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Auxílio emergencial 2021: o que muda e quais os impactos para o investidor?

Contrapartida fiscal vai determinar se os efeitos serão positivos ou negativos para o bolso do investidor, dizem analistas; entenda em 5 pontos.

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Os rumores sobre um possível retorno do auxílio emergencial em 2021 vêm impactando o mercado financeiro há algumas semanas. Depois que o presidente Jair Bolsonaro admitiu que a retomada do programa deve mesmo acontecer, as discussões ganharam força. Para especialistas, o que deve determinar a forma como o tema vai mexer no bolso do investidor é a contrapartida fiscal para a retomada do programa – ou seja, quais despesas o governo vai cortar para custear a medida sem furar o teto de gastos. 

Embora não haja confirmação oficial do governo, as notícias veiculadas nos últimos dias são de que o novo auxílio emergencial será de R$ 200 por parcela e terá a duração de três meses. A versão de 2020 do programa beneficiou 64 milhões de pessoas com pagamentos de parcelas de R$ 600 e, depois, de R$ 300. O custo foi de R$ 293 bilhões aos cofres públicos.

Especialistas ouvidos pelo InvestNews apontam que os possíveis impactos para o bolso do investidor podem ser opostos de acordo com os moldes fiscais do programa. Veja abaixo as perspectivas para 5 pontos de atenção para os investimentos com a volta do auxílio emergencial: 

1 – Impacto na taxa Selic

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, alertou na terça-feira (9) que novos gastos do governo que não tenham contrapartida fiscal (ou seja, cortes em outras áreas do orçamento para compensar) podem modificar a política monetária. Isso poderia levar a Selic a um avanço maior do que o mercado espera. 

João Beck, economista e sócio da BRA, lembra que a questão fiscal ser um requisito para o BC manter a política de juros não é novidade. “Em todas as atas, o Banco Central foi claro em dizer que a trajetória da Selic dependeria também da sinalização no controle fiscal. Se essa sinalização não vem, seja com a prorrogação do auxílio ou qualquer outro gasto sem contrapartida, o mercado entende que altas mais fortes da Selic virão”, afirma ele. 

Rossano Oltramari, sócio da 051 Capital, também aponta a possibilidade de alta da Selic com a volta do auxílio. “Mais gastos públicos fazem com que a dívida brasileira aumente. Consequentemente, se coloca em xeque o teto de gastos públicos e se é sustentável no médio e longo prazos uma taxa de juros tão baixa com a dívida crescendo. Os investidores que compram títulos públicos vão continuar emprestando correndo mais riscos? Quanto maior o risco, mais os investidores vão querer cobrar mais juros.”

Alison Correia, analista da Top Gain, acrescenta que o auxílio pode elevar a Selic pela via inflacionária – ou seja, ao estimular o consumo, o benefício alimentaria uma tendência de alta de preços, tornando necessário um aumento dos juros para esfriar a demanda.

Vitor Noronha, CEO e planejador financeiro na K1 Capital Humano, também comenta esse ponto. “O impacto da forte alta do dólar e da alta das commodities geraram uma grande pressão inflacionária. Uma das apostas da equipe econômica era que com o fim da pandemia e o fim do auxílio haveria menos pressão sobre o consumo das famílias e isso permitiria juros baixos por mais tempo, porém este não é o cenário neste início de 2021, e é muito provável que a manutenção do auxílio adicione mais gasolina na fogueira inflacionária e o BC precise iniciar o ciclo de aumento de juros antes do esperado.” 

Já Pedro Bresser, analista de investimentos da Levante Ideias de Investimentos, comenta que existe a possibilidade de juros em queda se a organização fiscal for bem avaliada pelo mercado. “Existem dois cenários: se tiver auxílio voltando com contrapartida fiscal, a gente vai ter um impacto positivo no mercado. As taxas de juros futuros podem cair um pouco. Mas em um cenário que não haja contrapartida fiscal, com o auxílio sendo um gasto a mais sem reduzir em outra ponta, aí o mercado vai reagir de uma maneira negativa, e as taxas de juros futuros sobem”.

2 – Impacto na bolsa

Correia diz que a volta do auxílio sem contrapartida fiscal “impacta negativamente a bolsa por vários pontos”. “Qualquer tipo de incerteza sobre a manutenção do teto de gastos, a bolsa sente. Obviamente, pela descrença dos investidores internacionais”, afirma. 

Além disso, se a volta do auxílio não for acompanhada de corte de outros gastos, além de prejudicar a bolsa pela incerteza fiscal, pode puxar o Ibovespa para baixo também por causa do efeito sobre os juros. É o que comentam Beck e Bresser. Os analistas apontam que, se os juros subirem mais do que o mercado espera, a bolsa deve cair no curto prazo. 

