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Por que o juro parece não fazer cócegas na inflação

Ilustração mostrando o sinal de percentual e um homem se equilibrando sobre o sinal

Ilustração: João Brito

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano, o Banco Central deve voltar a subir a taxa Selic e, desta vez, tudo indica que em uma dose ainda mais forte. A maior parte dos economistas acredita que a Selic vai subir em 0,75 ponto, para 12% ao ano nesta quarta-feira (11). E uma alta ainda mais forte, de 1 ponto percentual, não está descartada.

Mas o que está preocupando os especialistas é que o aumento dos juros feito até agora não está tendo o efeito esperado: a inflação continua alta e, pior, as expectativas estão cada vez mais negativas. É o que os especialistas chamam de perda de eficácia da política monetária. Nesse tipo de situação, para conseguir o mesmo resultado, a dose de juro precisa ser muito maior.

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A Selic está em dois dígitos desde fevereiro de 2022. Se a aposta da maioria for confirmada, o BC estará acelerando o ritmo: no encontro anterior, o juro havia subido 0,5 ponto, para os atuais 11,25%.

Uma alta 0,75 ponto não é trivial, ainda mais quando a taxa já chegou em um nível tão alto. O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, lembra que essa dosagem foi usada em apenas 13% dos ciclos de alta de juros.

“Uma aceleração do ritmo não resolverá os problemas que nos trouxeram até aqui. A essa altura, não há nada que o Banco Central possa fazer para impedir que a inflação dos próximos meses seja pressionada pelo repasse do câmbio, pela elevação dos preços de proteínas e pela deterioração das expectativas.”

Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco

A incerteza sobre o quadro fiscal vai continuar comprometendo a confiança do investidor. E é por isso que, para o economista do Bradesco, não adiantaria o BC acelerar o passo agora: o melhor mesmo seria continuar no ritmo atual, de 0,5 ponto.

Outlier

Enquanto o Brasil caminha na direção de acelerar o ritmo, a maior parte dos BCs está na contramão, reduzindo os juros. Isso deveria estar surtindo efeito tanto sobre a inflação quanto sobre o câmbio. Afinal, a diferença entre o juro brasileiro e o do resto do mundo deveria atrair mais investimento estrangeiro e, dessa forma, valorizar o real. Nada disso está acontecendo. Ao contrário, o dólar ultrapassou a barreira dos R$ 6,00 pela primeira vez na históría.

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No cenário traçado pelo economista-chefe do Citi, Leonardo Porto, a Selic vai terminar o ano em 12% e continuará subindo em 2025, até atingir 13,25%. E, segundo as projeções do banco, o Brasil será o único país dentre as principais economias do mundo a subir os  juros no ano que vem – todas as outras devem reduzir suas taxas ao longo de 2025.

Como consequência, o crescimento econômico vai perder força. Porto espera um aumento do PIB de 3,3% este ano, de 2,2% em 2025 e de 1,8% em 2026 – o pior desempenho dentre os pares.

Só que mesmo com os juros pesando na vida de empresas e consumidores, a inflação por aqui continuará acima da meta. Porto espera que o IPCA suba 4,8% este ano e 4,3% no ano que vem. O alvo a ser perseguido em 2025 é 3%. Isso mostra que a alta de juros não está cumprindo plenamente o seu papel, muito também em função do desajuste do câmbio – a forte depreciação do real frente ao dólar acaba acentuando o repasse de preços.

Para surtir efeito, a política monetária depende do que os economistas chamam de “canais de transmissão”. Os principais são o crédito, o câmbio, o preço dos ativos e as expectativas. É uma complexa tubulação que precisa estar desobstruída para que os juros de fato cheguem à economia real.

Segundo Porto, o que está atrapalhando esse efeito hoje é o canal das expectativas. E o que deixa bem evidente que essa tubulação não está funcionando é a reação dos juros futuros às decisões do Banco Central.

Em momentos normais, os juros mais longos caem quando o Banco Central acelera o aumento da Selic, porque o mercado entende que um aperto maior agora fará a inflação cair no futuro, abrindo espaço para algum alívio na política monetária lá na frente. Agora, o BC está subindo mais a Selic, mas os juros estão ainda mais altos. Isso mostra que os investidores duvidam da eficácia da Selic.

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E o que está obstruindo essa tubulação é um velho conhecido: o fiscal. Como existe uma perspectiva de continuidade de gastos e piora das condições da dívida pública, a capacidade do juros esfriar a economia e segurar a inflação fica comprometida. E aí o Banco Central tem que subir o juro muito mais do que seria necessário em outro cenário.

O risco que alguns especialistas enxergam é que o quadro piore a tal ponto que, em algum momento, aumentar os juros acabe tenho um efeito mais nocivo do que benigno para a economia. O juro não consegue mais conter a inflação e seu único efeito passa a ser o aumento da dívida pública. É o que se chama tecnicamente de dominância fiscal, situação de tamanho descontrole que a alta dos juros poderia até mesmo gerar inflação, na medida em que torna o custo da dívida muito maior e amplia o medo de insolvência do governo. Ainda não chegamos nesse ponto, mas o risco está aí, garante o economista.

“Não estamos em dominância fiscal, mas isso não significa que a política monetária não esteja perdendo sua eficácia.”

Leonardo Porto, economista-chefe do citi

É importante lembrar que o Brasil não viveu um quadro de dominância fiscal desde o Plano Real. Mas o tema volta à pauta porque a dívida está em franca deterioração. No cenário do Citi, a dívida pública deve encerrar 2026 em um montante equivalente a 86% do PIB.

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