Ninguém encara uma relação a dois imaginando o fim. Mas quem pretende viver com seu patrimônio intacto, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe, deve prestar atenção em alguns detalhes.
Mesmo a fronteira entre o que é um simples namoro, que não tem efeito contratual algum, ou uma união estável, que equivale a um casamento civil na parte das obrigações em caso de divórcio, é tênue.
Especialistas em Direito de Família alertam que, para evitar a confusão sobre o status da relação, é preciso que o casal de namorados se comporte como tal. “Os dois devem ter autonomia financeira, manter contas correntes individuais e não podem morar sob o mesmo teto”, exemplifica a advogada Marina Dinamarco.
Exemplo: um casal decide morar junto para dividir o aluguel. Como se configura essa relação? Pela letra fria da lei, um relacionamento com o “intuito de constituir família” já configura união estável. Trata-se de um termo subjetivo. Mas o ato de morar juntos pode bastar para que se comprove essa parte.
A lei também diz que, para ser união estável, a relação deve ser “pública, contínua e duradoura”. O “pública” deixa de fora amantes, por exemplo. O “contínua e duradoura” serve para ficar claro que o casal precisa estar junto por algum tempo – ainda que a lei não determine quanto tempo.
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Em suma: quem divide o mesmo teto e é, de fato, um casal, vive em união estável. Essa modalidade equivale a um regime específico de casamento, o mais standard deles: a da comunhão parcial de bens. Significa que, caso a relação acabe, todo o patrimônio adquirido durante a união estável deve ser partilhado, já os bens anteriores permanecem inteiros para cada um.
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Mas isso não significa que qualquer relacionamento estável, sob o mesmo teto, vai sempre incorrer numa comunhão parcial de bens. Ela só acontece se você deixar a situação no piloto automático, sem formalizar nada.
E o que você pode formalizar? Vamos lá. Se a ideia de que o seu relacionamento virou uma união estável soa para você como colocar o carro na frente dos bois, uma formalização possível é o contrato de namoro. Trata-se de uma escritura pública, algo que você registra num cartório de notas. Por essa via, o casal declara que não existe a “intenção de constituir família” – o que anula o conceito de união estável.
Agora, outro caso. Se você não tem interesse num contrato assim, há outra saída para deixar o patrimônio protegido: registrar em cartório que, sim, vocês vivem em união estável, mas que, não, não desejam um regime de comunhão de bens. Querem cada bem no seu quadrado.
Antes de prosseguir, vale descrever aqui todas as modalidades que o Código Civil prevê. E elas valem tanto para a união estável quanto para os casamentos propriamente ditos.
Os quatro regimes de divisão de bens
- Comunhão parcial de bens: se você não fizer uma opção por algum tipo de regime, é esse que vai valer em caso de união estável ou casamento. E aí, se você comprou um apartamento antes de dizer sim, ele é só seu. Se comprou depois, metade é do parceiro ou da parceira.
- Comunhão universal de bens: todos os bens, adquiridos antes ou durante o casamento, são compartilhados.
- Separação total de bens: os bens, nesta modalidade, permanecem independentes, não importando quando foram adquiridos.
- Participação final nos aquestos: é a menos usual, como você pode imaginar. Esse regime possibilita que cada cônjuge mantenha a propriedade individual dos bens durante o casamento, mas, em caso de divórcio, cada um tem direito a uma parte dos bens adquiridos durante a união, proporcional ao tempo que durou o enlace.
O regime que mais protege o patrimônio individual é, naturalmente, o da separação total de bens. Porque mesmo para quem não vê problemas no regime de comunhão parcial, o fato é que ele pode evitar imbróglios jurídicos depois da separação.
A advogada Laísa Santos, especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório, explica: “Esse regime reduz os riscos de discussão sobre os rendimentos de bens adquiridos ou recebidos antes do enlace”. Por exemplo: você tinha um apartamento antes da união, mas não morava nele (ele só rendia aluguéis). Numa situação de comunhão parcial, o parceiro pode exigir metade das rendas que o imóvel produziu durante o casamento/união estável.
Com separação total de bens, não há o que discutir.
Até agora falamos em precauções. Agora vamos para a situação de fato. Decidiu se separar? Veja o que o aguarda:
Dívidas
Anteriores ao Casamento
As dívidas acumuladas por um dos cônjuges antes do casamento não são compartilhadas com o outro, exceto se forem relacionadas aos custos do próprio casamento ou se seu pagamento resultar em benefício comum ao casal. Isso significa que, em regimes de comunhão universal e comunhão parcial de bens, as dívidas que não estão ligadas à vida a dois permanecem com o cônjuge que as contraiu.
Durante a União
As dívidas feitas durante o casamento, por outro lado, costumam ser consideradas dívidas conjuntas e, portanto, tendem a ser partilhadas entre os cônjuges nos regimes sem separação total de bens. Isso ocorre independentemente de qual cônjuge contraiu o débito, pois se presume que essas obrigações financeiras foram assumidas em benefício da família.
Investimentos
A divisão dos investimentos dependerá do regime de bens escolhido pelo casal. Se a opção for pelo regime da comunhão parcial de bens, todos os investimentos acumulados durante a relação serão partilhados entre o casal.
“A Justiça entende que houve contribuição do outro cônjuge na aquisição dos investimentos, seja de ordem direta ou indireta, como o apoio emocional e cuidados da família”, explica a advogada Marina Dinamarco.
Previdência privada
A previdência privada aberta (VGBL e PGBL) será partilhada. Já a previdência privada de regime fechado, aquela concedida pela empresa do trabalhador, é considerada um patrimônio individual.
FGTS
Na comunhão parcial de bens: neste regime, todos os bens adquiridos durante o casamento, assim como os depósitos de FGTS gerados no período, são considerados comuns e devem ser partilhados entre os cônjuges no momento da separação. Ou seja: mesmo que o FGTS não tenha sido retirado ou realizado imediatamente na separação, o saldo referente ao tempo em que o casal estava junto deve ser contabilizado na partilha.
Na comunhão universal de bens: também neste regime, o FGTS é passível de partilha. Isso se dá pelo entendimento de que todos os bens, incluindo os ativos como o FGTS, são igualmente compartilhados entre os cônjuges, independentemente de quem efetivamente gerou os depósitos durante a união.
Separação Total de Bens: não há partilha de FGTS.
Pensão
É possível que a Justiça determine o pagamento de pensão a um dos cônjuges. A pensão alimentícia tradicional é fixada quando um dos parceiros não têm condição física ou financeira de autossustento.
“Normalmente, são as mulheres que deixam seus empregos para se dedicar à família. Nessa situação, ela terá direito a receber uma pensão alimentícia por um determinado período até que seja recolocada no mercado de trabalho ou receba um patrimônio que lhe gere renda”, diz a advogada Marina Dinamarco.
Também existe a pensão alimentícia compensatória, de caráter indenizatório. Ela pode ser concedida para evitar desequilíbrio econômico no momento do divórcio, nos casos em que só um dos cônjuges administra o patrimônio comum do casal durante um divórcio litigioso (sem acordo) ou quando um dos cônjuges abdicou de seu crescimento pessoal e profissional para se dedicar à família.
Nunca é demais ressaltar: cada divórcio é único. Buscar ajuda profissional, como a de advogados, pode ser importante na hora de enfrentar esse momento delicado. Embora ninguém inicie uma jornada a dois pensando no fim, a realidade tem mostrado que uma separação sempre será uma possibilidade.
Com diálogo aberto, educação financeira e a escolha adequada do regime de bens, os riscos de um eventual término podem ser menores – para o coração e para o bolso.