Já Oltramari afirma que há mais perspectivas a serem consideradas. “Por um lado, a continuação do auxílio pode ser positiva para a bolsa porque o benefício coloca mais dinheiro na economia, que está muito fragilizada e se recuperando lentamente. Isso pode ser positivo para as empresas. Por outro lado, se o governo for irresponsável com os gastos e não buscar receita de outras fontes, o país pode perder credibilidade, os investidores podem sair do país e a economia entrar em colapso.”

3 – Como deve ficar o dólar

Bresser diz que a moeda pode subir de volta para a faixa dos R$ 5,50 se não houver a contrapartida fiscal. Agora, se o cenário for o inverso, a tendência é que o real ganhe força contra o dólar. 

Oltramari também aponta para essas duas possibilidades. “A questão do dólar está totalmente relacionada à credibilidade do governo. Se o país conseguir o equilíbrio de continuar fornecendo o auxílio emergencial e manter a disciplina fiscal, o fluxo de capital externo vai continuar vindo para o Brasil.” 

No entanto, os especialistas apontam que é difícil prever o efeito do auxílio emergencial sobre o mercado de câmbio, já que a mesma medida traria forças contrárias para o dólar, com fatores de alta e baixa agindo ao mesmo tempo. 

Correia menciona um “movimento antagônico”, porque, por mais que um sentimento de descrença do mercado puxe uma tendência de alta do dólar, juros mais altos podem fazer o a moeda norte-americana cair em relação ao real, já que retornos maiores poderiam atrair investidores estrangeiros e, portanto, aumentar a quantidade de dólares no mercado brasileiro. Noronha também comenta esse fenômeno de forças contrárias puxando o dólar, e Beck fala em “efeito neutro”. 

4 – Impactos sobre a renda fixa

Noronha comenta que “os investimentos de renda fixa pós-fixados estão diretamente relacionados à taxa de juros e sofreriam impacto positivo na rentabilidade de maneira geral.

No entanto, olhando para cada tipo de investimento isoladamente, pode haver diferenças no impacto. “A renda fixa é dividida em três categorias: pós-fixado, indexados à inflação e pré-fixados. No curto prazo, com altas acima do esperado na Taxa Selic, a modalidade de pós-fixado se beneficia mais em detrimento das outras duas opções”, explica Beck. 

De maneira geral, segundo Correia, “se a curva de juros começar a aumentar, há mais opções em renda fixa com uma rentabilidade um pouco mais atrativa”. “Não é o que a gente tem neste momento, por isso a bolsa tem subido tanto. Então, para os ativos de renda fixa, ficaria melhor o cenário”, afirma o analista. 

5 – Impacto para o bolso do investidor

Os especialistas comentam que, analisando a tendência para os investimentos de forma ampla, o impacto do retorno do auxílio emergencial vai depender da forma como isso vai acontecer, mas também do posicionamento de cada investidor. 

“Se você está falando de um investidor novo que está procurando opções, com a taxa de juros subindo, se isso é dado por concreto, é legal, ele tem mais opções. Agora, se você tem um cara que está posicionado em bolsa, ele pode sentir o baque com esse aumento da taxa de juros, e aí não seria tão legal assim”, compara Correia. 

No entanto, considerando todos os cenários, Oltramari analisa que, “se governo passar a imagem de que a prorrogação do auxílio emergencial é temporária, pode ser positivo para o investidor num geral”. “A chave de tudo isso é a credibilidade que o Brasil passa. O investidor está preocupado com a credibilidade em relação à dívida”, diz. 

“O auxílio beneficia o grupo de maior fragilidade econômica, tendo forte impacto social. Há um impacto positivo no consumo, mas, de maneira geral, o bolso do investidor sofre com a manutenção do auxílio, tanto pela pressão inflacionárias como pela incerteza caso o governo não consiga aprovar reformas”, comenta Noronha.

Beck acredita que “a perspectiva geral ainda é favorável”. “Recomendamos nunca fazer grandes mudanças estruturais na carteira por conta de ruídos políticos. O investidor, nos tempos de Selic baixa em níveis recorde, mais do que nunca deve olhar prazos muito longos de investimentos, acima de 5 anos. Notícias dessa natureza trazem impactos negativos de curto prazo em bolsa, mas, para o investidor de longo prazo, uma carteira de bons ativos e gestores, assim como diversificada, servem justamente para que o investidor esteja um pouco imune ao noticiário local.”

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