Finanças
Bolsa vai criar índice com as melhores ações de empresas para trabalhar; entenda
De olho na diversidade e inclusão, indicador será o primeiro da B3 focado no pilar social dos 8 índices sob a temática ESG.
Quem acreditou que a temática ESG (Environmental, Social and Governance) era moda passageira no mundo os investimentos se enganou. Tudo indica que a tendência veio para ficar, tanto que a bolsa brasileira já trabalha estratégias para ampliar seus portfólio de índices com foco na prática, apoiada nos pilares de governança e socioambiental nos próximos dois anos.
Prova disso é o novo índice de ações das melhores empresas para trabalhar, que estreia na B3 em 2021, em parceria com a consultoria global Great Place to Work (GPTW). O índice reunirá companhias de capital aberto que são avaliadas como fortes no pilar social do ESG, com foco em práticas de diversidade e inclusão, e que estão no topo das melhores práticas oferecidas a funcionários no Brasil.
Temática ESG cresce na B3
Atualmente, a B3 conta com um portfólio de 69 índices. Destes, apenas 7 estão alinhados com as temáticas ESG. Na temática de sustentabilidade há três:
- ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial)
- Índice S&P/B3 Brasil ESG
- ICO2 (Índice Carbono Eficiente), focado em mudanças do clima
No pilar de governança corporativa, há quatro índices na bolsa brasileira:
- Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada (IGC)
- Índice de Ações com Tag Along Diferenciado (ITAG)
- Índice de Governança Corporativa Trade (IGCT)
- Índice de Governança Corporativa – Novo Mercado (IGC-NM)
Foco nas práticas sociais
E, no pilar social, o novo índice em parceria com a GPTW chega para suprir essa demanda. Este será o primeiro índice da categoria. Segundo Gleice Donini, superintendente de Sustentabilidade da B3, a parceria com a GPTW traz a oportunidade de desenvolver um índice mais focado nas práticas sociais, algo que já é muito forte nas bolsas estrangeiras. “Vemos outras bolsas de valores colocando índices mais diversificados para que os investidores possam tomar decisões e estamos alinhando o Brasil às praticas que já existem no mundo”, afirma.
A iniciativa só foi possível graças à demanda do mercado brasileiro de inserir práticas ESG nas companhias, que explodiu em 2020. Segundo a superintendente, a novidade faz parte de uma estratégia de reposicionamento da B3 que busca trabalhar a agenda ESG por três pilares: induzir boas práticas de mercado; criar produtos e serviços que contribuam com a visão do investidor na tomada de decisões e ter um portfólio diversificado de índices.
Para Gleice, o Índice das melhores empresas da bolsa para se trabalhar é uma provocação de desenvolvimento para as empresas e, ao mesmo tempo, um referencial para os investidores que enxergam nas práticas ESG a oportunidade de escolher uma companhia rentável e consistente com ações resilientes a períodos de crise.
A ideia é fazer com que os investidores possam tomar melhores decisões de investimento com base nas informações dos índices acionários que seguem práticas ESG. Para as gestoras de investimentos, também há mais facilidade de classificar as companhias pelos critérios de sustentabilidade, governança além de diversidade e inclusão.
Gleice acrescenta que esta é uma oportunidade de desenvolver novas práticas de mercado, já que, quando uma companhia preenche o questionário para avaliar os pilares ESG, ela entende o que é referencia e o que ainda pode ser melhorado na empresa. “Fica mais simples traçar um plano de ação”, afirma.
Como surgiu a parceria?
Desde 1997, a consultoria Great Place to Work publica a lista das 150 melhores empresas para se trabalhar no Brasil. O estudo sempre identificou aspectos como faturamento, turnover, confiança na liderança das companhias. Com base nestes dados era calculada a rentabilidade das melhores empresas e feita uma comparação com aquelas que não integravam o ranking.
Segundo Roberta Hummel, diretora de Regionais e Relações Internacionais da GPTW, este processo de comparar a rentabilidade das companhias não foi criado pela consultoria. O procedimento já ocorria nos Estados Unidos por meio do índice Russell que comparava a rentabilidade das carteiras Russell 1000 e Russell 3000 além das melhores companhias americanas para trabalhar.
A GPTW tinha o desejo de trazer essa metodologia também para o Brasil. Antes de 2020, o cálculo desta rentabilidade era feito de forma “caseira” pela consultoria, até que, após fazer alguns projetos com a B3, surgiu a proposta de calcular a rentabilidade das melhores companhias de capital aberto para se trabalhar no Brasil.
A B3 enxergou no ranking uma oportunidade de comprovar com dados históricos a rentabilidade das empresas listadas. Afinal, companhias com boas práticas de gestão de funcionários, fornecedores e relacionamento com a comunidade além de bons exemplos de governança deveriam em consequência ser mais rentáveis e sucedidas no longo prazo.
Gleice revela que a B3 já vinha acompanhando a rentabilidade de companhias listadas no índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que completou 15 anos, com as que não integravam o índice e foi possível enxergar um descolamento na performance das ações além da volatilidade dos ativos. “A gente entende que funcionários mais engajados, uma empresa mais diversa impacta positivamente nos negócios e faz sentido para a nossa estratégia ESG” afirma ela sobre a parceria com a GPTW.
