Durante décadas, a ideia de investir no exterior parecia coisa de milionário. As operações exigiam uso de estruturas complexas, como trusts e offshores, que têm um custo elevado. Ou você teria de abrir uma conta-corrente em dólar diretamente em um banco autorizado a operar no mercado americano e, depois, cadastrar-se em uma corretora de valores internacional.
Nos últimos anos, porém, investir no exterior ficou muito mais fácil. A digitalização do setor financeiro abriu as portas dos mercados internacionais para investidores de todos os perfis.
Isso porque hoje é possível abrir uma conta internacional em moeda forte totalmente on-line, via app, em várias instituições. Os bancos digitais criaram ecossistemas que incluem contas globais de investimento conectadas à versão de pagamentos e a uma plataforma de produtos financeiros no exterior.
Os aplicativos permitem ao usuário converter reais em dólar ou outra divisa com alguns cliques. Também possibilitam fazer aplicações diretamente na moeda americana em fundos, renda fixa, ações, ETFs, corporate bonds (títulos privados) e títulos do Tesouro dos EUA. E o cliente faz tudo isso de maneira tão simples e fácil quanto aplicar em reais no Brasil, sem precisar usar as estruturas mais sofisticadas.
Funciona assim: você escolhe a instituição que melhor atende seus planos de investimentos – vale pesquisar quais tipos de aplicações cada banco ou corretora daqui oferece lá fora. É tranquilo aderir a mais de uma instituição, porque, em geral, as contas globais não têm cobrança de taxas de manutenção. Depois você tem ainda de confirmar a abertura da versão para investimentos.
No próprio app, você consegue visualizar os produtos onde pode colocar o dinheiro e as condições, como prazos de vencimento e de resgate de cada um, o tipo de remuneração, as taxas de juros, a aplicação mínima…
Antes de investir, não é preciso converter seus reais em dólar na conta de pagamento. O melhor é fazer o câmbio diretamente na conta-investimento. Isso porque sobre a simples aquisição de dólares há um imposto sobre operações financeiras (IOF) de 1,1%. Mas no caso dos recursos enviados diretamente para aplicações financeiras, a alíquota do IOF cai a 0,38%.
Uma vez que os recursos estejam na conta-investimento, é só escolher o produto e transferir o dinheiro. Existe uma vantagem grande em usar o ecossistema digital de uma instituição. Isso porque as contas ficam conectadas.
Quando você resgatar o recurso, o valor vai ser depositado na versão de investimentos. Mas o dinheiro pode ser transferido a qualquer momento para a conta de pagamentos, sem cobrança de taxa.
Em toda conversão cambial, os bancos cobram um spread, ou seja, uma taxa extra para remunerar os serviços prestados. No caso do dólar, o spread é cobrado, em geral, sobre a cotação comercial.
Esse pedágio varia de casa para casa – de 0,8% a 2% para cada operação. Por exemplo, se a moeda americana tem sido negociada a R$ 6,10, a conversão de seus reais seria feita a um câmbio de R$ 6,1488, no caso de um spread de 0,8%. No topo dessa faixa, o custo subiria para R$ 6,222.
Como existe ainda o IOF, a cotação efetiva de uma conversão simples subiria para R$ 6,2164, no caso do spread de 0,8%. Na outra ponta, o imposto elevaria o custo para R$ 6,29. Isso para o câmbio direto.
Se for um recurso enviado para a conta global de investimentos, o IOF cai para 0,38%. Nesse caso, com spread de 0,8% o custo efetivo alcança R$ 6,1958. No outro exemplo, o câmbio efetivo seria de R$ 6,2456.
Quando o investidor resgatar qualquer valor da aplicação, terá de pagar o imposto de renda sobre o ganho obtido. A alíquota é única, de 15%, para qualquer rendimento. Mas no cálculo do IR entram tanto os juros da aplicação quanto a variação cambial – o que vale para o leão, afinal, é o ganho em reais.
