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Por que o investidor deve fugir da falácia do ‘greenwashing’ nas empresas

Especialista alerta para a responsabilidade dos gestores de fundos na construção de uma cultura ESG que não se limite às aparências.

ESG

O universo dos investimentos ESG tem atraído o interesse de gestoras de fundos e corretoras para integrar as carteiras durante a pandemia. Mas enquanto a busca pelos pilares ambiental e social avança, as companhias de capital aberto ainda tropeçam em questões de governança. É só olhar para o Novo Mercado, que em teoria seria o mais alto nível de boas práticas entre as empresas de capital aberto, mas que teve muitas delas estampando as manchetes com uma série de escândalos. É o caso de Vale, CCR, Braskem, JBS e IRB Brasil.

Enquanto o Novo Mercado ainda lida com o fato de considerar governança corporativa apenas como um selo, novos pilares sociais e ambientais são inseridos na pauta e o risco de greenwashing no cenário corporativo aumenta.

Teoria x prática

Para quem ainda não conhece o termo do inglês (lavagem verde, em tradução livre), o greenwashing abrange práticas do mercado nas quais as empresas afirmam ter valores socioambientais, mas na verdade não passa de uma estratégia de marketing ou relações públicas. Alexandre Di Miceli, fundador da Virtuous Company Consultoria e especialista em governança, explica que existem dois tipos de greenwashing no mercado.

Algumas empresas aderem à prática quando intencionalmente ocultam algo que fizeram de errado. É uma omissão intencional. “A Vale, por exemplo, se encaixava neste tipo de prática extrema”, explica Di Miceli. A companhia chegou até mesmo liderar o ranking do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, apesar dos problemas ambientais em Mariana e Brumadinho.

O segundo tipo de greenwashing é o mais comum. Empresas que procuram se destacar com as questões ambientais e possuem departamentos de sustentabilidade. Mas, na prática, este discurso não sai do papel e não está integrado a outras áreas. “Infelizmente é o problema da maioria das empresas. Existem departamentos que falam de sustentabilidade, inclusão social, diversidade, ética, mas este debate não é internalizado nos negócios ou contratações”, explica.

Este segundo tipo de greenwashing chama a atenção para uma urgência de transformação. Afinal quantas empresas brasileiras cometem os mesmos erros?

Em um cenário com gestores inserindo companhias que praticam ESG nas carteiras, Di Miceli alerta para a responsabilidade do mercado financeiro na transformação da cultura. Afinal, muitas companhias podem aparentar ter valores sociais, ambientais e de governança apenas para obter um selo que implique no ganho de capital.

“É a nossa missão evitar fazer um checklist, tanto do lado da empresa como do lado dos gestores de fundos. Quando eles inserem uma companhia na carteira é preciso ficar atento para quem é de fato a empresa, muito além dos rótulos”, explica Alexandre, e acrescenta “Não é suficiente ter o rótulo é preciso consistência”.

Separar o joio do trigo

Vivemos em um mar de informações. Diante disso, como reconhecer se uma empresa é responsável com os pilares social, ambiental e de governança? Basta ela figurar no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3? Ou publicar relatórios de sustentabilidade.

Segundo Di Miceli, a Vale (VALE3) é prova de que nem sempre o ISE é confiável. Em 2018, mesmo com o problema de Mariana não resolvido, a Vale integrava a carteira do índice como uma das empresas mais sustentáveis da bolsa de valores. A carteira reunia 30 companhias, de 13 setores. Destas, a Vale respondia por 15% da sustentabilidade da bolsa. “Com esta situação, o ISE perdeu credibilidade, mas não existe bala de prata para falar se uma empresa é sustentável ou não, é preciso acompanhar histórico,, consistência e também como ela lida com seus funcionários”, explica.

