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IPOs em 2023: cenário político e Selic alta devem desfavorecer novas ofertas

Para especialistas, receios fiscais com o novo governo e taxa de juros alta devem manter novas aberturas de capital na B3 na ‘geladeira’.

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Após 2022 encerrar sem nenhuma abertura de capital na bolsa de valores do Brasil, especialistas consultados pelo InvestNews avaliam que os cenários político e econômico do país seguem desafiadores em 2023, desfavorecendo novamente a retomada dos IPOs (Oferta Pública Inicial, na sigla em inglês) na B3 (B3SA3).

Segundo a CVM, até o momento não há pedidos de ofertas de ações em análise ou registrados para 2023. Em 2021, ocorreram 30 aberturas de capital na bolsa brasileira e 25 em 2020. Já no ano passado, o cenário internacional adverso e juros mais altos no Brasil acabaram deixando investidores mais receosos e desestimulando novatas na bolsa.

Confira a quantidade anual de abertura de capital na bolsa de valores do Brasil desde 2012:

Thiago Calestine economista e sócio da DOM Investimentos, acredita que  as chances de abertura de capital na B3 em 2023 são as menores possíveis, pois o custo de oportunidade ficou muito alto. 

“Temos agora uma taxa de juros muito alta, e como o Focus já mostra que o mercado coloca um pouco no preço a alta probabilidade da Selic aumentar, tudo isso desmotiva muito as empresas irem até o mercado para pedir capital. Provavelmente, não vai ter apetite, o investidor vai preferir ganhar seu 1% ou até mais por mês sem correr risco de bolsa”, defende o economista.

Segundo Calestine, com juros altos, imprevisibilidade fiscal e incertezas de quais serão as novas “regras do jogo” do novo governo, não deve haver um cenário lucrativo para novas aberturas de capital na B3. 

Empecilhos  para IPOs em 2023

Leonardo Neves, especialista de renda variável da Blue3, explica que, quando se fala em IPO, é preciso entender que a empresa está pegando parte do capital dela e colocando para o mercado comprar de uma maneira em que ela consiga arrecadar recursos para fazer diversos tipos de investimentos. 

Neves explica que quando se olha para o cenário atual, de Selic alta, a conta-base usada é entender que a precificação das empresas está descontada, pois a taxa de juros é sempre usada como fator crucial na hora de fazer valuation da companhia

Atualmente, a taxa Selic, a taxa básica de juros do Brasil está em 13,75% ao ano, após um 2022 marcado por elevação de 7,75% ao ano para o atual patamar, com o ciclo de alta se encerrando em outubro do ano passado, após 12 altas consecutivas.

Confira a trajetória da Selic:

“Quando temos juros altos, é mais raro ver IPOs acontecendo, pois será lançado no mercado com um valor descontado, pelo fato da taxa de juros estar em patamar elevado. Esse é o maior empecilho, além de uma conjuntura desfavorável em macroeconomia para bolsa. O cenário não é favorável para empresas novas entrarem no mercado de ações”, afirma Neves.

Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research, destaca que o mercado está muito instável, com o novo governo e novas mudanças nos primeiros dias de governo, como assinatura de decretos, medidas provisórias, sinalização de que empresas que estavam no radar para serem privatizadas não serão, indicando mudanças no funcionalismo público, o que acaba, de acordo com Lopes, acarretando em mais custos e fazendo com que o mercado desenhe a evolução da dívida bruta, que vai corrigir a Selic. 

Segundo o último Boletim Focus, de 2 de janeiro, o mercado passou a elevar sua projeção para a Selic neste ano, de 12% estimado na semana anterior para 12,25%.

“Fica muito instável para o investidor que passou por pandemia, guerra na Ucrânia e inflação global. Investidor de grandes fundos e estrangeiros opta por não colocar grande fluxo nos investimentos, principalmente nos ativos de risco, os que mais sofrem em momento de estresse e juros elevados. Tem muita promessa e vai ter grandes dificuldades de cumprir dado o cenário atual, então, o mercado fica mais recluso”, aponta Lopes.

Quando o cenário para IPO pode melhorar?

