“Urgente: papagaio aprende a falar que ‘o problema do Brasil é o fiscal’ e vira economista-chefe no mercado financeiro”, tuitou o Faria Lima Elevator.
O papagaio, infelizmente, está certo. E uma das consequências do problema fiscal foi jogar os juros dos títulos públicos lá para cima – pois eles acompanham a Selic, que passou a subir com a incerteza toda.
Juros em alta são bons para a renda fixa, sabemos todos. Quanto maior a Selic, mais o seu fundo DI rende. Vale o mesmo para os títulos Tesouro Selic, claro, e para os depósitos que acompanham a taxa básica de juros, caso das Caixinhas, do Nubank; dos Cofrinhos, do PicPay, e do Meu Porquinho, do Banco Inter.
Mas é bom para a renda fixa toda? Não. Metade do volume de títulos públicos em circulação consiste em papeis prefixados ou de inflação (mais sobre isso adiante). E o preço de mercado deles cai quando os juros sobem, derrubando o seu saldo.
Prefixado 2031: -5,22%
Exemplo prático. Vamos dizer que você colocou R$ 10 mil em títulos prefixados com vencimento em 2031 no começo do ano, quando a taxa deles estava em 10,69% ao ano. Agora, em novembro, seu saldo estará em R$ 9.478. Perda de 5,22%.
Mas o combinado não era 10,69% ao ano? Era. Isso só vale, porém, para quem guardar o título até o vencimento.
Lembre-se que a Selic subiu e entrou em viés de alta. Subiu a Selic, sobem os juros dos prefixados também. Não o juro do prefixado que está no seu bolso. Esse segue igual (em 10,69%, no caso). O que sobe é a taxa desse mesmo papel no mercado – que é o agente que compra os seus títulos se você decide sacar antes do vencimento.
Um título prefixado é simplesmente um papel virtual dizendo “isto aqui vale R$ 1 mil na data tal”. Se o vencimento for em 2031, a “data tal” será 15 de maio de 2031.
No começo do ano, cada unidade desse título valia R$ 498. A diferença entre isso e R$ 1 mil equivalia a juros compostos de 10,69% ao ano até a data de vencimento.
Aí a Selic sobe, puxando com sua força magnética os juros dos prefixados. Como já mostramos aqui, o juro do prefixado 2031 subiu para 13,16%, certo? Para que isso aconteça, só tem um jeito: o preço do título tem de cair – é o que os economistas chamam de “marcação a mercado”.
Esse é o mantra: subiu o juro, caiu o valor. E se caiu o valor, caiu o seu saldo. Nesse caso, um tombo de 5,22% – a renda fixa converteu-se em “perda fixa”, usando o termo que Luiz Barsi cunhou.
Mas calma que piora.
Saldo tomba todo dia, que agonia
Os títulos prefixados não são os mais comuns. Bem mais populares são os “de inflação” que pagam o IPCA mais um juro real, além da inflação – daí o nome deles, “IPCA+”. Eles são bons porque garantem que você não vai perder dinheiro nem se o Brasil passar a ter uma inflação argentina – algo que arrasaria os prefixados.
Mas o juro real também oscila de acordo com as expectativas para o futuro da Selic. Como estas estão subindo, esses juros também estão.
O IPCA+ com vencimento em 2045 custava R$ 1.324 a unidade no começo do ano. No caso desses títulos, o valor final que ele vai pagar lá na frente não é de R$ 1 mil. É o “valor nominal atualizado” (VNA); uma cifra que sobe todo dia, acompanhando a inflação – por isso o título paga o IPCA automaticamente. O VNA no começo do ano era de R$ 4,1 mil.
A diferença entre R$ 1.324 e R$ 4,1 mil era o juro real, que no início do ano estava em 5,56%. Na terça (19) ele era de 6,69%. Subiu o juro, caiu o preço. E a unidade do título tinha tombado para R$ 1.167. Queda de 11,93%, que transforma um deposito inicial de R$ 10 mil em minguados R$ 8,8 mil. Perda fixa.
(Um parêntese para ilustrar: o VNA também subiu, naturalmente, pois acompanha a inflação. Agora ele está em R$ 4,3 mil – e isso também entra na conta; não precisamos entrar em tantos detalhes, mas entramos).
Bom, o IPCA+2035 caiu também. Só que nem tanto. O efeito é menos deletério nos títulos que vencem mais cedo. Uma alta de um ponto percentual numa taxa que vai incidir por 10 anos cria um buraco menor do que o mesmo acontecimento numa taxa que vai trabalhar por 20 anos.
Palavras voam; números ficam. Vamos aos números, então.
Na prática. Quem colocou R$ 10 mil no IPCA+2035 no começo do ano está hoje com R$ 9,6 mil. Queda de 4,12% – causada por um juro real que subiu de 5,32% para 6,70%.
Já no título de inflação mais curtinho, o 2029, a alta nos juros não bastou para negativar o rendimento no ano. Ele está em 1,46% neste momento – ainda assim, léguas distante dos investimentos que acompanham a Selic. Esses sobem 9,5% no ano (o CDI de janeiro a novembro).
Ok. Mas e aquele “tombam até 31%” lá do título? Agora vem a bomba.
‘Renda menos’
Essa queda de 31% é do título de inflação mais longo que existe no Brasil; quiçá na Via Láctea: o Renda+2064.
O Renda+ é um título particularmente engenhoso. Não é que ele vence em 2064. Cada um desses títulos é formado, na verdade, por 240 “mini-títulos” que começam a vencer em 2064. Os últimos só amadurecem, só se transformam automaticamente em dinheiro, em 2084 – um ano tão longínquo que soa como ficção científica.
LEIA MAIS: Quanto colocar no Tesouro Renda+ para receber R$ 5 mil por mês
A fórmula é particularmente eficaz para garantir uma aposentadoria (clique no link ali em cima e veja). Mas ela tem outra característica. Lembra que, quanto mais longo o título, maior o rombo no saldo conforme os juros sobem? Então.
Como o Renda+2064 só vence num futuro a perder de vista, cada batidinha de asa dos juros anuais cria uma tempestade na marcação a mercado.
É monstruoso. O Renda+2064 começou o ano a 5,52%. Na terça (19) o juro estava em 6,55%. Quem tinha colocado R$ 10 mil ali no começo do ano, e precisou tirar, sacou R$ 6,8 mil. Perda de 31,3%.
O outro lado
Sobe o juro, cai o preço. Mas o contrário também vale, claro. Em 2019, a Selic engatou uma série de quedas, fechando o ano a parcos 4,50% (pense nos 11,25% de agora…) – e com viés de baixa.
Foi um ano mágico para quem estava cheio de IPCA+ na carteira. Os juros do 2035 e do 2045 caíram 1,57 ponto percentual. Sobre o que isso significou de rendimento, vale até enfileirar:
- O 2035 subiu 37%.
- O 2045 avançou 60%
O Renda+? Ele não existia em 2019. Nasceu em 2023. Não chegou a completar um annus mirabilis de cabo a rabo. Mas teve seu período de boa fortuna.
Num intervalo de seis meses, entre 6 março e 15 de agosto de 2023, ele entregou 84%. Foi um patamar parecido com o das ações da Nvidia no mesmo intervalo (103%) – e note que a fabricante de chips de IA já tinha começado seu rali histórico para se tornar a empresa mais valiosa do mundo.
Pois é. Como também já disse o Faria Lima Elevator: se Warren Buffett fosse brasileiro, teria prestado concurso público e estaria atolado em IPCA+.
A gente vai levando.
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