Economia
Reforma tributária de volta ao debate: economistas comentam 3 pontos polêmicos
Com o fim do recesso parlamentar, expectativa é de retorno das discussões sobre a reforma tributária já nesta semana.
O recesso parlamentar se encerrou neste sábado (31), e a expectativa é de que a reforma tributária volte às discussões já nos próximos dias. Para economistas ouvidos pelo InvestNews, se for aprovado, o projeto tem potencial para ajudar a economia, mas é preciso atenção aos detalhes na mesa de negociação.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou na última semana que a primeira parte da reforma tributária, que envolve mudanças no Imposto de Renda de pessoas físicas, jurídicas e na tributação de dividendos, deve entrar na pauta já nos próximos dias, com possibilidade de votação até novembro.
Especialista em contas públicas, o economista Fabio Klein, da Tendências Consultoria, diz que, ainda que a reforma tributária seja aprovada de forma parcial, será “um passo”. “O Brasil é complexo demais. A gente é campeão no tempo gasto para lidar com obrigações tributárias, o litígio é muito elevado. Ao simplificar, mesmo com a carga [tributária] mantida, essa simplificação teria um potencial de aumentar a produtividade da economia, competitividade das empresas, e aumentar a arrecadação porque a economia cresce”, comenta.
Klein comenta a reforma considerando as duas fases apresentadas até agora. Em 2020, o governo apresentou ao Congresso a primeira fase da reforma, propondo unificação de PIS e Cofins. Já a proposta mais recente, apresentada neste ano, é a chamada “fase 2“, que propõe mudanças no IR e outros pontos como tributação de dividendos.
Para Klein, a reforma vai no sentido correto no que ele aponta com os 4 princípios que devem norteá-la: simplificação do sistema tributário, neutralidade da carga (ou seja, sem aumento no saldo final), equidade (“paga mais quem pode mais”) e eficiência da economia.
De maneira semelhante, o economista Luis Paulo Rosenberg, da Rosenberg Associados, diz que reduzir o Imposto de Renda sobre as empresas e passar a tributar dividendos, como propõe o projeto apresentado pelo governo, é uma forma de, ao mesmo tempo, melhorar a eficiência da produção e aumentar a equidade da economia.
“A reforma, ao mesmo tempo, diminui a tributação sobre empresas e introduz de volta uma progressividade no Imposto de Renda que havia sido perdida. Esse segundo aspecto, sem dúvida, é o mais notável porque, às vésperas de uma eleição presidencial, o governo ter a coragem de mandar uma medida que vai penalizar os 5% mais ricos da população é algo extremamente louvável”, afirma.
Mas, apesar de verem a reforma tributária com bons olhos de maneira geral, os economistas apontam 3 pontos do debate que vão merecer atenção durante as negociações do projeto no Congresso. Veja quais são eles:
Fim do desconto simplificado de 20% do IR
Uma das propostas contidas na reforma é o fim da opção de declaração simplificada do Imposto de Renda para quem ganha mais de R$ 3.333 por mês. Hoje, quem opta por esse modelo tem desconto de 20% no valor pago à Receita. Se a reforma passar como está, pessoas que ganham acima da faixa mínima ficam obrigadas a fazer a declaração completa. Para Klein, esse ponto pode prejudicar o princípio da equidade que deve ser buscado com a reforma.
“Quando você fala ‘vou aumentar a faixa de isenção de IRPF’, está buscando equidade. E, nessa reformulação, dá pra ver que o benefício foi maior para quem ganha menos. Mas junto disso veio a retirada do desconto simplificado”, explica. Segundo ele, isso afeta “a classe média baixa que ganha R$ 3 mil e poucos por mês, que depende basicamente da renda do seu trabalho.”
“Esse cara tem uma renda que dá mais ou menos os R$ 40 mil no ano, usa escola pública, SUS. Hoje, ele tem o beneficio de um sistema simplificado de descontar 20%. Nessa base, ele tem um alívio tributário. Com a retirada desse desconto, isso pode fazer com que haja um aumento de carga para o cidadão que está nesse limiar, e até jogá-lo para a pobreza”, analisa o especialista.
‘Fatiamento’ da reforma tributária
Rosenberg aponta os questionamentos sobre a forma pela qual a reforma está sendo feita – por partes. “É uma crítica lógica. Eu quero saber o contorno final da estrutura tributária do país. Mas eu iria um pouco mais longe: então por que já não fazer de uma vez a reforma fiscal? Ou seja, ao mesmo tempo vamos diminuir o gasto público (que hoje está sendo chamado de reforma administrativa), definir qual é o tamanho do gasto que a gente quer e, aí sim, qual é a estrutura tributária que a gente acha mais adequada para atender a essas necessidades”, diz.
Klein aponta que, para analisar os efeitos que a reforma pode ter sobre a economia, é preciso enxergá-la como um todo – o que significa pensar também na “fase 1” da reforma tributária.
“Na parte de simplificação, que seria o enfoque principal da fase 1, a gente tem por exemplo o governo criando um IVA [imposto sobre valor agregado] federal, a unificação de PIS e Cofins, vai nessa linha. Por outro lado, não leva em conta ISS [Imposto Sobre Serviço] e ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. É meia reforma. O imposto mais complexo e mais importante é ICMS”, opina Klein.
Para ele, o governo federal está “perdendo a oportunidade de dialogar com os governadores para fazer uma reforma mais ampla”, incluindo ICMS.
Ainda assim, os dois economistas afirmam que uma reforma fatiada é melhor do que reforma nenhuma. “Se a gente fizer a fase 2 e não fizer a 1, se for bem feita a 2, continua sendo bom”, resume Klein.
“A gente sabe como é Parlamento. Cada um tem suas idiossincrasias. Se o Paulo Guedes deduziu que a forma menos arestosa de aprovar o projeto é por pedaços, vamos nessa. No final pode levar mais tempo, mas o importante é sempre caminhar na direção certa, e isso o projeto fez”, diz Rosenberg.
A conta de estados e municípios
No campo das críticas à reforma, existe a de que os estados e municípios arcariam com a maior parte da redução da arrecadação. A perda deve ficar entre R$ 23 bilhões e R$ 27 bilhões, o que acabou gerando reclamações da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Rosenberg afirma que a queixa faz sentido.
“Nós estamos fazendo uma bruta reforma no Imposto de Renda e não estamos mexendo na contribuição social [CSLL, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido]. Qual é a diferença entre os dois? O Imposto de Renda vai uma parte substancial para uma vala comum que é o fundo de participação dos estados e municípios. A contribuição não, porque a contribuição não é imposto. […] É isso que os estados reclamam. ‘Na parte que ele tem que dividir conosco, (o governo federal) é generoso e deixa baixar. Agora, no dele ele não mexe?’”, diz.
Rosenberg defende ainda que, “quando alguém faz uma reforma para tratar do assunto de Imposto de Renda, deveria mexer na contribuição”.
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