Fatos e não discursos
Fazer parte de um índice ESG nem sempre é garantia de boas práticas no mercado. Companhias listadas nos maiores níveis de exigência em governança e sustentabilidade já escorregaram nas boas práticas.
Um exemplo disso é a mineradora Vale (VALE3), que apesar de integrar o índice ISE de sustentabilidade da bolsa brasileira, se viu envolvida em 2018 no crime ambiental de Mariana e, na sequência, no desastre com a barragem Brumadinho, em Minas Gerais.
Outro exemplo é a JBS (JBSS3), companhia listada no Novo Mercado, em tese, o nível mais alto de governança corporativa da B3, mas que enfrentou sérios problemas de gestão e denúncias de corrupção no passado envolvendo investigações sobre o pagamento de propinas e delações premiadas dos irmãos Batista, donos da companhia, para governos anteriores.
Não é greenwashing
O InvestNews questionou a B3 e GPTW sobre as estratégias que seriam utilizadas para que as práticas de diversidade e inclusão nas companhias não fiquem apenas no discurso, o chamado greenwashing.
Segundo Roberta Hummel, há uma garantia de que os dados do ranking, que serão assimilados pelo índice da B3, mostram fatos em vez de apenas discursos corporativos. Isso graças à metodologia de avaliação que está dividida em dois processos: 67% é feita pelos funcionários e 33% é feita por um conselho.
Ao se cadastrar no ranking, a companhia aceita ser auditada ou até mesmo removida caso infrinja os critérios de seleção.
Na primeira etapa, são os próprios funcionários que respondem a um questionário de forma voluntária, no qual explicam se o ambiente de trabalho é de confiança, se acreditam nos líderes e se há respeito e imparcialidade nas relações de trabalho. Também conta o envolvimento da companhia com a comunidade.
Com estes critérios, os funcionários determinam se a empresa é de fato um bom local para se trabalhar. Na sequência, a GPTW verifica se as respostas são verídicas e se foram feitas pelos funcionários. Todas as respostas da pesquisa passam por um processo de auditoria para identificar que as informações são verídicas e confiáveis.
Na segunda etapa, que corresponde aos 33%, são avaliadas as práticas da companhia no mercado. E a GPTW conta com um conselho que fiscaliza as empresas, caso ocorra alguma infração como práticas de corrupção, trabalho escravo, entre outros conflitos com o pilar social, a empresa é removida automaticamente do ranking e perde o selo de boa companhia para se trabalhar.
O ranking é renovado anualmente, mas pode ocorrer a remoção de empresas infratoras a qualquer momento. Para identificar este tipo de prática, a GPTW oferece um canal de denúncias aos funcionários destas empresas, por meio do qual podem ser apontadas irregularidades.
O novo índice da B3 deve manter estes mesmos critérios de seleção do ranking, estabelecendo apenas parâmetros para validar as empresas de capital aberto.
Além disso, o índice deve diferenciar companhias médias das grandes, e multinacionais de nacionais, considerando que uma multinacional pode ter práticas sociais mais elaboradas fruto da herança da matriz. Enquanto companhias 100% brasileiras ainda estão engatinhando nas práticas de diversidade e inclusão.
Desafios da agenda social
Quando o assunto é o pilar social, o Brasil ainda tem empecilhos em muitas áreas. A ausência de diversidade de género é um dos conflitos, nenhuma companhia tem mais de 50% de mulheres no board.
Para Gleice, o índice feito com a GPTW pode contribuir com este debate nos conselhos de administração, embora isso já seja requisito do questionário do índice ISE. Ela reconhece que as companhias de capital aberto estão aprendendo a lidar com diversidade e inclusão.
No quesito diversidade, Roberta, do GPTW, destaca a necessidade de incluir em todos os níveis da empresa. “As pessoas precisam ser bem tratadas, independentemente da posição que elas ocupam na companhia”, explica.
Ela afirma que os problemas de inclusão começam desde o processo seletivo. Muitas companhias sequer sabem quantos negros ou mulheres há na empresa e se justificam no discurso de que ‘todo mundo é igual’. Para Roberta, esta é uma forma muito simples de tentar lidar com a diversidade sem enxergar nem respeitar as diferenças.
Ela também destaca a importância dos líderes se posicionarem como lideranças comunitárias no lugar ser apenas líderes da empresa. “É quando as boas práticas extrapolam o ambiente corporativo”, diz. Por exemplo, no lugar de se preocupar apenas com quantas mulheres trabalham na companhia, no board ou na alta diretoria, é importante começar a contratar fornecedores mulheres, uma forma de extrapolar a companhia e levar tendência para a sociedade.
Segundo a GPTW, companhias líderes no pilar social são aquelas que criam tendências para influenciar o mercado. Empresas inconformadas que sempre buscam transformar socialmente.
Nestas companhias, a confiança é o principal pilar nas relações de trabalho, com líderes que traduzem de forma simples o propósito da empresa no dia a dia dos funcionários. Neste tipo de ambiente, também é fácil inovar, e não falamos de inovação de produtos ou serviços, e sim da abertura que os colaboradores têm para criar soluções, evoluir e se desenvolver sem necessidade de aprovação, reuniões ou excessivas burocracias.