Para investidores sofisticados
As estruturas tradicionais, como a offshore e o trust, ainda são utilizadas por investidores mais sofisticados. O primeiro veículo é um tipo de empresa criada no exterior com objetivo de fazer negócios ou investir fora.
Uma offshore permite aos donos realizar investimentos em praticamente qualquer mercado internacional. Além da versatilidade, oferece benefícios fiscais por ser, em geral, sediada em territórios com vantagens tributárias, como Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas.
Já o trust funciona mais dentro da lógica do planejamento sucessório. Nessa estrutura, que se assemelha à de um fundo exclusivo, o dono do patrimônio passa os bens para um terceiro administrar (o trustee). No fim do contrato, os recursos são repassados aos beneficiários.
Quais são seus objetivos?
Resolvida a questão de como acessar os produtos, o próximo passo é entender suas metas. São de curto prazo, como viagens? É diversificação de carteira? Quer renda em dólar? Os objetivos vão, na prática, definir as estratégias e o quanto de risco sua carteira pode incorporar. No mundo dos investimentos, em geral, quanto maior o retorno observado, maior os riscos.
“Em investimentos, saber como aplicar é parecido a ir numa consulta ao médico”, afirma a sócia e especialista de private bank da BlackBird, Sharon Halpern. “Ou seja, assim como o diagnóstico, tudo é um grande depende. Depende dos objetivos, do patrimônio e da necessidade de liquidez.”
Quem vai precisar dos recursos em alguns meses não deve aplicar, por exemplo, em títulos de renda fixa com prazos longos. Ou mesmo em ações e outros mercados que apresentam um sobe e desce muito intenso – você amargará um prejuízo se as condições estiverem desfavoráveis na hora do resgate.
Nesse caso, o ideal é priorizar produtos conservadores e que permitem saques no mesmo dia ou no seguinte. Mesmo se a remuneração for menos atrativa. Opções no mercado americano com essas características são os fundos de money market, que funcionam de maneira semelhante aos fundos DI brasileiros. Ou seja, a versão lá de fora segue de perto o referencial de juros de curto prazo estabelecido pelo banco central dos EUA, o Federal Reserve – hoje, ao redor de 4%.
Se sua intenção é diversificar em moeda forte, sem ter necessidade de resgatar no curto prazo, aí a as possibilidades aumentam muito. Na renda fixa, por exemplo, você pode distribuir os recursos entre diversos tipos de investimentos, como os títulos do Tesouro americano, os Treasuries. São papéis prefixados, ou seja, que pagam uma taxa definida quando se contrata o produto, com inúmeros horizontes de vencimentos. Os mais demandados são os de 2, 5 e 10 anos.
Além do governo dos EUA, as empresas também emitem títulos para captar recursos no mercado. Como qualquer empresa traz um risco de inadimplência em relação ao Tesouro, esse produto paga um retorno acima dos Treasuries de prazos semelhantes.
Hoje a taxa do títulos público americano de 10 anos gira em torno de 4,5% ao ano. Desse modo, um bond de mesmo prazo vai pagar um prêmio sobre essa remuneração. Uma pesquisa em plataformas de investimento mostra que os retornos alcançam 5% a 10%, dependendo do risco avaliado pelo mercado .
Longo prazo é a chave
A especialista em investimentos internacionais da Warren, Isabella Bessa, afirma ser importante as pessoas pensarem no longo prazo, quando pretendem diversificar as aplicações fora do Brasil. “Para quem busca ganho de capital ou diversificação o investimento no exterior não pode ser de curto prazo. Hoje o dólar está acima de R$ 6. Mas por fatores que a gente ainda nem conhece ainda pode rapidamente cair para abaixo desse patamar.”
A história mostra você deve levar a sério a oscilação cambial. Em outubro de 2002, por exemplo, o dólar alcançou uma cotação de R$ 4, nível muito elevado para a época. Nos anos seguintes, a moeda americana passou a cair. No fim de 2005, estava em R$ 2,32. Em 2011, chegaria a R$ 1,53.
