Economia
Taxar exportação de petróleo cru gera dúvida sobre tributação futura
Economistas apontam possível criação de novos tributos; medida vale por 4 meses.
A incerteza futura é uma das principais preocupações que a decisão do governo federal de taxar a exportação de petróleo cru gera. É o que apontam economistas consultados pelo InvestNews, que avaliam que a medida traz receios sobe quais podem ser os próximos passos de tributações no Brasil, bem como prejuízo à competitividade do país.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu tributar a exportação de petróleo cru, que passa de zero para 9,2% pelos próximos quatro meses. A medida foi tomada para reforçar a arrecadação federal e compensar a reoneração parcial da gasolina em R$ 0,47 por litro e a do etanol em R$ 0,02 por litro anunciada recentemente.
A expectativa é que a nova tributação, que vai incidir sobre empresas exportadoras de petróleo bruto do país, arrecade cerca de R$ 6,6 bilhões durante o período que vai vigorar.
Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, avalia que o anúncio repentino não é bem-visto e gera incertezas.
“Mesmo sendo um imposto de 4 meses, gera temores. A preocupação é: se amanhã houver um outro ‘buraco’, o que vai ser taxado?”
Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos
Para João Eloi Olenike, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), a taxação é uma medida que contraria a política sempre utilizada pelos governos anteriores, que é a isenção quase que total de tributos de todos os tipos de exportação.
“Esse ato está na contramão dessa política, além de prejudicar os exportadores, que perderão competitividade via aumento dos custos”, avalia Olenike.
Impactos
Segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), as exportações de petróleo são o terceiro item mais importante da balança comercial brasileira, sendo responsável por um superávit de US$ 65 bilhões nos últimos quatro anos.
Assim, na avaliação do instituto, a tributação das vendas externas, mesmo de forma temporária, pode impactar a competitividade do país a médio e longo prazos, além de afetar a credibilidade nacional em relação à estabilidade das regras.
“A criação desse novo imposto afeta as perspectivas de aumento da produção de petróleo, uma vez que o produto será onerado e sofrerá uma maior concorrência de países que não tributam a commodity”, disse o IBP em documento de posicionamento após a decisão do governo.
Ainda de acordo com o instituto, o período definido para cobrança do novo imposto, por si só, não retira os efeitos de percepção negativa que podem perdurar, podendo ocasionar atraso ou mesmo cancelamento nas decisões de investimentos em exploração e produção, com potencial efeito negativo na arrecadação de tributos federais e estaduais e na geração de empregos.
Ariane Benedito, economista e RI da Esh Capital, aponta que essa movimentação tributária gera um aumento de preço nos bens finais, pois o custo de produção aumentará e haverá uma perda de receita dolarizada.
“Se as empresas dos setores não conseguirem repassar esses custos, terão suas margens pressionadas, como nesse caso, que é um bem administrado”, diz Benedito.
Por outro lado, Roberto Dumas, economista do Insper, acredita que a decisão do governo, de imediato, não vai impactar as exportações do Brasil e que o ponto de atenção são os próximos passos.
“Isso traz uma incerteza. Será que acaba em 4 meses? Será que o tributo vai aumentar depois do prazo final? Será que haverá mais aumentos? Os compradores podem buscar outros vendedores de petróleo e aí, sim, prejudicar o comércio internacional. Acho que esse é o principal ponto”, defende Dumas.
Câmbio será prejudicado?
Benedito explica que, na teoria, uma perda de receita na conta da exportação pode vir a diminuir reservas de dólares e piorar a medição da balança comercial nos períodos desses aumentos de impostos.
Carvalho destaca que, em momento de incerteza, alguns investidores estrangeiros podem preferir voltar para mercados mais seguros, como os Estados Unidos, que está em processo de elevação de juros.
“Temos um momento global na economia que é muito desafiador, então, qualquer ruído que ameaça investidores, eles já saem correndo para seu porto seguro, que é o dólar”, diz o economista da Valor Investimentos.
Já para Dumas, no curto prazo, a decisão de taxação de exportação de petróleo cru não tem impacto no câmbio, mas abre precedente.
“Se no próximo movimento do Fernando Haddad ele quiser recompor as contas com mais impostos de exportação, isso, certamente, deve mexer com o câmbio. Foi uma medida pontual. E o mercado até que ‘engoliu’. Agora, se abrir precedente para outras commodities, vai mexer no risco fiscal e cambial”, defende o economista do Insper.
O que pode acontecer com as contas públicas?
A retomada da cobrança dos impostos sobre combustíveis e taxar a exportação de petróleo cru é parte de pacote de medidas do Ministério da Fazenda com o objetivo de reduzir déficit primário em 2023 a valor inferior a R$ 100 bilhões.
Beendito, da Esh Capital, diz enxergar a medida como uma tomada de decisão em consequência da conjuntura macroeconômica atual de aperto monetário mais contracionista (juros altos), que exige que a política fiscal vá no mesmo sentido. Isso acontece, segundo a economista, em meio aos objetivos do governo de maiores investimentos e, assim, necessita de financiamento para cumprir com a agenda sem correr o risco de irresponsabilidade.
“O impacto é positivo para a arrecadação e contribui para uma folga no balanço de pagamentos”, acredita a economista.
Na mesma linha, embora exista a incerteza dos próximos passos do governo após os 4 meses de taxação da exportação sobre petróleo cru, o economista Peter Carvalho explica que essa medida foi justamente para ajustar o orçamento, com a receita que já estava prevista.
Já para Eduardo Nishio, head de research da Genial Investimentos, o imposto sobre exportações de commodities em um país que é grande exportador destes produtos é bastante negativo para a economia.
Nishio avaliou em relatório que, como os preços destes bens são determinados no mercado internacional, o aumento é, na verdade, de impostos sobre os lucros das empresas exportadoras de petróleo.
Além disso, o head de research da Genial aponta que a taxação pode ser uma quebra de contrato com as empresas que venceram os leilões de licitação para a exploração do petróleo no Brasil, pois esta possibilidade não estava no documento. Dessa forma, segundo ele, o resultado será uma redução dos investimentos no setor e efeito negativo sobre as exportações, com redução do superávit comercial e das reservas no médio prazo.
“É um precedente perigoso. Se o governo está disposto a taxar o petróleo, porque não taxar a exportação de minérios e commodities agrícolas? Mais incerteza significa menos investimentos e menos exportações”, avalia Nishio.
Pontos de atenção
Benedito defende que nenhuma política econômica restritiva, no caso, a de aumento de impostos, deve ser permanente. Segundo a economista, a forma correta de utilização é uma medida de controle, mas com contrapartidas que geram normalização de retorno e ambiente estável para o setor.
“Uma atuação mais intervencionista no setor de petróleo, no longo prazo, pode desencadear distúrbios na cadeia econômica, pois está presente na grande maioria dos bens de produção”, avalia a RI da Esh Capital.
Já Dumas, do Insper, considera que a medida de taxação do petróleo cru de maneira isolada dificilmente vai ter impacto nos investimentos do setor, mas traz alerta sobre o longo prazo.
“Se o governo ganhar tração e começar a colocar imposto de exportação cada vez mais nos combustíveis, isso, certamente, vai prejudicar a produção de combustível, a exportação, a balança comercial, a produção de outras commodities, especialmente agrícola, e ainda mais o déficit fiscal e as contas públicas”, diz o economista do Insper.
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