasileira não é tão ruim quando a dos demais países da América Latina e Caribe, que devem ter retração média de 8,1%, pouco menos que os 8,3% de queda previstos para a Zona do Euro.
Comparação entre os países
Entre as principais economias, um dos destaques negativos é a Espanha, que deve ver sua economia encolher 12,8% este ano, segundo o FMI, seguida pela Itália, com recuo previsto de 10,6%. Os dois países estão entre os que foram fortemente atingidos pela pandemia.
Na comparação com as projeções pré-coronavírus, as perdas econômicas da Espanha e da Itália foram de 14 e 11 pontos percentuais, respectivamente.
Na outra ponta, a China deve terminar o ano isolada dos outros países com sua economia em crescimento. Mesmo assim, a taxa de crescimento de 1,9% prevista para a economia chinesa representa uma redução drástica em relação aos números que o país costuma apresentar para o PIB, acima de 6% nos últimos anos.
Antes da pandemia, em outubro de 2019, a previsão do FMI era de que a China cresceria 5,8% em 2020 – ou seja, uma perda de 3,9 pontos percentuais entre as previsões pré e pós-Covid.
Número de mortes versus economia
O efeito da pandemia foi bastante desigual sobre a saúde da população e a economia dos diferentes países pelo mundo. É o que aponta um levantamento feito pelo InvestNews com o número de mortes por milhão de habitantes segundo o Wordometers e a piora nas previsões do FMI para a economia em outubro de 2019 e outubro de 2020.
Na lista com 190 países, entre os que têm mais mortes por milhão de habitantes estão, pela ordem, San Marino, Peru, Bélgica, Brasil, Espanha e Chile. Apesar da triste situação comum a esses países, o resultado sobre a economia não foi equivalente.
Entre eles, o Peru foi o que teve a maior piora na previsão para o PIB deste ano, com mudança de mais de 17 pontos percentuais negativos entre o relatório de outubro de 2019 e de 2020. Em seguida vieram Espanha (queda de 14 pontos), Bolívia e San Marino (11 pontos cada), Bélgica (9,5 pontos) e Brasil (7,8 pontos).
O caso Suécia
Segundo o FMI, os efeitos da pandemia devem puxar o PIB sueco para uma queda de 4,72% em 2020 – uma piora de 6,18 pontos percentuais em relação à previsão de crescimento de 1,46% antes da pandemia.
Entre os 190 países avaliados, essa perda entre as projeções coloca a Suécia na 53ª posição no ranking da comparação dos desempenhos do PIB em 2020. No entanto, na lista de mortes por milhão de habitantes com dados do Wordometers, o país fica com a 14ª posição, também entre 190 países.
Durante os primeiros meses da pandemia, a escolha da Suécia do método para combater o coronavírus se tornou alvo de discussões em muitos países, incluindo o Brasil. A dúvida era sobre a possibilidade do isolamento social vertical (menos rigoroso) ser eficaz para reduzir o contágio e, ao mesmo tempo, poupar a economia.
A situação do Brasil
Sobre a queda menor do PIB na comparação com outros países, o economista André Braz, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que os resultados fracos da economia brasileira nos últimos anos ajudam a explicar esse fenômeno.
“O nosso PIB não estava crescendo tanto quanto o desses países. O país vinha de duas quedas na casa de 3% em 2 anos (2015 e 2016), depois alta de 1, 1 e 1% (2017, 2018 e 2019). Não há muito o que cair, dado que você não cresceu. Em outras economias, uma taxa de crescimento do PIB mais robusta justificaria uma queda maior”, diz Braz.
Orlando Assunção, professor de Economia da FAAP, acrescenta que as previsões também “dependem muito da maneira como os países reagiram em termos de medida sanitária”. Ele aponta que, no Brasil, “não se teve em nenhum momento um lockdown realmente, a economia nunca fechou totalmente”, como aconteceu por exemplo em alguns países europeus.
Os economistas citam ainda medidas do governo brasileiro como tentativa de mitigar os efeitos da pandemia sobre a economia, como o auxílio emergencial, que aumentou a renda no Brasil.
“Tivemos pacote de ajuda financeira, política expansionista como nunca se havia feito, com taxa básica de juros de 2%. Hoje, a gente trabalha com taxa negativa se considerarmos a taxa básica e a inflação. Isso nunca se viu no Brasil”, diz Assunção.
No entanto, o economista ressalva que o custo dessas medidas preocupa. “O Brasil já vinha com uma trajetória de aceleração da dívida e apresentando déficit primário desde 2014. Com esses gastos com programas de ajuda financeira, a dívida bruta deve bater fácil os 100% do PIB já no início do ano que vem, e o próprio FMI menciona isso”, comenta Assunção. “Todos vão sair mais endividados. A questão é como resolver isso ao longo do tempo.”
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