Levindo Santos, sócio da G5 Partners, avalia que a âncora de demanda para um novo ciclo de IPOs deverá se concentrar em investidores internacionais, e que os principais fatores a serem considerados são: avaliação dos primeiros meses do novo governo e o cenário macroeconômico e geopolítico internacional. 

Gabriel Meira, economista da Valor Investimentos, também acredita que o fluxo de capital estrangeiro no país é o que pode ditar se haverá um bom humor para IPOs na B3 este ano.

Meira explica que, em meio ao cenário de incertezas, a companhia que deseja se capitalizar tem acesso ao mercado de crédito, onde consegue captar a um custo de dívida não tão alto e que a permite girar sua operação sem ficar exposta ao mercado volátil previsto para este ano.

Ariane Benedito, economista especialista em mercado de capitais, acredita que o primeiro semestre de 2023 tende ser mais desafiador para abertura de capital na B3. Já para o segundo semestre, caso a responsabilidade fiscal do novo governo seja mantida, com propostas e diretrizes, principalmente fiscais, de controle e equilíbrio econômico, Benedito diz que o Banco Central pode se sentir confortável de iniciar corte de juros.

“Se a economia for por esse sentido, há inversão de cenário e abre espaço para o investidor começar a se animar com entrada de capital para a renda variável, e as empresas, consequentemente, também venham buscar oportunidade. É mais provável que aconteça spin off (cisão) de empresas do que IPOs em si”, diz Benedito.

Marcos Almeida, diretor da WIT Corporate, destaca que cada vez que o mercado demonstrar que há um movimento de reversão da curva de taxa de juros no Brasil e melhoria no cenário externo e inflação, o mercado de capitais tem o potencial de ser maior do que 2021.

Nova resolução da CVM

A partir de 2 de janeiro de 2023, passou a valer a resolução 160 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que traz algumas mudanças nos processos de ofertas públicas iniciais de ações. Desta forma, as instruções normativas 400 e 476 deixarão de vigorar.

Confira as principais mudanças:

Para Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research, essa resolução é positiva, pois não tira a rapidez do processo e traz mais informações sobre a empresa ao investidor. 

Na mesma linha, Levindo Santos, sócio da G5 Partners, também avalia a medida como benéfica, pois dá mais flexibilidade ao processo e simplifica o acesso dos investidores às informações essenciais, sendo uma importante evolução normativa que cria condições mais favoráveis para o acesso de empresas ao mercado, incluindo para IPOs.

Já para Marcos Almeida, diretor da WIT Corporate, não deve haver grandes mudanças. Almeida explica que a CVM 160 regulamenta que todas as ofertas públicas deverão ser registradas variando apenas o rito, que pode ser automático ou ordinário. De acordo com o diretor da WIT Corporate, essa regulamentação vai afetar mais as securitizadoras na emissão de instrumentos de dívidas.

Setores que podem se destacar em 2023

Ariane Benedito lembra que, em meio às políticas do governo Lula, se observará a população tendendo para consumo de bens essenciais, saneamentoenergia elétrica, por exemplo. De acordo com Benedito, isso faz com que o investidor olhe para esses setores com prioridade. 

“Bens essenciais, commodity, utilities e financeiro terão essas procuras. Então, empresas que estão inseridas nesses setores podem ter mais chances de demanda e interesse de investidores e fazer com que empresas de setores que não estão na bolsa procurem capitalização pois têm demanda do investidor”, diz Benedito.

 Levindo Santos, sócio da G5 Partners, também acredita que empresas de setores como energia e saneamento devem ser protagonistas em uma nova janela de mercado para IPOs. Santos destaca ainda que empresas relevantes e que atuam em setores que exploram vantagens comparativas brasileiras (agronegócio, mineração, produtos florestais) também poderão encontrar demanda junto aos investidores, sobretudo internacionais. 

“De forma geral, empresas maiores, com comprovados diferenciais competitivos e que já estejam se preparando para acessar o mercado, trabalhando seus fundamentos, terão maiores chances de sucesso”, acredita o sócio da G5 Partners.

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