Outro exemplo de prática distorcida, segundo Alexandre, foi o banco Santander (SANB11), que possui uma linha de crédito com juros menores para empresas sustentáveis, mas que em 2019 foi condenado por metas abusivas que estariam adoecendo psicologicamente os funcionários. “Em 2014, a cada 2h48 minutos, um funcionário do Santander adoecia no trabalho”, aponta. Com o pilar social na insanidade, o banco pode falar de ESG?

Ainda entre os exemplos negativos, Di Miceli cita a processadora de carnes JBS (JBSS3), empresa listada no Novo Mercado, mas que possui sérios problemas de governança e corrupção, como o pagamento de propinas para governos antigos. E também problemas de sustentabilidade. “Basta olhar para as fábricas interditadas pelos casos de coronavírus entre funcionários”, aponta.

Com nem sempre integrar o ISE ou fazer relatório de sustentabilidade é suficiente, Di Miceli alerta para os seguintes detalhes para o investidor separar o joio do trigo:

  • Olhe o histórico da empresa: companhias com uma cultura social e ambiental já praticam isso há décadas. É importante entender se a empresa teve problemas do tipo no passado. O especialista exemplifica “Recentemente o Fogo de Chão demitiu funcionários no Rio de Janeiro, e fez de tudo para não pagar direitos. Amanhã a empresa pode aparecer fazendo doações para causas ambientais. Adianta?”.
  • ESG é assunto de relações públicas: toda vez que a companhia fala de questões socioambientais ao público, coloca um porta-voz da área de RP, mas nunca este tema é abordado por líderes da alta gestão.
  • ESG é questão de departamento: A empresa trabalha os pilares de governança, sustentabilidade e sociais apenas por meio dos departamentos de compliance e socioambiental. Mas nunca esta mentalidade é promovida entre o CEO, diretores, funcionários e acionistas. Lembrando que as empresas líderes nestas práticas não possuem este tipo de departamento, porque a prática está inserida em cada área. Um exemplo é a marca de roupas americana Patagonia, líder global de sustentabilidade, que não possui departamento de sustentabilidade.
  • A companhia nunca dá notícias ruins: este também é outro ponto de alerta. Uma companhia que leva os pilares ESG a sério também precisa ser capaz de reportar os problemas ou impactos negativos nos seus processos. “Toda vez que a Patagonia cria um anúncio é possível encontrar frases como: Esta roupa custou 135 litros de água, vai gerar 60% de material reciclável e lançar 10 kg de emissões CO2. Apesar de estar vendendo um produto, eles mostram ao cliente o lado ruim da produção”.

Sem ‘mainstream ‘

Di Miceli conclui que fugir dos padrões talvez seja o primeiro passo para construir uma cultura real ESG dentro das companhias. “Uma mudança que nasce de dentro para fora e não por causa das exigências ou olhares”, explica. Ele destaca que nisso a responsabilidade dos fundos brasileiros é alta. E como saber se uma empresa tem os pilares ESG para valer?

Com o investidor estrangeiro cada vez mais exigente, há um caminho para que as companhias brasileiras não caiam na tentação do curto prazo apenas para ter acesso ao capital destes investimentos. “O mercado precisa amadurecer para não frustrar o investidor estrangeiro. Não adianta vender companhias ESG, e depois ocorrer problemas como os do Novo Mercado e o Brasil perder credibilidade”.

Os bons exemplos

Como todos esses desafios pela frente, Di Miceli aponta que há muitas empresas com pilares ESG, sustentabilidade, social e governança, além das de capital aberto. Alguns casos que fogem do padrão de companhias que já conhecemos são as multinacionais Danone, Unilever, Loreal, 3M, Takeda, com sedes no Brasil que há um bom tempo já praticam o ESG.

E olhando para o cenário nacional, Di Miceli elogia as práticas de algumas companhias fechadas, entre elas a Mercur do Rio Grande do Sul; Mãe Terra; Meu Móvel de Madeira; Korin; Creditas; Nubank; Sicredi e Algar.

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