Com a estratégia de longo prazo, a renda variável assume uma importância grande no portfólio. No mercado dos EUA, historicamente, o mercado de ações costuma trazer um retorno maior do que a renda fixa com o passar dos anos.
Halpern, da BlackBird, ressalta que os americanos adotam um portfólio padrão de investimentos com uma proporção entre as duas classes bem mais arrojada do que os brasileiros. Isso porque, raramente, os títulos de dívida mais conservadores trazem retornos de dois dígitos. A carteira clássica lá fora segue uma participação de 60% de renda fixa e 40% de renda variável.
A especialista enxerga essa carteira 60/40 como a mais equilibrada para a parcela de investimentos alocados no exterior. Em 2024, o retorno das bolsas de Nova York se mostrou bem mais polpudo que os Treasuries. O S&P 500, um dos principais índices de ações americanas, teve uma alta acumulada de 23% no ano passado.
Para investidores que não pretendem escolher ações a dedo os ETFs, ou fundos que replicam índices com cotas negociadas nas bolsas, são uma boa alternativa. Os mais tradicionais são os que acompanham o S&P 500, que acompanha uma carteira com as 500 maiores empresas de capital aberto dos EUA.
Outra forma de manter recursos na renda variável é o BDR. A sigla se refere aos termos Brazilian Depositary Receipts. São recibos de ações de companhias estrangeiras.
A diferença entre o recibo e a ação em si é que o investimento é feito por meio da bolsa brasileiras, em reais. Com os BDRs, você pode aplicar seu dinheiro em Apple, Meta, Alphabet, Microsoft – na verdade, em quase mil empresas de fora. O investimento aí é em reais, mas flutua ao sabor do dólar.
A desvantagem das BDRs é que, no caso de empresas que não estejam entre as gigantes, a liquidez é menor. Isso significa que a compra sempre será feita com algum ágio; e a venda, com algum deságio. Nesses casos, então, vale olhar com mais carinho para as gigantes americanas, mais líquidas.
Custos tributários no exterior reduzem retornos
Bessa, da Warren, faz um alerta: certos custos tributários de investir no mercado americano podem tirar a atratividade das aplicações em dólar. Há, por exemplo, o imposto de herança que nos EUA pode alcançar 40% do patrimônio. Na prática, significa que, se o investidor morrer o fisco de lá vai ficar com quase metade do que os beneficiários vão herdar.
Outro cuidado é com os dividendos recebidos. A legislação americana cobra 30% desses rendimentos, quando recebidos por estrangeiros. Por exemplo, há diversos ETFs que distribuem dividendos dos papéis na carteira. Mas isso se refere a fundos custodiados nos EUA.
Bessa explica que existem ETFs de índices americanos que ficam custodiados em outros países. “Nesse caso, esses recursos não vão ter nem a tributação de 30% sobre dividendos, como também escapam dos 40% do imposto de herança.”
A especialista da Warren cita, como exemplo os ETFs custodiados na Irlanda e que seguem as regras UCITs, ou Undertakings for Collective Investment in Transferable Securities Directive. Nesse caso, os fundos podem seguir um índice acionário americano, como o S&P 500, mas foram constituídos dentro da regulação da União Europeia.
“Muitas vezes as pessoas se preocupam com a escolha de ativos mas não se preocupam com os custos que incidem em investimentos no exterior”, diz Bessa. “É importante evitá-los”.
Uma tributação de 30% sobre dividendos resulta em um impacto de um ponto percentual de rendimento a menos por ano ao longo de uma década, conforme um estudo da Warren. A especialista lembra ainda ser importante olhar as taxas de administrações cobradas pelos fundos. “Um ETF vai cobrar uma taxa de administração anual de menos de 0,1% ao ano, enquanto em um fundo mútuo com estratégia semelhante pode chegar a 1,5%.”
Como 90% dos fundos perdem para ETFs de índice no longo prazo, não há muito o que pensar. E isso se aplica a qualquer país do mundo.
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